Governo Lula promove explosão do funcionalismo
Por O Globo
Contratações batem recorde sem que haja reforma administrativa para modernizar a gestão do Estado
O apetite da gestão petista por novas contratações tem se revelado voraz. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevê contratar, no acumulado do terceiro mandato, 22.817 servidores federais, mais que o dobro dos 10 mil admitidos na administração Jair Bolsonaro, como mostrou reportagem do GLOBO. Fora 24 mil contratações temporárias, a maior parte recenseadores do IBGE. Até agora, já foram autorizadas 19,1 mil contratações. Para 2026, a previsão é preencher 3.652 vagas (3.144 de nível superior e 508 de intermediário).
O Ministério da Gestão alega que elas são
necessárias para recompor a máquina pública, diante das aposentadorias
posteriores à reforma da Previdência em 2019 — o governo estima que 57 mil
servidores do Executivo se aposentarão entre 2024 e 2026. E afirma que, na
gestão anterior, houve congelamento de concursos.
Compreende-se que a máquina precise funcionar
para haver continuidade na prestação de serviços. Mas essa realidade não afeta
apenas este governo. Quase dois terços dos funcionários admitidos de 2017 a
2026 serão contratados no atual mandato. Mais funcionários, obviamente,
representam mais gasto. Em 2023, as despesas com pessoal somavam R$ 363,7
bilhões. Para 2026, a previsão são R$ 456,8 bilhões.
Sinal de que não se trata de mera necessidade
de manter a máquina é a criação de 4,4 mil novos cargos comissionados pela
gestão petista desde 2023, atingindo o recorde de 50.770, como mostrou o jornal
O Estado de S. Paulo, com base em dados do Farol da Oposição, do Instituto
Teotônio Vilela, ligado ao PSDB. O problema não está apenas na quantidade de
cargos, mas também na qualidade. A despeito de a legislação exigir qualificação
para essas vagas, na prática critérios políticos se sobrepõem aos técnicos. Não
é incomum alguém ser nomeado para um cargo sem a menor capacidade de exercê-lo.
O certo seria haver contratações, se
necessárias, apenas depois da reforma
administrativa, para elas incorporarem as novas regras de avaliação e a
racionalização das carreiras do serviço público. A Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ)
promete tornar as regras do funcionalismo mais modernas, mais eficazes e mais
alinhadas à realidade. Entre outros pontos, a PEC prevê o fim de regalias (como
férias acima de 30 dias ou licença-prêmio), estabelece metas obrigatórias de
desempenho para servidores, cria uma tabela única de remuneração para todos os
entes da Federação e limita a 10% do salário auxílios de alimentação, saúde ou
transporte para quem recebe acima de 90% do teto constitucional.
Infelizmente, a PEC não tem avançado no
Congresso e não deverá ser votada ainda neste ano. Os entraves não estão só no
Parlamento. Dentro do governo, há divergências sobre o tema e notória má
vontade. “Falta ao governo uma decisão ali do núcleo central, principalmente do
presidente Lula”, disse
Pedro Paulo ao GLOBO.
O inchaço da máquina pública é marca
indelével das gestões petistas, historicamente alinhadas às corporações do
funcionalismo. Por mais que as contratações preencham necessidades, não há
tentativa de racionalizar a gestão para fechar vagas. A reforma administrativa
estabeleceria limites racionais às inúmeras benesses e melhoraria a qualidade
de quem é contratado. O serviço público ficaria melhor e sairia mais barato
para o contribuinte.
Suspeitas de elo de autoridades com crime
exigem investigação responsável
Por O Globo
Sem conclusões apressadas, é preciso elucidar papel de desembargador preso no caso TH Joias-Bacellar
No início do mês, a Polícia Federal (PF)
prendeu o então presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo
Bacellar (União). Bacellar é acusado de ter vazado informações
sigilosas ao ex-deputado Thiego Raimundo dos Santos, o TH Joias, suspeito de
vínculo com o Comando Vermelho. Acabou solto pelo plenário e deixou a
presidência da Alerj. Ontem, como antecipou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO,
a PF voltou à carga e prendeu o desembargador Macário Júdice Neto, relator do
caso TH Joias no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).
Júdice já havia sido alvo de processos sob
acusação de venda de sentenças, enfrentou Processo Administrativo Disciplinar
(PAD) e cumpriu período de afastamento de 18 anos. Entre os elementos que
embasaram sua prisão, estão trocas de mensagens com Bacellar. A principal
suspeita que pesa sobre ele — autor do mandado de prisão de TH Joias — é ter
participado do vazamento. Segundo a PF, Bacellar avisou TH que ele seria preso.
