• Competição majoritária ainda é para poucos
- Valor Econômico
A vontade de inovar está em alta na cena paulistana, em tempo de rejeição aos palanques tradicionais. Abrem-se as portas para o espetáculo, e daí surgem nomes na corrida eleitoral de 2016 como o do apresentador José Luiz Datena e o deputado-pastor Marcos Feliciano, que, embora veterano de dois mandatos eleitorais, é muito mais um personagem do que um político.
O fenômeno não é novo, que o diga a incursão de Silvio Santos na eleição presidencial de 1989, e nem adstrito a São Paulo ou Brasil, como mostra o caso atual de Donald Trump nos Estados Unidos. Raramente é bem sucedido.
O poder é uma fortaleza para o petista Fernando Haddad desidratar as candidaturas de Marta Suplicy (PMDB) e Celso Russomanno (PRB), que precisam de aliados encastelados na administração municipal para se viabilizarem. Haddad conta com a ajuda tácita do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e de toda a cúpula tucana nesta tarefa.
Sem candidato mas com um grande eixo organizador de alianças no Palácio dos Bandeirantes, o PSDB só pode entrar para valer no jogo de 2016 caso cristalize em torno de si o antipetismo. Para isso é necessário desestimular quem pretende navegar na seara da antipolítica.
Datena já foi advertido por tucanos do quanto teria a perder, em termos de prestígio, caso embarque na aventura. Estar em uma campanha eleitoral é enfrentar uma desconstrução de imagem.
No universo da rejeição aos políticos tradicionais, Feliciano alimenta-se de outras fontes. A mistura entre o púlpito e as urnas é um edifício mais sólido que o das celebridades, ainda que insuficiente para ganhar uma eleição majoritária.
"O radical no Brasil vai ocupar um nicho. Para ir além é preciso estabelecer pontes", comenta o ex-deputado e bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra, de Brasília. Rodovalho é líder do Conselho Nacional de Pastores (Concepab), uma das entidades que tenta estabelecer cooperação entre as Igrejas para montar uma frente política e eleitoral interpartidária.
O setor pretende plantar no Brasil em 2016 uma série de candidatos que estarão "em defesa da vida e da família", mas sem grandes expectativas de sucesso nos principais colégios eleitorais. O principal foco é o segundo turno, em que pretende trabalhar contra a reeleição daqueles que, na visão dos pastores, não são confiáveis. Um dos casos é precisamente o de Fernando Haddad. Embora tenham conseguido retirar do plano municipal de educação pontos que eram do interesse de gays, lésbicas e simpatizantes, Haddad passou a ser visto como uma ameaça.
Nas disputas majoritárias, prevalece no setor o realismo, dado precedentes como as incursões de Marcelo Crivella no Rio e do Pastor Everaldo na eleição presidencial do ano passado. O caso de 2014, lembra Rodovalho, deixou patente a dificuldade de se direcionar uma onda, um clima social, para o interesse específico de uma candidatura. "O Pastor Everaldo era o candidato do segmento, mas quem levou o voto evangélico foi a Marina, sem nunca ter representado a nossa plataforma. Nós não nos opusemos, porque sentimos que não podíamos ficar contra a corrente", afirma.
A antipolítica pode fazer barulho nas eleições municipais, mas o foco principal de quem se beneficia com a tendência é a eleição proporcional, ingresso para o palco onde a política se expressa de um modo sem disfarces.
Na Câmara dos Deputados sob a presidência de Eduardo Cunha, as igrejas evangélicas limparam a pauta. Todos os temas estratégicos para o segmento foram tocados pela nova legislatura, todas as propostas antipáticas ao setor foram barradas e a Câmara pode ser um instrumento para rever decisões do Supremo Tribunal Federal que desagradaram o conservadorismo, como o da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Se o consumo de maconha for descriminalizado pelo STF, poderá voltar a ser proscrito no Legislativo.
Talvez a conquista mais expressiva tenha sido obtida no início de junho, quando, em um "jabuti" dentro da Medida Provisória 668, foi aprovada a isenção tributária para a ajuda de custo recebida por religiosos.
A inovação, negociada pessoalmente por Rodovalho e outros líderes evangélicos com Cunha, representou uma liberação de encargos tributários na casa de centenas de milhões de reais. O benefício foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff.
Não é o único vínculo construído pela debilitada presidente com o setor. Com grandes investimentos em mídia, as igrejas são sensíveis à publicidade oficial. Dilma foi a primeira presidente a criar um espaço cativo no ministério para o PRB, indissociavelmente vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus.
A vinculação de Cunha com a igreja em que o bispo de Brasília pontifica é histórica. Foi na Sara Nossa Terra onde o presidente da Câmara inicialmente se vinculou no mundo evangélico. Mas o poder de fogo da Assembleia de Deus, ministério de Madureira, falou alto e fez com que Cunha transitasse de uma denominação para outra, estabelecendo uma parceria que chamou atenção de Rodrigo Janot.
Em sua acusação contra o presidente da Câmara, Janot lembrou-se da doação de R$ 250 mil que o operador Julio Camargo fez para a igreja, a pedido de Cunha, na versão do delator.
Cunha é o evangélico com mais poder no país, mas na linha de frente da Operação Lava-Jato há um procurador, Deltan Dallagnol, seguidor da Igreja Batista. O integrante da força-tarefa apresentou o decálogo contra a corrupção produzido pelo Ministério Público no Seminário Teológico Batista no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, há pouco mais de um mês. O evento foi divulgado com destaque no jornal mantido pela Convenção Batista Brasileira.
O ocaso de Cunha, algo que ainda não está posto, não enfraquece o segmento evangélico, assim como não enfraquecerá o PMDB. Tratam-se de frentes suficientemente heterogêneas e divididas para gerarem permanentes peças de reposição.
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