• Partidos perdem terreno no continente diante da falta de novas ideias para crise econômica
Fernando Eichenberg – O Globo
PARIS - Na Europa, com raras exceções as urnas têm sido pouco generosas com os partidos socialistas e sociais-democratas. As glórias da esquerda moderada dos tempos das históricas vitórias de Felipe González, na Espanha; de François Mitterrand, na França; da Terceira Via do britânico Tony Blair e do alemão Gerhard Schroeder, ou mesmo dos exemplares modelos escandinavos, parecem esquecidas em empoeirados sótãos do passado. O presente se tornou um lugar inóspito para as esquerdas, em falta de ideias e de um projeto crível e atraente para seduzir e reconquistar um eleitorado perdido em meio à globalização, aos abalos de crises econômicas, ao crescente populismo e xenofobismo e à insegurança face à ameaça terrorista.
O recente êxito dos conservadores no Reino Unido revelou que a esquerda trabalhista ainda não encontrou um rumo para sair da crise existencial acentuada desde que deixou o governo em 2010. Apesar de estar atualmente no poder na França, o Partido Socialista amarga uma profunda crise de identidade, com cisões internas acrescidas da baixa popularidade do presidente François Hollande em um quadro de alto desemprego e de fortalecimento da extrema-direita. Na Alemanha, o Partido Social-Democrata (SPD) não vence há mais de uma década, e sua coalizão com a União Democrata-Cristã (CDU), de Angela Merkel, desnorteou seus mais fiéis militantes.
Na Europa meridional, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) tenta retornar ao poder, espremido entre o Partido Popular (PP) e as novas formações políticas Podemos e Ciudadanos. Em Portugal, os socialistas perdem fôlego nas pesquisas para as legislativas de setembro e outubro, e sofrem os efeitos da prisão no ano passado do ex-premier José Sócrates, acusado de corrupção. A social-democracia sueca, além de não alcançar a maioria parlamentar em 2014, testemunhou o avanço da extrema-direita. Na contramão, o premier italiano, Matteo Renzi, assumiu o poder no ano passado como um sopro de esperança para as esquerdas moderadas europeias.
Projeto ideológico em questão
Para o analista francês Marc Lazar, especialista em movimentos de esquerda do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), tanto partidos conservadores tradicionais como socialistas e sociais-democratas enfrentam problemas no contexto europeu deste início de século, mas admite que as dificuldades são maiores para os dois últimos. Na sua análise, cinco fatores contribuem para o enfraquecimento da esquerda tradicional no continente. O primeiro seria uma crise mais grave de um “projeto ideológico”, da definição de esquerda e de socialismo:
— Grande parte dos partidos acreditou ter achado a solução com a Terceira Via de Blair e Schroeder, que funcionou por um tempo, mas a partir de 2008 se viu frente ao aumento das desigualdades sociais e de tensões nas sociedades. Mantém-se a ideia de que a esquerda deve participar da economia de mercado, mas a grande questão é como conciliar a competitividade das empresas com a redução das desigualdades sociais.
Outro fator apontado pelo analista é uma “crise de estratégia”: com quem governar?
— É algo que depende muito dos sistemas políticos e dos partidos. Fazer aliança com a esquerda radical hoje é algo complicado para a social-democracia. Se aliar com o centro? Pegue-se o caso do SPD que participa do governo da CDU e é hoje criticado por sua ala esquerda.
Lazar assinala ainda uma crise sociológica, de descomposição da base eleitoral diante do temor do desemprego e da imigração. Socialistas e sociais-democratas perdem uma importante fatia de seu apoio popular constituído de uma classe média urbana, de alto nível de educação e de funcionários públicos. Já as classes populares tendem cada vez mais ao abstencionismo eleitoral ou ao voto populista, sem que os partidos da esquerda consigam convencer o eleitorado mais jovem do setor privado.
Por fim, Lazar lista crises organizacional e de liderança: o coletivo não opera mais como elemento de sustentação dos movimentos, e há uma falta de leadership.
— É o caso do trabalhista britânico Ed Miliband, que não conseguiu se impor na campanha eleitoral nem no seio de seu próprio partido. Não há mais um Blair ou um Schroeder. E o caso da França é emblemático, há um real problema François Hollande.
A exceção, na sua opinião, é Matteo Renzi, “um jovem que se apresenta como uma verdadeira alternativa” em meio à crise da direita após a saída do Cavaliere Silvio Berlusconi, que dominou a política italiana por duas décadas.
— Renzi concentra sua ação em torno de sua imagem, e há quem tema o risco de autoritarismo. Ele tem uma política de comunicação bastante forte. Berlusconi se comunicava pela TV, e ele tuíta; compreendeu a comunicação moderna e se adaptou às transformações da democracia.
Para o espanhol Ignacio Urquizu, do Centro de Estudos Avançados em Ciências Sociais do Instituto Juan March, a esquerda tradicional e o socialismo-democrático estão em uma situação dramática na Europa, incapazes de formular projetos coerentes com a globalização, a implantação do euro e as mudanças dos instrumentos de políticas econômicas. Segundo ele, do ponto de vista econômico, as diferenças hoje entre esquerda e direita são de matizes, e seria necessário repensar o atual projeto político e econômico.
— Socialistas e sociais-democratas se viram aprisionados neste novo cenário. A esquerda tradicional tem um sério problema de criatividade. Não é capaz de imaginar coisas novas. É um problema de audácia e de valentia. É uma esquerda conservadora, que fala em recuperar o que se perdeu, quando deveria ambicionar um mundo melhor. Ela quer retornar aos anos 1980-90, mas o mundo mudou.
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