quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo Lula promove explosão do funcionalismo

Por O Globo

Contratações batem recorde sem que haja reforma administrativa para modernizar a gestão do Estado

O apetite da gestão petista por novas contratações tem se revelado voraz. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevê contratar, no acumulado do terceiro mandato, 22.817 servidores federais, mais que o dobro dos 10 mil admitidos na administração Jair Bolsonaro, como mostrou reportagem do GLOBO. Fora 24 mil contratações temporárias, a maior parte recenseadores do IBGE. Até agora, já foram autorizadas 19,1 mil contratações. Para 2026, a previsão é preencher 3.652 vagas (3.144 de nível superior e 508 de intermediário).

O Ministério da Gestão alega que elas são necessárias para recompor a máquina pública, diante das aposentadorias posteriores à reforma da Previdência em 2019 — o governo estima que 57 mil servidores do Executivo se aposentarão entre 2024 e 2026. E afirma que, na gestão anterior, houve congelamento de concursos.

Compreende-se que a máquina precise funcionar para haver continuidade na prestação de serviços. Mas essa realidade não afeta apenas este governo. Quase dois terços dos funcionários admitidos de 2017 a 2026 serão contratados no atual mandato. Mais funcionários, obviamente, representam mais gasto. Em 2023, as despesas com pessoal somavam R$ 363,7 bilhões. Para 2026, a previsão são R$ 456,8 bilhões.

Sinal de que não se trata de mera necessidade de manter a máquina é a criação de 4,4 mil novos cargos comissionados pela gestão petista desde 2023, atingindo o recorde de 50.770, como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, com base em dados do Farol da Oposição, do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB. O problema não está apenas na quantidade de cargos, mas também na qualidade. A despeito de a legislação exigir qualificação para essas vagas, na prática critérios políticos se sobrepõem aos técnicos. Não é incomum alguém ser nomeado para um cargo sem a menor capacidade de exercê-lo.

O certo seria haver contratações, se necessárias, apenas depois da reforma administrativa, para elas incorporarem as novas regras de avaliação e a racionalização das carreiras do serviço público. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) promete tornar as regras do funcionalismo mais modernas, mais eficazes e mais alinhadas à realidade. Entre outros pontos, a PEC prevê o fim de regalias (como férias acima de 30 dias ou licença-prêmio), estabelece metas obrigatórias de desempenho para servidores, cria uma tabela única de remuneração para todos os entes da Federação e limita a 10% do salário auxílios de alimentação, saúde ou transporte para quem recebe acima de 90% do teto constitucional.

Infelizmente, a PEC não tem avançado no Congresso e não deverá ser votada ainda neste ano. Os entraves não estão só no Parlamento. Dentro do governo, há divergências sobre o tema e notória má vontade. “Falta ao governo uma decisão ali do núcleo central, principalmente do presidente Lula”, disse Pedro Paulo ao GLOBO.

O inchaço da máquina pública é marca indelével das gestões petistas, historicamente alinhadas às corporações do funcionalismo. Por mais que as contratações preencham necessidades, não há tentativa de racionalizar a gestão para fechar vagas. A reforma administrativa estabeleceria limites racionais às inúmeras benesses e melhoraria a qualidade de quem é contratado. O serviço público ficaria melhor e sairia mais barato para o contribuinte.

Suspeitas de elo de autoridades com crime exigem investigação responsável

Por O Globo

Sem conclusões apressadas, é preciso elucidar papel de desembargador preso no caso TH Joias-Bacellar

No início do mês, a Polícia Federal (PF) prendeu o então presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União). Bacellar é acusado de ter vazado informações sigilosas ao ex-deputado Thiego Raimundo dos Santos, o TH Joias, suspeito de vínculo com o Comando Vermelho. Acabou solto pelo plenário e deixou a presidência da Alerj. Ontem, como antecipou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, a PF voltou à carga e prendeu o desembargador Macário Júdice Neto, relator do caso TH Joias no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).

Júdice já havia sido alvo de processos sob acusação de venda de sentenças, enfrentou Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e cumpriu período de afastamento de 18 anos. Entre os elementos que embasaram sua prisão, estão trocas de mensagens com Bacellar. A principal suspeita que pesa sobre ele — autor do mandado de prisão de TH Joias — é ter participado do vazamento. Segundo a PF, Bacellar avisou TH que ele seria preso. TH conseguiu fugir e destruiu provas, depois acabou detido noutro endereço. Pelas informações disponíveis, não está claro o papel de Júdice. É fundamental não tirar conclusões precipitadas do episódio. As investigações estão em curso e, por enquanto, existem apenas suspeitas. Mas é essencial apurá-las.

