quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

A galinha da ADPF. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Puxando uma pena, o Supremo encontrou uma galinha de ovos dourados

‘Te amo.’ “Sou teu fã.” “Saudade de falar contigo, tá?” Parecem mensagens de namorados — ou, vá lá, de amigos de infância. Mas são diálogos do presidente da Assembleia Legislativa do Rio com um desembargador do Tribunal Regional Federal.

O deputado Rodrigo Bacellar foi recolhido ao xadrez há duas semanas, em inquérito que apura a infiltração de facções criminosas na política fluminense. Ontem foi a vez do desembargador Macário Ramos Júdice Neto, também preso por ordem do Supremo.

Para a Polícia Federal, as “declarações efusivas de carinho” denunciam a intimidade entre o parlamentar e o magistrado. Os dois jantavam juntos quando Bacellar avisou ao colega TH Joias, acusado de negociar armas para o Comando Vermelho, que ele seria alvo de operação policial. A ação havia sido autorizada por Júdice Neto, que depois tentou culpar a Polícia Civil pelo vazamento.

Em outro momento, o desembargador recorreu ao presidente da Alerj em busca de ingressos para o Maracanã. “Sempre que precisar to aqui pra qq parada em especial na hora ruim”, respondeu um solícito Bacellar, ofendendo o decoro e o idioma na mesma frase.

A PF acusou Júdice Neto de quatro crimes: obstrução de investigação, violação de sigilo funcional, favorecimento pessoal e promoção de organização criminosa. A defesa reclamou da “medida extrema” e alegou que o ministro Alexandre de Moraes teria sido “induzido a erro” ao prendê-lo.

O magistrado já havia sido afastado da magistratura por 18 anos, sob suspeita de integrar um esquema de venda de sentenças. Absolvido, ele voltou ao cargo e foi promovido por antiguidade ao TRF. Sua mulher estava pendurada na Alerj pelo amigo Bacellar. Na semana passada, o deputado voltou para casa graças ao corporativismo dos colegas, que votaram para tirá-lo da cadeia.

O deputado e o desembargador foram em cana em desdobramento da ADPF das Favelas, ajuizada para apurar abusos em operações policiais. Puxando uma pena, o Supremo encontrou uma galinha de ovos dourados. O grupo que domina a política do Rio ensaiou um levante contra a ação, acusando seus autores de proteger bandidos. Agora fica mais claro que a grita tinha outros motivos.

 

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