• Investigado na Lava Jato, alagoano afasta-se do Planalto e se aproxima de senador da oposição
Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Há um mês, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estava eufórico no plenário com a aprovação de uma proposta que libera recursos de depósitos judiciais e administrativos para Estados e municípios pagarem precatórios, dívida pública e investimentos. Era uma solução que prevê a injeção de R$ 21 bilhões nos governos regionais e, especialmente, reforça o combalido caixa de Alagoas, administrado pelo filho do presidente do Senado, Renan Filho (PMDB).
"Quero, fundamentalmente, cumprimentar o senador José Serra. Este é um momento grandioso para o Senado Federal, que conta com o senador José Serra na sua exuberância de inteligência e de participação. Pronto aos 70 anos de idade. Parabéns, senador!", elogiou Renan, da cadeira de presidente. "Senhor presidente, em primeiro lugar, queria agradecer a Vossa Excelência pela generosidade das palavras que dirigiu a este plenário e a mim. Descontados os exageros, que fazem parte da sua personalidade na relação comigo, queria, realmente, agradecer, com muita sinceridade", respondeu o tucano, que, na verdade, tem 73 anos.
Operação. O salamaleque de Renan a Serra não foi um fato isolado na ação do presidente do Senado. A mudança ocorreu após Renan entrar, em março, para a lista da Operação Lava Jato, o que o levou a acreditar que o governo atuou para colocá-lo no rol de investigados pelo Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo, ele se distanciou da presidente Dilma Rousseff, que retirou aliados do presidente do Senado de cargos-chave no Executivo. O peemedebista tem feito uma dobradinha com o senador do PSDB, "criando" uma agenda independente no Legislativo.
Além do projeto dos depósitos judiciais, que está na Câmara, o presidente do Senado já escalou o tucano para coordenar dois grupos de trabalho. O primeiro visa a firmar um pacto pela criação e manutenção de emprego, lançado no final de abril na esteira de Renan ter chamado de "coisa ridícula" o fato de Dilma ter desistido de falar em cadeia de rádio e TV no 1º de Maio. O segundo, criado na quarta-feira passada, tem por objetivo instituir uma agenda paralela de propostas do Congresso que atendam aos Estados sem a necessidade de decisão do governo federal.
"Nunca o Congresso Nacional foi tão forte para fazer as mudanças que a Federação necessita", discursou Serra no lançamento do segundo grupo.
"O que nós lamentamos muito é que aquele Brasil de 2014, que era projetado, era apenas um Brasil para a campanha eleitoral", disse Renan na ocasião.
Ganha, ganha. Aliados e adversários de ambos têm se mostrado surpresos com a parceria. A avaliação geral, segundo políticos entrevistados pelo Estado reservadamente, é que a dobradinha é positiva para os dois.
Renan busca sair da "agenda negativa" de ser alvo da Lava Jato ao mesmo tempo em que tenta se contrapor ao governo Dilma com uma pauta consistente de votações e debates públicos se valendo de Serra.
O tucano, por sua vez, consegue, com acesso ao peemedebista, um atalho para agilizar a tramitação das suas propostas na Casa, fazendo um contraponto à tímida atuação legislativa do ex-presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG). Ele ganhou destaque na sua volta ao Congresso duas décadas após experiências no Executivo, como ministro de Estado, governador e prefeito, e derrotas eleitorais, como nas disputas presidenciais contra Luiz Inácio Lula da Silva (2002) e Dilma Rousseff (2010).
Na avaliação de um senador do PSDB, "Renan não está preocupado se existe um jogo na oposição". Para ele, "a estratégia de Renan é ganhar espaço na imprensa, que sempre esteve contra ele, somando mais notícias positivas do que negativas".
Para o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), a dobradinha do presidente da Casa com Serra é um "reconhecimento" do valor da bancada tucana, mesmo Renan tendo excluído o partido da composição da Mesa Diretora na eleição de fevereiro. Na época, durante uma sessão para tratar dos cargos, Renan e Aécio bateram boca, com direito a dedos em riste e gritos.
Mais ligado ao senador mineiro, Cunha Lima negou que haja um melindre em relação ao ex-presidenciável do PSDB, nunca chamado para essas tratativas. "Não vejo dessa forma (exclusão de Aécio), é um reconhecimento do talento que o Serra tem", contemporiza.
Procurado por meio da assessoria de imprensa, Aécio não respondeu aos contatos.
'Melhores'. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), convocado por Renan para ajudar Serra nos dois grupos, negou que haja uma dobradinha do tucano com o peemedebista. "Há discussões de questões nacionais e ele (Serra) pode ajudar muito", disse. "A gente pega as melhores pessoas."
A parceria, entretanto, tem causado ciumeiras na base. Há duas semanas, um influente parlamentar governista alertou o presidente do Senado sobre os riscos da aproximação com o tucano. Ele o aconselhou a não se aproximar da oposição. Lembrou que "quando ocorre a disputa política", quem o ajuda é a base, destacando o fato de que foram os aliados que o salvaram duas vezes em 2007 da cassação do mandato - ao final daquele ano, Renan renunciou à presidência da Casa. Renan nada respondeu.
Ao Estado, José Serra disse que não há nenhuma articulação política entre ambos e que a relação tem sido "natural". Ele contou que nem sequer tinha sido sondado anteriormente por Renan para coordenar os dois grupos.
"Tem sido uma relação de cooperação", avaliou Serra, ao lembrar que ambos foram deputados constituintes e ministros do governo Fernando Henrique. O tucano recordou que Renan foi um dos principais responsáveis pela vitória em Alagoas, único Estado em que venceu a disputa presidencial de 2002. Renan foi procurado desde quinta-feira, mas a reportagem não conseguiu falar com ele.
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