A PF tem o dever de desvendar os elos entre o crime organizado e as autoridades. O vazamento de uma operação sigilosa é fato extremamente grave, que exige investigação. Tais ações costumam consumir meses de planejamento, além de recursos humanos e materiais. Uma informação para o alvo pode pôr tudo a perder.

As suspeitas que recaem sobre TH Joias são também gravíssimas. Ele é acusado de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e de negociar armas e sistemas antidrones com facções criminosas do Rio e de São Paulo. Já seria estarrecedor caso se tratasse de um cidadão comum. É ainda mais quando envolve um representante eleito do Poder Legislativo. A sociedade espera dos parlamentares que se engajem na luta contra o crime organizado, não que se juntem às fileiras de grupos armados que amedrontam o país. É um acinte para o cidadão cujos impostos financiam gastos cada vez maiores com segurança.

Não é novidade que facções e milícias têm se expandido para o mercado formal e tentam se infiltrar nos Poderes da República de modo a obter vantagens e influenciar decisões que poderiam comprometer seus negócios ilegais. A Operação Carbono Oculto, contra o PCC, expôs a contaminação de setores formais pelo crime, permeando cadeias produtivas inteiras, em especial a de combustíveis. Se o país quiser avançar na segurança, precisará erradicar todo e qualquer vínculo das organizações criminosas com o poder público. Não se devem tirar conclusões precipitadas sobre o envolvimento dos alvos das operações. Mas as suspeitas devem ser investigadas a fundo, com independência, transparência e responsabilidade.

A chance desperdiçada de aprovar o projeto antifacção

Por Folha de S. Paulo

Disputa política leva Câmara a adiar votação para 2026, mesmo depois de um entendimento no Senado

É preciso aliar repressão, modernização investigativa e integração de órgãos; segundo o Datafolha, segurança é o maior problema para 16%

É lamentável que embates políticos tenham inviabilizado a aprovação neste ano do projeto de lei que dá mais meios ao Estado para enfrentar facções criminosas. Entendimentos entre governo e oposição tendem a ficar mais difíceis à medida que se aproximam as eleições.

Isso é particularmente verdadeiro tratando-se de um tema, a segurança pública, que cresceu entre as maiores preocupações do eleitorado —segundo pesquisa feita neste mês pelo Datafolha, esse é o principal problema do país para 16% dos brasileiros aptos a votar, percentual só superado pela saúde (20%).

A direita costuma levar vantagem nesse debate, não raro graças a discursos populistas e práticas truculentas. O projeto antifacções foi uma tentativa tardia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de responder ao avanço escabroso do crime organizado, com atuação em territórios, economias e, tudo indica, setores do próprio poder público.

Não espanta que, nesse contexto, o diploma tenha se tornado um objeto de disputa entre governistas e oposicionistas na Câmara dos Deputados, onde os segundos levaram vantagem. Já o Senado conseguiu produzir um texto consensual, aprovado por 64 votos a favor e nenhum contrário. Mas, com o retorno à Câmara, o impasse se impôs de novo.

Congresso e governo não deveriam desperdiçar essa oportunidade. A versão mais recente do projeto, ainda que possa merecer ajustes, combinou com equilíbrio razoável repressão penal, estrangulamento patrimonial, modernização investigativa e cooperação interinstitucional.

Tipificam-se os crimes de facção criminosa, milícia privada e domínio territorial como espécies de organização criminosa, reconhecendo uma realidade incômoda: há regiões em que o Estado perdeu sua autoridade.

Outro avanço é o fortalecimento das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado, com ampliação de sua composição para incluir Ministério PúblicoBanco CentralReceita Federal e Comissão de Valores Mobiliários.

Assim, segurança pública deixa de ser assunto exclusivamente policial e passa a ser tratada como política de proteção da economia, do sistema financeiro e da vida cotidiana. Ademais, a criação de bancos de dados nacionais e estaduais permitirá atuação coordenada contra redes criminosas e seus financiadores.