TH conseguiu fugir e destruiu provas, depois acabou detido noutro endereço.
Pelas informações disponíveis, não está claro o papel de Júdice. É fundamental
não tirar conclusões precipitadas do episódio. As investigações estão em curso
e, por enquanto, existem apenas suspeitas. Mas é essencial apurá-las.
A PF tem o dever de desvendar os elos entre o
crime organizado e as autoridades. O vazamento de uma operação sigilosa é fato
extremamente grave, que exige investigação. Tais ações costumam consumir meses
de planejamento, além de recursos humanos e materiais. Uma informação para o
alvo pode pôr tudo a perder.
As suspeitas que recaem sobre TH Joias são
também gravíssimas. Ele é acusado de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e
de negociar armas e sistemas antidrones com facções criminosas do Rio e de São
Paulo. Já seria estarrecedor caso se tratasse de um cidadão comum. É ainda mais
quando envolve um representante eleito do Poder Legislativo. A sociedade espera
dos parlamentares que se engajem na luta contra o crime organizado, não que se
juntem às fileiras de grupos armados que amedrontam o país. É um acinte para o
cidadão cujos impostos financiam gastos cada vez maiores com segurança.
Não é novidade que facções e milícias têm se expandido para o mercado formal e tentam se infiltrar nos Poderes da República de modo a obter vantagens e influenciar decisões que poderiam comprometer seus negócios ilegais. A Operação Carbono Oculto, contra o PCC, expôs a contaminação de setores formais pelo crime, permeando cadeias produtivas inteiras, em especial a de combustíveis. Se o país quiser avançar na segurança, precisará erradicar todo e qualquer vínculo das organizações criminosas com o poder público. Não se devem tirar conclusões precipitadas sobre o envolvimento dos alvos das operações. Mas as suspeitas devem ser investigadas a fundo, com independência, transparência e responsabilidade.
A chance desperdiçada de aprovar o projeto
antifacção
Por Folha de S. Paulo
Disputa política leva Câmara a adiar votação
para 2026, mesmo depois de um entendimento no Senado
É preciso aliar repressão, modernização
investigativa e integração de órgãos; segundo o Datafolha, segurança é o maior
problema para 16%
É lamentável que embates políticos tenham
inviabilizado a aprovação neste ano do projeto de lei que dá mais meios ao
Estado para enfrentar facções criminosas. Entendimentos entre governo e
oposição tendem a ficar mais difíceis à medida que se aproximam as eleições.
Isso é particularmente verdadeiro tratando-se
de um tema, a segurança pública, que cresceu entre as maiores preocupações do
eleitorado —segundo pesquisa feita neste mês pelo Datafolha,
esse é o principal
problema do país para 16% dos brasileiros aptos a votar, percentual
só superado pela saúde (20%).
A direita costuma levar vantagem nesse
debate, não raro graças a discursos populistas e práticas truculentas. O
projeto antifacções foi uma tentativa tardia do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
de responder ao avanço escabroso do crime
organizado, com atuação em territórios, economias e, tudo
indica, setores do próprio poder público.
Não espanta que, nesse contexto, o diploma
tenha se tornado um objeto de disputa entre governistas e oposicionistas
na Câmara dos
Deputados, onde os segundos levaram vantagem. Já o Senado conseguiu
produzir um texto consensual, aprovado por 64 votos a favor e nenhum contrário.
Mas, com o retorno à Câmara, o impasse se
impôs de novo.
Congresso e governo não deveriam desperdiçar
essa oportunidade. A versão mais recente do projeto, ainda que possa merecer
ajustes, combinou com equilíbrio razoável repressão penal, estrangulamento
patrimonial, modernização investigativa e cooperação interinstitucional.
Tipificam-se os crimes de facção criminosa,
milícia privada e domínio territorial como espécies de organização criminosa,
reconhecendo uma realidade incômoda: há regiões em que o Estado perdeu sua
autoridade.
Outro avanço é o fortalecimento das Forças
Integradas de Combate ao Crime Organizado, com ampliação de sua composição para
incluir Ministério
Público, Banco Central, Receita
Federal e Comissão de Valores Mobiliários.
Assim, segurança pública deixa de ser assunto
exclusivamente policial e passa a ser tratada como política de proteção da
economia, do sistema financeiro e da vida cotidiana. Ademais, a criação de
bancos de dados nacionais e estaduais permitirá atuação coordenada contra redes
criminosas e seus financiadores.
