De todas as propostas para a reforma política, a melhor é a adoção do voto distrital. Um movimento da• sociedade civil fará força para tirá-la do papel
Laura Diniz
A política brasileira vive um tempo de sombras. Poucas vezes o interesse da população e o de seus representantes estiveram tão dissociados. No cerne dessa crise de representatividade está o sistema eleito•al usado no Brasil. Ele é tão complexo injusto que faz com que um eleitor vote em determinado candidato mas ajude a eleger outro. Enterrar essa distorção bizarra é fundamental para resgatar a credibilidade da política. Uma grande oportunidade foi aberta: o Congresso decidiu discutir a realização de uma reforma política. A melhor ideia sobre a mesa é a adoção do voto distrital. Por esse sistema, usado na Inglaterra e nos Estados Unidos, entre outras nações do Primeiro Mundo, o país seria dividido em distritos, e cada um deles teria o direito de eleger um representante. Algumas vantagens: o custo das campanhas cairia dramaticamente, pois os candidatos disputariam votos em uma área delimitada, e o eleitor escolheria com mais clareza, já que em cada distrito haveria só um candidato por partido, e não centenas, como ocorre hoje. Por último, mas não menos essencial, o cidadão teria a oportunidade de fiscalizar de peno o trabalho de seu representante. A proposta é tão boa que surgiu um movimento na sociedade civil para apoiá-la. O "Eu Voto Distrital" pretende pressionar o Congresso a encampar a
ideia. "Colocamos um site no ar na semana passada (www.euvotodistrital. org.br) para colher assinaturas. Também vamos às ruas defender a proposta com abaixo-assinados. A meta é conseguir ao menos 5 milhões de apoiadores", diz Luiz Felipe d" Avila, presidente do Centro de Liderança Pública, que resolveu canalizar a aspiração dos cidadãos mais preocupados com os destinos da nação (leia arTigo em veja.com e na versão da revista para o iPad). Por enquanto, só o PSDB fechou questão em favor da proposta. Os adversários do sistema criaram alguns mitos sobre ele, que não se sustentam, como se verá a seguir.
MITO 1
Os deputados vão se transformar em vereadores de luxo, preocupados apenas com questões paroquiais
Argumenta-se que o sistema distrital levaria os políticos a prestar mais atenção no eleitorado de sua região do que nas questões nacionais. Mentira. Com o embate direto em cada distrito, os políticos terão de ter mais repertório para diferenciar-se uns dos outros. Além disso, seria brigar com a história dizer que um poli tico identificado com um distrito não tem cacife ou disposição para atuar em questões de
relevância nacional. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é um exemplo: depois de ser vereador, prefeito e depurado estadual por Pindamonhangaba, sua terra natal, foi eleito depurado constituinte em 1986. "Participei ativamente da elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Meus eleitores ficaram orgulhosos de ver um representante deles trabalhando num assunto tão relevante para o país",
Mito 2
O sistema para minorias.
Alguns temem que grupos minoritários que vivam dentro de um distrito fiquem sem representante. No Brasil, é um temor sem sentido. "Esse raciocínio só pode ser considerado quando há minorias permanentemente alijadas, como os sunitas, em alguns países árabes. Felizmente, não temos nada parecido", afirma o cientista político Amamy de Souza. Na prática, os candidatos de um distrito terão de buscar o apoio de todos os grupos de eleitores. se quiserem vencer - como fazem os prefeitos, por exemplo.
Mito 3
Dinastias locais serão eternizadas
Alega-se que, ao ser regionalizada a votação, os grupos locais de maior poder econômico e político se perpetuarão nos cargos por anos a fio. Mas é no sistema de hoje que o dinheiro faz mais diferença, porque os políticos precisam disputar votos em grandes territórios. Ao concentrarem a campanha em um distrito, os candidatos menos poderosos terão mais facilidade de chegar aos eleitores no corpo a corpo. Além disso, o sistema distrital fará surgir nas eleições parlamentares algo que atualmente só existe para disputas por cargos no Executivo: o voto estratégico_ "Se o eleitor não ficar satisfeito com a atuação de seu representante. na eleição seguinte poderá votar em outro candidato para impedir a reeleição do anteJior, algo impossível pelo atul sistema", explica o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Mito 4
Os partidos ficarão enfraquecidos
Outra afirmação desprovida de sentido é a de que o sistema"distrital personalizará tanto as disputas que debilitará os partidos políticos. Existe algo mais personalista do que o sistema de hoje, em que famosos da TV se elegem apenas por ter o rosto conhecido? O voto distrital forçará, isto sim, uma depuração dos partidos. Os nanicos não poderão mais se apoiar em coligações e muitos desaparecerão, aclarando o cenário politico. Diz José Serra (PSDB-SP), ex-governador de São é Paulo: "O nosso sistema eleitoral é o á mais individualista do mundo. Os candidatos de um mesmo partido disputam (- votos entre si. No sistema distrital, é toe do mundo solidário: você quer ver seu :r colega eleito no distrito vizinho".
Mito 5
Não haverá espaço para formuladores de ideias
Na atual legislatura na Câmara dos Deputados, apenas 36 dos 13 depurados se elegeram com votos próprios. O restante entrou graças a uma estrovenga chamada coeficiente eleitoral. Desses, quantos são grandes pensadores? E o que dizer dos 477 caronistas? Não é possível partir, portanto, do pressuposto de que o Brasil elegeu um time de cabeças brilhantes e não se deve alterar esse quadro. Atualmente, muitos candidatos monotemáticos conseguem se eleger. "Quando se tem centenas de concorrentes, você pode falar sozinho. Se houver um embate direto nos distritos, o candidato será obrigado a enfrentar questões de política nacional colocadas pelos concorrentes", explica o sociólogo Demétrio Magnoli. Em outras palavras, o sistema distrital politizará ainda mais o debate.
FONTE: REVISTA VEJA
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