Soma-se a isso a regulamentação do uso de softwares espiões, mediante ordem judicial e mecanismos de auditoria, como resposta à sofisticação tecnológica das organizações criminosas. Cria-se ainda uma taxação de 15% sobre apostas online (bets) para financiar políticas de segurança.

Decerto haverá dispositivos a serem examinados com mais detalhe no texto, mas nada deveria impedir a aprovação tempestiva do que há nele de mais essencial. Os escândalos recentes no Rio de Janeiro dão ideia do preço que se paga pela complacência com o crime organizado.

Violência contra a mulher exige resposta mais ágil

Por Folha de S. Paulo

Dados do CNJ mostram lentidão do Judiciário no julgamento de processos de abuso doméstico e feminicídio

O tempo médio para concluir casos de feminicídio é de 263 dias; gasto gigantesco com o Poder precisa ser revertido em acesso à Justiça

Dentre as ações indicadas pela ONU para conter agressões contra mulheres, em relatório deste ano, está a resposta rápida da Justiça. O Brasil vai mal nesse quesito.

Segundo reportagem do portal G1 com base no Painel de Dados Estatísticos do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio em que se julgam casos de violência doméstica no país é de 429 dias (cerca de um ano e dois meses).

Em relação aos feminicídios, o período é menor, mas ainda ultrajante: 263 dias, ou quase nove meses. Sabe-se que a morosidade da Justiça brasileira é estrutural, mas isso não justifica a ausência de respostas mais céleres.

A fila de processos também espanta: 1,3 milhão de processos de violência doméstica e em torno de 14 mil de feminicídio ainda aguardam conclusão —os do segundo tipo de crime transcorrem mais rapidamente quando se consegue capturar o réu.

Para que seja contida, a violência contra o sexo feminino exige delegacias e varas especializadas, medidas protetivas, informatização dos processos, monitoramento contínuo de estatísticas, ações integradas entre educação, saúde e Justiça, apoio psicológico e social, além de campanhas de conscientização direcionadas a população em geral e, especialmente, à masculina.

O andamento judicial dos casos é lento, enquanto o número de ocorrências cresce anualmente.
Na cidade de São Paulo, até outubro deste ano, foi registrada a maior quantidade de feminicídios (53) da série histórica, iniciada em 2016 —um ano após a legislação brasileira tipificar o crime.

Os dados nacionais seguem a mesma tendência. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram 1.459 vítimas em 2024, alta de 1,2% ante o ano anterior e também recorde da série que começou em 2016.

O Judiciário aqui é um dos mais custosos do mundo, mas está aquém de garantir acesso à Justiça. A rigidez orçamentária do país dificulta a alocação racional de recursos, ao privilegiar gastos com pessoal e previdenciários em detrimento de investimentos em programas inovadores e eficazes.

CNJ atualiza anualmente as metas a serem alcançadas pelo Poder Judiciário. Para 2026, estabelece que a justiça estadual deve julgar, até o final do ano, 75% dos casos de feminicídios e 90% dos de violência doméstica que foram distribuídos até o final de 2024.

Mas objetivos precisam sair do papel. Para isso, são necessárias ações transversais da Justiça e dos governos federal e estaduais. Somente a pena prevista em lei não protege as mulheres.

Banco Central abre caminho para a redução dos juros

Por Valor Econômico

Ata da reunião do Copom revela um alívio geral das condições que recomendavam um tom duro contra a inflação

A ata da reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) retirou boa parte das restrições a uma mudança do ciclo monetário e abriu caminho para a queda de juros. No cenário de referência para o horizonte do Banco Central, o segundo trimestre de 2027, a inflação projetada é de 3,2%, considerados os cortes da taxa Selic previstos no boletim Focus: 12,25% em 2026 e 10,5% em 2027. O IPCA está quase na meta em 2027 e, salvo imprevisto, o afrouxamento da política monetária poderá ser feito em janeiro ou março. O BC não tem sinalizado seus próximos passos e repetiu o comportamento agora: tudo dependerá dos dados.

Há um alívio geral, na ata, das condições que recomendavam um tom duro contra a inflação e pela manutenção de uma taxa fortemente contracionista. A mudança é muito clara no que se refere ao cenário externo, mas não só nesse ponto. O mundo continua um lugar perigoso e, apesar de todos os riscos, “o cenário internacional está menos incerto do que esteve há alguns meses, com o fim do government shutdown nos EUA e evolução de negociações comerciais”, diz a ata. Efeitos muito relevantes disso para a inflação e os juros domésticos são que “os preços das principais commodities permaneceram contidos e as condições financeiras, favoráveis”.