Soma-se a isso a regulamentação do uso de
softwares espiões, mediante ordem judicial e mecanismos de auditoria, como
resposta à sofisticação tecnológica das organizações criminosas. Cria-se ainda
uma taxação de 15% sobre apostas online (bets) para financiar políticas de
segurança.
Decerto haverá dispositivos a serem
examinados com mais detalhe no texto, mas nada deveria impedir a aprovação
tempestiva do que há nele de mais essencial. Os escândalos recentes no Rio de
Janeiro dão ideia do preço que se paga pela complacência com o crime
organizado.
Violência contra a mulher exige resposta mais
ágil
Por Folha de S. Paulo
Dados do CNJ mostram lentidão do Judiciário no julgamento de processos de abuso doméstico e feminicídio
O tempo médio para concluir casos de
feminicídio é de 263 dias; gasto gigantesco com o Poder precisa ser revertido
em acesso à Justiça
Dentre as ações indicadas pela ONU para
conter agressões contra mulheres, em relatório deste ano, está a resposta rápida da Justiça. O
Brasil vai mal nesse quesito.
Segundo reportagem do portal G1 com base no
Painel de Dados Estatísticos do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho
Nacional de Justiça, o tempo médio em que se julgam casos de violência
doméstica no país é de 429 dias (cerca de um ano e dois meses).
Em relação aos feminicídios, o período é
menor, mas ainda ultrajante: 263 dias, ou quase nove meses. Sabe-se que a morosidade
da Justiça brasileira é estrutural, mas isso não justifica a ausência de
respostas mais céleres.
A fila de processos também espanta: 1,3
milhão de processos de violência doméstica e em torno de 14 mil de feminicídio ainda
aguardam conclusão —os do segundo tipo de crime transcorrem mais rapidamente
quando se consegue capturar o réu.
Para que seja contida, a violência contra
o sexo feminino exige delegacias e varas especializadas, medidas protetivas,
informatização dos processos, monitoramento contínuo de estatísticas, ações
integradas entre educação, saúde e Justiça, apoio psicológico e social, além de
campanhas de conscientização direcionadas a população em geral e,
especialmente, à masculina.
O andamento judicial dos casos é lento,
enquanto o número de ocorrências cresce anualmente.
Na cidade de São Paulo, até outubro deste ano, foi registrada a maior
quantidade de feminicídios (53) da série histórica, iniciada em 2016
—um ano após a legislação brasileira tipificar o crime.
Os dados nacionais seguem a mesma tendência.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram
1.459 vítimas em 2024, alta de 1,2% ante o ano anterior e também
recorde da série que começou em 2016.
O Judiciário aqui é um dos mais custosos do
mundo, mas está aquém de garantir acesso à Justiça. A rigidez orçamentária do
país dificulta a alocação racional de recursos, ao privilegiar gastos com
pessoal e previdenciários em detrimento de investimentos em programas
inovadores e eficazes.
O CNJ atualiza
anualmente as metas a serem alcançadas pelo Poder Judiciário. Para 2026,
estabelece que a justiça estadual deve julgar, até o final do ano, 75% dos
casos de feminicídios e 90% dos de violência doméstica que foram distribuídos
até o final de 2024.
Mas objetivos precisam sair do papel. Para isso, são necessárias ações transversais da Justiça e dos governos federal e estaduais. Somente a pena prevista em lei não protege as mulheres.
Banco Central abre caminho para a redução dos
juros
Por Valor Econômico
Ata da reunião do Copom revela um alívio
geral das condições que recomendavam um tom duro contra a inflação
A ata da reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) retirou boa parte das restrições a uma mudança do ciclo monetário e abriu caminho para a queda de juros. No cenário de referência para o horizonte do Banco Central, o segundo trimestre de 2027, a inflação projetada é de 3,2%, considerados os cortes da taxa Selic previstos no boletim Focus: 12,25% em 2026 e 10,5% em 2027. O IPCA está quase na meta em 2027 e, salvo imprevisto, o afrouxamento da política monetária poderá ser feito em janeiro ou março. O BC não tem sinalizado seus próximos passos e repetiu o comportamento agora: tudo dependerá dos dados.