Um dos grandes motivos da resistência inflacionária tem sido a evolução dos preços dos serviços, impulsionados pelo aumento da renda e por um mercado de trabalho aquecido. O aperto monetário, mesmo sendo fragilizado por estímulos fiscais e parafiscais, está diminuindo as pressões dos serviços. Na ata do Copom, em vez de uma posição ativa de “dinamismo” usada para caracterizar o mercado de trabalho, é empregado agora o termo passivo “resiliente”, o que indica que a direção agora é de uma desaceleração no ritmo de criação de empregos, já sentida nos indicadores mais recentes.

O mercado de trabalho foi um ponto de debate especial na reunião, como fora o crédito na ata anterior. O Copom buscou deslindar os fatores conjunturais do atual aquecimento, e os estruturais, de mais longo prazo, que influenciam percepções e os indicadores. A conclusão é que ele “está em patamar bastante apertado”, porém “há sinais incipientes de desaquecimento”. O Copom, assim, “seguirá acompanhando detidamente” o que acontece no mundo do emprego. Outro componente-chave de influência no IPCA, o consumo das famílias, que “vinha em ritmo forte em função de ganhos reais de renda”, mostrou redução de ímpeto, assim como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

O cenário de risco traçado pelo BC continua apontando riscos iguais de alta e de queda da inflação. Mas há melhoras importantes e graduais. A dinâmica inflacionária continua sendo “melhor do que se previa no início do ano”. Entre as razões está a combinação do câmbio mais apreciado com a queda das commodities, que permitiu uma redução na inflação de bens industrializados e alimentos. A inflação de serviços também mostrou “algum arrefecimento”.

Os tons mais sombrios sobre as perspectivas futuras da inflação foram substancialmente atenuados. As expectativas de inflação mantêm-se em declínio, ainda que acima da meta em todos os horizontes. Mais do que insistir na desancoragem, palavra que povoava a ata anterior, o BC prefere agora “vetores inflacionários adversos”, possivelmente mais adequados para indicar que a autoridade monetária está muito mais perto de atingir seus objetivos do que antes. Assim, a ata é mais assertiva que a anterior sobre o cenário esperado pelo Copom, ao registrar que “prosseguem a moderação gradual da atividade em curso, a diminuição da inflação corrente e a redução nas expectativas de inflação”, em vez de colocar, como no documento anterior, o termo “alguma” sobre as três afirmações, que colocava dúvida sobre a intensidade e a continuidade desses movimentos.

O BC manteve a prescrição de “política significativamente contracionista por período bastante prolongado”. De setembro de 2024 a junho passado, os juros subiram até atingir 15%, mas partiram então de uma base que já era muito acima (10,5%) do nível neutro real de juros, de 5% naquele ano, ou 9% nominais. Os efeitos cumulativos estão se manifestando com a força possível agora. Além disso, desde março de 2022 a economia brasileira convive com uma taxa Selic acima de 10%.

O custo da necessidade dos juros altos é devastador para a dívida pública, para famílias e empresas. O maior tomador de crédito, o governo, pagará este ano mais de R$ 1 trilhão de juros, sem produzir qualquer superávit primário, como fora previsto no regime fiscal original, posteriormente modificado. O governo federal prepara novos programas Desenrola para renegociação de dívidas em atraso de pequenos e médios empresários, que por seu lado crescem pelos juros extorsivos, quando mais eficaz seria reduzir estímulos à economia e permitir que a taxa Selic pudesse cair logo e com celeridade. O governo está em modo eleitoral e esse cenário ideal não acontecerá, legando para o futuro uma dívida muito maior do que a que assumiu e a qual prometeu conter e estabilizar em futuro próximo, o que não ocorrerá.

Fachin não está sozinho

Por O Estado de S. Paulo

Personalidades de diversos setores, com impecáveis credenciais democráticas, defendem em manifesto a adoção de um código de conduta pelo STF, o que mostra a extensão do mal-estar com a Corte

A proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, de instituir um código de conduta para os integrantes da Corte irritou a maioria de seus pares. Basta dizer que, publicamente, só consta que a ministra Cármen Lúcia o estaria apoiando nessa faina. Mas, se Fachin está isolado dentro do STF, certamente não está sozinho fora da Corte. Prova disso é o manifesto subscrito por 212 cidadãos insuspeitos, publicado ontem em jornais de grande circulação, em apoio explícito à adoção de regras de comportamento mais claras para os ministros da Corte.

O manifesto é eloquente não só por seu conteúdo, mas sobretudo por quem o assina. São economistas, empresários, jornalistas, acadêmicos, cientistas políticos, advogados e artistas, entre outros, que afirmam que “o Judiciário, Poder que deve representar o exemplo mais elevado de ética, conduta e valores democráticos, hoje revela fragilidades que corroem a grandeza de sua missão institucional”. Trata-se de um diagnóstico correto formulado por um grupo plural, moderado e absolutamente insuspeito, impossível de ser associado ao golpismo bolsonarista que tanto atacou o STF nos últimos anos. Ao contrário: todos os signatários são genuínos democratas, brasileiros que querem um STF forte, respeitado e à altura de sua posição na República.

Diz-se que o desconforto interno com a iniciativa de Fachin decorre, em grande medida, do momento em que ela foi apresentada. Recentemente, vieram a público fatos perturbadores que expuseram as ligações perigosas entre os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes e o Banco Master. A atuação sigilosa de Toffoli como relator das investigações contra executivos do banco e o contrato de quase R$ 130 milhões firmado entre o Banco Master e o escritório de advocacia da mulher de Moraes, Viviane Barci, sobressaltaram a Nação e acenderam os holofotes sobre os limites éticos a serem observados no exercício da judicatura na mais alta Corte do País.

Porém, não se trata aqui de personalizar as críticas aos ministros citados nem tampouco de atribuir a este ou àquele a responsabilidade exclusiva pela degradação institucional do Supremo nos últimos anos. Entre os 11 (por ora 10), o País sabe distinguir muito bem aqueles que exercem a magistratura com discrição, espírito público e respeito à liturgia do cargo daqueles que confundem a toga – que não lhes pertence, mas à República – com um manto para encobrir seus abusos e os conflitos de interesses nos quais se deixam envolver. O dano, porém, nunca é individual: recai sobre todo o STF e, no limite, sobre todo o Judiciário nacional.

Convém lembrar, ainda, que Fachin não descobriu agora a necessidade de um código de conduta para os ministros do STF. Há algum tempo ele defende essa agenda, justamente porque há algum tempo alguns ministros do STF dão demonstrações de descaso com a própria reputação individual, com a da Corte e, principalmente, com a opinião pública.

Não é sem razão, portanto, que os signatários do manifesto público, de forma cívica e corajosa, vocalizam um desconforto que seguramente não é só deles. Viagens custeadas por empresários com interesses em jogo no STF, palestras generosamente remuneradas travestidas de “aulas”, relações perigosamente próximas de ministros com agentes econômicos e políticos interessados em suas decisões judiciais ou influência passaram a ser tratadas com normalidade, o que incomoda todos os cidadãos de boa-fé que só querem uma Suprema Corte limitada a cumprir sua missão com zelo e dignidade, sem se imiscuir em searas alheias às suas atribuições constitucionais. Não é pedir muito.

Em editorial recente (Força, ministro Fachin, 15/12), manifestamos nosso apoio incondicional à iniciativa do presidente do STF. O manifesto publicado no dia seguinte apenas reforçou a percepção de que o problema apontado por este jornal não está na proposta do ministro, mas nos desvios de comportamento que a tornam tão premente. Quando cidadãos sem vocação golpista, algumas das cabeças mais brilhantes do País, sentem-se compelidos a vir a público para pedir padrões mínimos de ética ao STF, é sinal de que os limites dos pecadilhos toleráveis já foram ultrapassados. Algo realmente está fora do lugar.

A escolha chilena

Por O Estado de S. Paulo

O resultado eleitoral no Chile não foi um surto autoritário, mas um julgamento severo sobre insegurança, estagnação econômica e frustrações acumuladas desde o ‘estallido social’ de 2019

O resultado do segundo turno das eleições chilenas foi contundente. José Antonio Kast venceu com maioria absoluta, obteve a maior votação da história democrática do país e triunfou em todas as províncias. Não foi uma vitória apertada nem fruto de acaso eleitoral. Foi um veredicto claro. Qualquer análise honesta deve partir do respeito a essa decisão soberana dos eleitores.