Há um alívio geral, na ata, das condições que
recomendavam um tom duro contra a inflação e pela manutenção de uma taxa
fortemente contracionista. A mudança é muito clara no que se refere ao cenário
externo, mas não só nesse ponto. O mundo continua um lugar perigoso e, apesar
de todos os riscos, “o cenário internacional está menos incerto do que esteve
há alguns meses, com o fim do government shutdown nos EUA e evolução de
negociações comerciais”, diz a ata. Efeitos muito relevantes disso para a
inflação e os juros domésticos são que “os preços das principais commodities
permaneceram contidos e as condições financeiras, favoráveis”.
Um dos grandes motivos da resistência
inflacionária tem sido a evolução dos preços dos serviços, impulsionados pelo
aumento da renda e por um mercado de trabalho aquecido. O aperto monetário,
mesmo sendo fragilizado por estímulos fiscais e parafiscais, está diminuindo as
pressões dos serviços. Na ata do Copom, em vez de uma posição ativa de
“dinamismo” usada para caracterizar o mercado de trabalho, é empregado agora o
termo passivo “resiliente”, o que indica que a direção agora é de uma
desaceleração no ritmo de criação de empregos, já sentida nos indicadores mais
recentes.
O mercado de trabalho foi um ponto de debate
especial na reunião, como fora o crédito na ata anterior. O Copom buscou
deslindar os fatores conjunturais do atual aquecimento, e os estruturais, de
mais longo prazo, que influenciam percepções e os indicadores. A conclusão é
que ele “está em patamar bastante apertado”, porém “há sinais incipientes de
desaquecimento”. O Copom, assim, “seguirá acompanhando detidamente” o que
acontece no mundo do emprego. Outro componente-chave de influência no IPCA, o
consumo das famílias, que “vinha em ritmo forte em função de ganhos reais de
renda”, mostrou redução de ímpeto, assim como o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB).
O cenário de risco traçado pelo BC continua
apontando riscos iguais de alta e de queda da inflação. Mas há melhoras
importantes e graduais. A dinâmica inflacionária continua sendo “melhor do que
se previa no início do ano”. Entre as razões está a combinação do câmbio mais
apreciado com a queda das commodities, que permitiu uma redução na inflação de
bens industrializados e alimentos. A inflação de serviços também mostrou “algum
arrefecimento”.
Os tons mais sombrios sobre as perspectivas
futuras da inflação foram substancialmente atenuados. As expectativas de
inflação mantêm-se em declínio, ainda que acima da meta em todos os horizontes.
Mais do que insistir na desancoragem, palavra que povoava a ata anterior, o BC
prefere agora “vetores inflacionários adversos”, possivelmente mais adequados
para indicar que a autoridade monetária está muito mais perto de atingir seus
objetivos do que antes. Assim, a ata é mais assertiva que a anterior sobre o
cenário esperado pelo Copom, ao registrar que “prosseguem a moderação gradual
da atividade em curso, a diminuição da inflação corrente e a redução nas
expectativas de inflação”, em vez de colocar, como no documento anterior, o
termo “alguma” sobre as três afirmações, que colocava dúvida sobre a
intensidade e a continuidade desses movimentos.
O BC manteve a prescrição de “política
significativamente contracionista por período bastante prolongado”. De setembro
de 2024 a junho passado, os juros subiram até atingir 15%, mas partiram então
de uma base que já era muito acima (10,5%) do nível neutro real de juros, de 5%
naquele ano, ou 9% nominais. Os efeitos cumulativos estão se manifestando com a
força possível agora. Além disso, desde março de 2022 a economia brasileira
convive com uma taxa Selic acima de 10%.
O custo da necessidade dos juros altos é devastador para a dívida pública, para famílias e empresas. O maior tomador de crédito, o governo, pagará este ano mais de R$ 1 trilhão de juros, sem produzir qualquer superávit primário, como fora previsto no regime fiscal original, posteriormente modificado. O governo federal prepara novos programas Desenrola para renegociação de dívidas em atraso de pequenos e médios empresários, que por seu lado crescem pelos juros extorsivos, quando mais eficaz seria reduzir estímulos à economia e permitir que a taxa Selic pudesse cair logo e com celeridade. O governo está em modo eleitoral e esse cenário ideal não acontecerá, legando para o futuro uma dívida muito maior do que a que assumiu e a qual prometeu conter e estabilizar em futuro próximo, o que não ocorrerá.
Fachin não está sozinho
Por O Estado de S. Paulo
Personalidades de diversos setores, com
impecáveis credenciais democráticas, defendem em manifesto a adoção de um
código de conduta pelo STF, o que mostra a extensão do mal-estar com a Corte
A proposta do presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Edson Fachin, de instituir um código de conduta para os
integrantes da Corte irritou a maioria de seus pares. Basta dizer que,
publicamente, só consta que a ministra Cármen Lúcia o estaria apoiando nessa
faina. Mas, se Fachin está isolado dentro do STF, certamente não está sozinho
fora da Corte. Prova disso é o manifesto subscrito por 212 cidadãos
insuspeitos, publicado ontem em jornais de grande circulação, em apoio
explícito à adoção de regras de comportamento mais claras para os ministros da
Corte.
O manifesto é eloquente não só por seu
conteúdo, mas sobretudo por quem o assina. São economistas, empresários,
jornalistas, acadêmicos, cientistas políticos, advogados e artistas, entre
outros, que afirmam que “o Judiciário, Poder que deve representar o exemplo
mais elevado de ética, conduta e valores democráticos, hoje revela fragilidades
que corroem a grandeza de sua missão institucional”. Trata-se de um diagnóstico
correto formulado por um grupo plural, moderado e absolutamente insuspeito,
impossível de ser associado ao golpismo bolsonarista que tanto atacou o STF nos
últimos anos. Ao contrário: todos os signatários são genuínos democratas,
brasileiros que querem um STF forte, respeitado e à altura de sua posição na
República.
Diz-se que o desconforto interno com a
iniciativa de Fachin decorre, em grande medida, do momento em que ela foi
apresentada. Recentemente, vieram a público fatos perturbadores que expuseram
as ligações perigosas entre os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes e o
Banco Master. A atuação sigilosa de Toffoli como relator das investigações
contra executivos do banco e o contrato de quase R$ 130 milhões firmado entre o
Banco Master e o escritório de advocacia da mulher de Moraes, Viviane Barci,
sobressaltaram a Nação e acenderam os holofotes sobre os limites éticos a serem
observados no exercício da judicatura na mais alta Corte do País.
Porém, não se trata aqui de personalizar as
críticas aos ministros citados nem tampouco de atribuir a este ou àquele a
responsabilidade exclusiva pela degradação institucional do Supremo nos últimos
anos. Entre os 11 (por ora 10), o País sabe distinguir muito bem aqueles que
exercem a magistratura com discrição, espírito público e respeito à liturgia do
cargo daqueles que confundem a toga – que não lhes pertence, mas à República –
com um manto para encobrir seus abusos e os conflitos de interesses nos quais
se deixam envolver. O dano, porém, nunca é individual: recai sobre todo o STF e,
no limite, sobre todo o Judiciário nacional.
Convém lembrar, ainda, que Fachin não
descobriu agora a necessidade de um código de conduta para os ministros do STF.
Há algum tempo ele defende essa agenda, justamente porque há algum tempo alguns
ministros do STF dão demonstrações de descaso com a própria reputação
individual, com a da Corte e, principalmente, com a opinião pública.
Não é sem razão, portanto, que os signatários
do manifesto público, de forma cívica e corajosa, vocalizam um desconforto que
seguramente não é só deles. Viagens custeadas por empresários com interesses em
jogo no STF, palestras generosamente remuneradas travestidas de “aulas”,
relações perigosamente próximas de ministros com agentes econômicos e políticos
interessados em suas decisões judiciais ou influência passaram a ser tratadas
com normalidade, o que incomoda todos os cidadãos de boa-fé que só querem uma
Suprema Corte limitada a cumprir sua missão com zelo e dignidade, sem se
imiscuir em searas alheias às suas atribuições constitucionais. Não é pedir
muito.
Em editorial recente (Força, ministro Fachin, 15/12),
manifestamos nosso apoio incondicional à iniciativa do presidente do STF. O
manifesto publicado no dia seguinte apenas reforçou a percepção de que o
problema apontado por este jornal não está na proposta do ministro, mas nos
desvios de comportamento que a tornam tão premente. Quando cidadãos sem vocação
golpista, algumas das cabeças mais brilhantes do País, sentem-se compelidos a
vir a público para pedir padrões mínimos de ética ao STF, é sinal de que os
limites dos pecadilhos toleráveis já foram ultrapassados. Algo realmente está fora
do lugar.
A escolha chilena
Por O Estado de S. Paulo
O resultado eleitoral no Chile não foi um
surto autoritário, mas um julgamento severo sobre insegurança, estagnação
econômica e frustrações acumuladas desde o ‘estallido social’ de 2019
O resultado do segundo turno das eleições
chilenas foi contundente. José Antonio Kast venceu com maioria absoluta, obteve
a maior votação da história democrática do país e triunfou em todas as
províncias. Não foi uma vitória apertada nem fruto de acaso eleitoral. Foi um
veredicto claro. Qualquer análise honesta deve partir do respeito a essa
decisão soberana dos eleitores.