Mais do que uma guinada ideológica, o pleito encerra um ciclo iniciado com o estallido social de 2019 e suas promessas de refundação e de ruptura. O processo constituinte foi seu clímax – e também seu esgotamento. Em 2022, os chilenos rejeitaram uma proposta constitucional carregada de maximalismo identitário. Em 2023, recusaram um texto conservador. A mensagem foi menos ideológica do que pragmática: cansaço com experimentações prolongadas.

O governo do esquerdista Gabriel Boric simbolizou esse ciclo: ambicioso na retórica, frágil na execução. A economia permaneceu anêmica, a insegurança avançou, a imigração desordenada tornou-se um problema cotidiano e a promessa de um novo pacto social evaporou. A derrota de Jeannette Jara, do Partido Comunista e ex-ministra de Boric, foi um referendo sobre a gestão que se encerra.

As razões do voto em Kast foram menos identitárias do que materiais. Segurança pública foi central: crime organizado transnacional, aumento da violência e medo cotidiano. A imigração – seja a sua associação com o crime correta ou não – tornou-se fator político relevante. A estagnação econômica frustrou uma geração mais educada e com menos perspectivas do que a anterior. A isso se somou um forte antielitismo – dirigido tanto à elite tradicional quanto à progressista pós-2019. Kast venceu menos por ideologia e mais por responder a prioridades ignoradas pela esquerda no poder.

Isso não significa absolvição automática nem espantalhos fáceis. Kast compartilha traços da nova direita global: discurso duro sobre crime, conservadorismo moral, crítica ao progressismo identitário. Mas rótulos apressados – “Bolsonaro do Chile”, “Trump dos Andes”, “extrema direita” – iluminam pouco e confundem muito. Kast disputou outras eleições, perdeu, reconheceu derrotas e venceu dentro das regras. Governará sob instituições sólidas e um Congresso fragmentado, que impõe negociação. Comparações automáticas substituem análise por caricatura.

A cobertura da imprensa revelou suas fragilidades. À direita, proliferam adjetivos como “ultra”, “extrema”, “ameaça”. À esquerda, o radicalismo costuma ser relativizado. Uma candidata comunista é descrita como “moderada” ou “centro-esquerda”. O governo Boric raramente foi tratado como radical. O problema não é criticar Kast, mas aplicar dois pesos e duas medidas na descrição do espectro político. Ao adotar taxonomias militantes, parte da imprensa deixa de observar para participar. Faz leitura psicológica do eleitor conservador, recorre a associações históricas como atalhos narrativos e perde credibilidade. Ao tentar “corrigir” o eleitor, aliena-o ainda mais. A cobertura enviesada não freia o radicalismo, antes o alimenta.

O novo governo enfrentará desafios reais. Na segurança, precisará entregar resultados sem corroer o Estado de Direito. Na economia, promessas de cortes ainda carecem de clareza, enquanto a retomada do investimento exige previsibilidade. No Congresso, será necessário negociar. E nas ruas, uma esquerda derrotada, mas mobilizável, seguirá presente. O risco não é um golpe autoritário, mas a frustração rápida se as expectativas elevadas não forem atendidas.

No cenário latino-americano, o Chile confirma uma tendência mais ampla. As “marés” ideológicas simples se dissiparam. Eleitores tornaram-se voláteis, menos fiéis a rótulos. Democracias estão sob estresse, mas seguem operantes. Trata-se menos de uma “onda” à direita do que de um realinhamento pragmático. O Chile funciona hoje como laboratório avançado dessa alternância.

Os chilenos não escolheram o autoritarismo. Escolheram encerrar um ciclo. Ignorar isso – por preconceito ideológico ou narrativas preguiçosas – é insistir nos erros que fomentam uma política radicalizada e disfuncional.

Um teto decorativo

Por O Estado de S. Paulo

Advogados da União seguem Judiciário e Ministério Público, criam penduricalhos e ignoram limite salarial

Seja para um vendedor, seja para um executivo, o pagamento de um bônus é uma liberalidade do empregador e o colaborador o recebe como uma forma de reconhecimento de seu esforço, retribuição de seu desempenho e, não menos importante, estímulo ao seu contínuo aperfeiçoamento. Ou seja, quem merece ganha mais. Por isso, não se tem notícia, na iniciativa privada, da distribuição de prêmios sem que metas sejam cumpridas. Mas, contrariando a lógica do merecimento, no setor público, há.