Mais do que uma guinada ideológica, o pleito
encerra um ciclo iniciado com o estallido
social de 2019 e suas promessas de refundação e de ruptura. O
processo constituinte foi seu clímax – e também seu esgotamento. Em 2022, os
chilenos rejeitaram uma proposta constitucional carregada de maximalismo
identitário. Em 2023, recusaram um texto conservador. A mensagem foi menos
ideológica do que pragmática: cansaço com experimentações prolongadas.
O governo do esquerdista Gabriel Boric
simbolizou esse ciclo: ambicioso na retórica, frágil na execução. A economia
permaneceu anêmica, a insegurança avançou, a imigração desordenada tornou-se um
problema cotidiano e a promessa de um novo pacto social evaporou. A derrota de
Jeannette Jara, do Partido Comunista e ex-ministra de Boric, foi um referendo
sobre a gestão que se encerra.
As razões do voto em Kast foram menos
identitárias do que materiais. Segurança pública foi central: crime organizado
transnacional, aumento da violência e medo cotidiano. A imigração – seja a sua
associação com o crime correta ou não – tornou-se fator político relevante. A
estagnação econômica frustrou uma geração mais educada e com menos perspectivas
do que a anterior. A isso se somou um forte antielitismo – dirigido tanto à
elite tradicional quanto à progressista pós-2019. Kast venceu menos por
ideologia e mais por responder a prioridades ignoradas pela esquerda no poder.
Isso não significa absolvição automática nem
espantalhos fáceis. Kast compartilha traços da nova direita global: discurso
duro sobre crime, conservadorismo moral, crítica ao progressismo identitário.
Mas rótulos apressados – “Bolsonaro do Chile”, “Trump dos Andes”, “extrema
direita” – iluminam pouco e confundem muito. Kast disputou outras eleições,
perdeu, reconheceu derrotas e venceu dentro das regras. Governará sob
instituições sólidas e um Congresso fragmentado, que impõe negociação.
Comparações automáticas substituem análise por caricatura.
A cobertura da imprensa revelou suas
fragilidades. À direita, proliferam adjetivos como “ultra”, “extrema”,
“ameaça”. À esquerda, o radicalismo costuma ser relativizado. Uma candidata
comunista é descrita como “moderada” ou “centro-esquerda”. O governo Boric
raramente foi tratado como radical. O problema não é criticar Kast, mas aplicar
dois pesos e duas medidas na descrição do espectro político. Ao adotar
taxonomias militantes, parte da imprensa deixa de observar para participar. Faz
leitura psicológica do eleitor conservador, recorre a associações históricas
como atalhos narrativos e perde credibilidade. Ao tentar “corrigir” o eleitor,
aliena-o ainda mais. A cobertura enviesada não freia o radicalismo, antes o
alimenta.
O novo governo enfrentará desafios reais. Na
segurança, precisará entregar resultados sem corroer o Estado de Direito. Na
economia, promessas de cortes ainda carecem de clareza, enquanto a retomada do
investimento exige previsibilidade. No Congresso, será necessário negociar. E
nas ruas, uma esquerda derrotada, mas mobilizável, seguirá presente. O risco
não é um golpe autoritário, mas a frustração rápida se as expectativas elevadas
não forem atendidas.
No cenário latino-americano, o Chile confirma
uma tendência mais ampla. As “marés” ideológicas simples se dissiparam.
Eleitores tornaram-se voláteis, menos fiéis a rótulos. Democracias estão sob
estresse, mas seguem operantes. Trata-se menos de uma “onda” à direita do que
de um realinhamento pragmático. O Chile funciona hoje como laboratório avançado
dessa alternância.
Os chilenos não escolheram o autoritarismo.
Escolheram encerrar um ciclo. Ignorar isso – por preconceito ideológico ou
narrativas preguiçosas – é insistir nos erros que fomentam uma política radicalizada
e disfuncional.
Um teto decorativo
Por O Estado de S. Paulo
Advogados da União seguem Judiciário e
Ministério Público, criam penduricalhos e ignoram limite salarial
Seja para um vendedor, seja para um
executivo, o pagamento de um bônus é uma liberalidade do empregador e o
colaborador o recebe como uma forma de reconhecimento de seu esforço,
retribuição de seu desempenho e, não menos importante, estímulo ao seu contínuo
aperfeiçoamento. Ou seja, quem merece ganha mais. Por isso, não se tem notícia,
na iniciativa privada, da distribuição de prêmios sem que metas sejam
cumpridas. Mas, contrariando a lógica do merecimento, no setor público, há.
Eis aí os honorários advocatícios de
sucumbência das carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU), que são pagos
pelas partes derrotadas em ações judiciais movidas contra o governo federal. O
estudo Teto Decorativo,
do Movimento Pessoas à Frente e da Transparência Brasil, revelou uma
sistemática nada republicana de ratear entre 13 mil advogados da União,
procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco
Central um montante que, de janeiro de 2020 a agosto de 2025, chegou a R$ 12,7
bilhões.
Criado para fazer a gestão dessa dinheirama,
o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) irrigou os holerites das
carreiras, de modo que R$ 4,5 bilhões foram pagos acima do teto do
funcionalismo, de R$ 46,4 mil, que é o salário de um ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF). E esse trabalho de implosão da autoridade dessa regra
constitucional é gradativo. Segundo o estudo, em 2020 apenas 1% dos advogados
havia estourado o teto em ao menos um mês, enquanto em 2025 nada menos do que
93% deles receberam em alguma oportunidade acima do limite.
Trata-se de uma elite que é agraciada com
honorários sucumbenciais embora seja muito bem remunerada. Não se pode negar
que é o melhor dos mundos da advocacia: o profissional sempre ganha – salário e
bônus. Com um salário inicial de mais de R$ 20 mil, o advogado público federal
tem uma sorte bastante diferente daquela de um advogado comum, que em sua
maioria ganha até R$ 6,6 mil mensais, como mostrou estudo encomendado pelo
Conselho Federal da OAB.
Aliás, 9,8 mil integrantes dessas carreiras
federais já receberam ao menos uma vez mais de R$ 100 mil no contracheque. Ao
todo, 7.649 advogados acumularam mais de R$ 1 milhão. É mais que um prêmio, é
uma bolada à altura de uma loteria. E, mesmo que um advogado da União não mova
uma única palha para que o governo federal vença uma causa, também será
premiado. É o caso de defensores recém-empossados, inativos ou pensionistas que
receberam valores exorbitantes sem que tenham trabalhado.
Claro que tudo isso só é possível porque, como bem detectou o estudo, o CCHA seguiu os ensinamentos dos conselhos da Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP). Após o STF e o Tribunal de Contas da União (TCU) decidirem que os honorários são devidos como verba remuneratória – ou seja, debaixo do teto e pagando Imposto de Renda –, o órgão começou a baixar resoluções, tais como as editadas pelo CNJ ou pelo CNMP, para criar indenizações, como auxílio-saúde, auxílio-alimentação e pagamentos atrasados. Na prática, não passam de penduricalhos, que driblam a racionalidade, a moralidade, a transparência e a lei.
Crise e novas dinâmicas entre Poderes
fragilizam a democracia
Por Correio Braziliense
Não há mais receio em admitir que determinada
ação depende diretamente da obtenção de algum benefício direto ou indireto.
Deixou de ser articulação para se tornar metodologia
O ano de 2025 no campo da política é marcado,
sobretudo, por muita discordância entre os Poderes, e com o Legislativo
aparecendo no centro das divergências. De um lado, a fatia majoritariamente
conservadora da Câmara dos Deputados trabalha contra a gestão do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, impasses como a não indicação, por parte
do Executivo, do senador Rodrigo Pacheco para ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) e queixas de intervenção da Corte em atribuições legislativas
tensionam a relação do Senado com os demais braços da democracia.
Em meio a tudo isso, são recorrentes notícias
do tipo "Político X exige liberação de certa emenda parlamentar" e
"Político Y cobra tal indicação". Se o jornalismo cumpre o seu
papel de veicular aquilo que, de fato, ocorre nos bastidores, o noticiário deixa
claro que esse tipo de negociação deixou de ser uma prática dos gabinetes para
se tornar a própria natureza do funcionamento institucional da política
brasileira. Não há mais receio em admitir que determinada ação depende
diretamente da obtenção de algum benefício direto ou indireto. Deixou de ser
articulação para se tornar metodologia.
Indicado pelo governo para ministro do STF,
Flávio Dino assumiu a toga com um compromisso claríssimo como prioridade: dar
mais transparência e mudar o funcionamento das emendas parlamentares. É nobre a
ação do ex-governador do Maranhão, até porque o mecanismo foi bastante
extrapolado desde a gestão do ex-deputado federal Eduardo Cunha na Câmara, como
é de conhecimento público.