Eis aí os honorários advocatícios de sucumbência das carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU), que são pagos pelas partes derrotadas em ações judiciais movidas contra o governo federal. O estudo Teto Decorativo, do Movimento Pessoas à Frente e da Transparência Brasil, revelou uma sistemática nada republicana de ratear entre 13 mil advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco Central um montante que, de janeiro de 2020 a agosto de 2025, chegou a R$ 12,7 bilhões.

Criado para fazer a gestão dessa dinheirama, o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) irrigou os holerites das carreiras, de modo que R$ 4,5 bilhões foram pagos acima do teto do funcionalismo, de R$ 46,4 mil, que é o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). E esse trabalho de implosão da autoridade dessa regra constitucional é gradativo. Segundo o estudo, em 2020 apenas 1% dos advogados havia estourado o teto em ao menos um mês, enquanto em 2025 nada menos do que 93% deles receberam em alguma oportunidade acima do limite.

Trata-se de uma elite que é agraciada com honorários sucumbenciais embora seja muito bem remunerada. Não se pode negar que é o melhor dos mundos da advocacia: o profissional sempre ganha – salário e bônus. Com um salário inicial de mais de R$ 20 mil, o advogado público federal tem uma sorte bastante diferente daquela de um advogado comum, que em sua maioria ganha até R$ 6,6 mil mensais, como mostrou estudo encomendado pelo Conselho Federal da OAB.

Aliás, 9,8 mil integrantes dessas carreiras federais já receberam ao menos uma vez mais de R$ 100 mil no contracheque. Ao todo, 7.649 advogados acumularam mais de R$ 1 milhão. É mais que um prêmio, é uma bolada à altura de uma loteria. E, mesmo que um advogado da União não mova uma única palha para que o governo federal vença uma causa, também será premiado. É o caso de defensores recém-empossados, inativos ou pensionistas que receberam valores exorbitantes sem que tenham trabalhado.

Claro que tudo isso só é possível porque, como bem detectou o estudo, o CCHA seguiu os ensinamentos dos conselhos da Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP). Após o STF e o Tribunal de Contas da União (TCU) decidirem que os honorários são devidos como verba remuneratória – ou seja, debaixo do teto e pagando Imposto de Renda –, o órgão começou a baixar resoluções, tais como as editadas pelo CNJ ou pelo CNMP, para criar indenizações, como auxílio-saúde, auxílio-alimentação e pagamentos atrasados. Na prática, não passam de penduricalhos, que driblam a racionalidade, a moralidade, a transparência e a lei.

Crise e novas dinâmicas entre Poderes fragilizam a democracia

Por Correio Braziliense

Não há mais receio em admitir que determinada ação depende diretamente da obtenção de algum benefício direto ou indireto. Deixou de ser articulação para se tornar metodologia

O ano de 2025 no campo da política é marcado, sobretudo, por muita discordância entre os Poderes, e com o Legislativo aparecendo no centro das divergências. De um lado, a fatia majoritariamente conservadora da Câmara dos Deputados trabalha contra a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, impasses como a não indicação, por parte do Executivo, do senador Rodrigo Pacheco para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e queixas de intervenção da Corte em atribuições legislativas tensionam a relação do Senado com os demais braços da democracia.

Em meio a tudo isso, são recorrentes notícias do tipo "Político X exige liberação de certa emenda parlamentar" e "Político Y cobra tal indicação".  Se o jornalismo cumpre o seu papel de veicular aquilo que, de fato, ocorre nos bastidores, o noticiário deixa claro que esse tipo de negociação deixou de ser uma prática dos gabinetes para se tornar a própria natureza do funcionamento institucional da política brasileira. Não há mais receio em admitir que determinada ação depende diretamente da obtenção de algum benefício direto ou indireto. Deixou de ser articulação para se tornar metodologia.

Indicado pelo governo para ministro do STF, Flávio Dino assumiu a toga com um compromisso claríssimo como prioridade: dar mais transparência e mudar o funcionamento das emendas parlamentares. É nobre a ação do ex-governador do Maranhão, até porque o mecanismo foi bastante extrapolado desde a gestão do ex-deputado federal Eduardo Cunha na Câmara, como é de conhecimento público.