No entanto, parte da articulação do governo
contra as emendas impositivas (de execução obrigatória), sobretudo as ditas
emendas Pix (transferências diretas dos gabinetes para as prefeituras), se
volta ao toma lá dá cá. Ou seja: o governo defende a ampliação de sua
"munição" para ter mais poder na negociação com o Congresso. Em suma:
se as emendas ganham mais transparência, diminuindo o tamanho do tapete
vermelho estendido para o Congresso manobrar o Orçamento, deputados e senadores
passam a ser mais dependentes da boa vontade presidencial.
Tais dinâmicas fragilizam a democracia.
Quando eleitos, Legislativo e Executivo têm como missão a defesa da
Constituição e o trabalho em prol de uma vida melhor para brasileiros e
brasileiras. O que menos se discute, porém, é a validade ou não de políticas
públicas, dentro da ideologia de cada um. E esses movimentos escancaram uma
profunda crise institucional.
Se uma mudança parece bastante improvável para 2026, ela precisa começar em 2027, quando novos congressistas assumem suas cadeiras. Cabe ao eleitor analisar o passado de cada candidato e optar por boas escolhas em outubro próximo. É preciso olhar para quem promove um projeto político, não um projeto de poder e/ou de ascensão econômica.
Por O Povo (CE)
Estudo da Confederação Nacional dos
Municípios revela que 26% dos municípios cearenses não conseguirão fechar suas
contas este ano.
Estudo da Confederação Nacional dos
Municípios (CNM) revela que 26% das prefeituras cearenses não conseguirão
fechar suas contas em 2025. O índice fica acima da média nacional, de 16,7%,
segundo o relatório "O 13º salário e o encerramento de exercício nos municípios".
No Ceará, foram verificadas 88 cidades, das 184 existentes. Em todo o país,
fizeram parte do estudo 4.172 municípios, frente às 5.570 localidades
espalhadas pelo território brasileiro. Os dados são fornecidos pelas próprias
prefeituras, espontaneamente.
O trabalho da CNM, realizado anualmente, tem
o objetivo de diagnosticar a situação fiscal das prefeituras, com ênfase no
pagamento em dia do 13º salário. A edição atual do estudo expandiu a pesquisa
para incluir a expectativa dos gestores para a situação da economia para 2026,
ano que a CNM classifica como "desafiador" por tatar-se de um ano
eleitoral.
No Ceará, apesar de 26% das prefeituras que
não conseguirão equilibrar as contas em 2025, as perspectivas para o próximo
ano são consideradas positivas, segundo a maioria dos gestores pesquisados.
No entanto, como anotou reportagem na edição de ontem, quando confrontados com
dados concretos, os números revelam, por exemplo, que 52% dos municípios
pesquisados no Ceará atrasaram pagamento de fornecedores e 49% deixarão restos
a pagar para 2026.
Apesar das dificuldades econômicas, a
pesquisa mostra que a grande maioria dos municípios brasileiros consegue manter
a folha de pagamento em dia (98%), incluindo o pagamento do 13º salário.
Segundo o levantamento, o repasse extra de 1% do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), uma reivindicação da CNM, foi fundamental para garantir o
pagamento da gratificação de Natal no tempo certo. Sem o aporte extra, muitas
prefeituras teriam dificuldade para pagar o benefício.
Quanto às expectativas para 2026, a CNM considera
"ambíguas, com um leve viés otimista", na visão dos gestores: 44,6%
deles esperam uma economia "boa" ou "muito boa", mas 35,8%
estão pessimistas.
Resta entender melhor por que o Ceará tem um
percentual de municípios acima da média nacional, entre os que não conseguirão
fechar suas contas. Uma das explicações possíveis pode estar no fato de que a
maioria das cidades cearenses depende essencialmente do FPM para
compor suas receitas. Isto é, lhes falta capacidade para gerar receitas
próprias. Isso geralmente ocorre com cidades de pequeno e médio porte, maioria
no Ceará, mas essa é uma justificativa insuficiente.
Essa dificuldade não é exclusiva do Ceará,
acontecendo com um número significativo de cidades brasileiras, em todas as
regiões. Em vista disso, a CNM poderia comandar um estudo que ajudasse essas
cidades a encontrar uma "vocação" que pudesse contribuir com o
desenvolvimento de suas economias.

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