No entanto, parte da articulação do governo contra as emendas impositivas (de execução obrigatória), sobretudo as ditas emendas Pix (transferências diretas dos gabinetes para as prefeituras), se volta ao toma lá dá cá. Ou seja: o governo defende a ampliação de sua "munição" para ter mais poder na negociação com o Congresso. Em suma: se as emendas ganham mais transparência, diminuindo o tamanho do tapete vermelho estendido para o Congresso manobrar o Orçamento, deputados e senadores passam a ser mais dependentes da boa vontade presidencial. 

Tais dinâmicas fragilizam a democracia. Quando eleitos, Legislativo e Executivo têm como missão a defesa da Constituição e o trabalho em prol de uma vida melhor para brasileiros e brasileiras. O que menos se discute, porém, é a validade ou não de políticas públicas, dentro da ideologia de cada um. E esses movimentos escancaram uma profunda crise institucional.

Se uma mudança parece bastante improvável para 2026, ela precisa começar em 2027, quando novos congressistas assumem suas cadeiras. Cabe ao eleitor analisar o passado de cada candidato e optar por boas escolhas em outubro próximo. É preciso olhar para quem promove um projeto político, não um projeto de poder e/ou de ascensão econômica.

 Prefeituras: o desafio de fechar as contas

Por O Povo (CE)

Estudo da Confederação Nacional dos Municípios revela que 26% dos municípios cearenses não conseguirão fechar suas contas este ano.

Estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revela que 26% das prefeituras cearenses não conseguirão fechar suas contas em 2025. O índice fica acima da média nacional, de 16,7%, segundo o relatório "O 13º salário e o encerramento de exercício nos municípios". No Ceará, foram verificadas 88 cidades, das 184 existentes. Em todo o país, fizeram parte do estudo 4.172 municípios, frente às 5.570 localidades espalhadas pelo território brasileiro. Os dados são fornecidos pelas próprias prefeituras, espontaneamente.

O trabalho da CNM, realizado anualmente, tem o objetivo de diagnosticar a situação fiscal das prefeituras, com ênfase no pagamento em dia do 13º salário. A edição atual do estudo expandiu a pesquisa para incluir a expectativa dos gestores para a situação da economia para 2026, ano que a CNM classifica como "desafiador" por tatar-se de um ano eleitoral.

No Ceará, apesar de 26% das prefeituras que não conseguirão equilibrar as contas em 2025, as perspectivas para o próximo ano são consideradas positivas, segundo a maioria dos gestores pesquisados. No entanto, como anotou reportagem na edição de ontem, quando confrontados com dados concretos, os números revelam, por exemplo, que 52% dos municípios pesquisados no Ceará atrasaram pagamento de fornecedores e 49% deixarão restos a pagar para 2026.

Apesar das dificuldades econômicas, a pesquisa mostra que a grande maioria dos municípios brasileiros consegue manter a folha de pagamento em dia (98%), incluindo o pagamento do 13º salário. Segundo o levantamento, o repasse extra de 1% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma reivindicação da CNM, foi fundamental para garantir o pagamento da gratificação de Natal no tempo certo. Sem o aporte extra, muitas prefeituras teriam dificuldade para pagar o benefício.

Quanto às expectativas para 2026, a CNM considera "ambíguas, com um leve viés otimista", na visão dos gestores: 44,6% deles esperam uma economia "boa" ou "muito boa", mas 35,8% estão pessimistas.

Resta entender melhor por que o Ceará tem um percentual de municípios acima da média nacional, entre os que não conseguirão fechar suas contas. Uma das explicações possíveis pode estar no fato de que a maioria das cidades cearenses depende essencialmente do FPM para compor suas receitas. Isto é, lhes falta capacidade para gerar receitas próprias. Isso geralmente ocorre com cidades de pequeno e médio porte, maioria no Ceará, mas essa é uma justificativa insuficiente.

Essa dificuldade não é exclusiva do Ceará, acontecendo com um número significativo de cidades brasileiras, em todas as regiões. Em vista disso, a CNM poderia comandar um estudo que ajudasse essas cidades a encontrar uma "vocação" que pudesse contribuir com o desenvolvimento de suas economias.

 

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