Por Claudia Safatle - Valor Econômico
BRASÍLIA - Um movimento articulado pelos dois maiores banqueiros do país, os presidentes do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e do Itaú, Roberto Setubal, e outros interlocutores do setor empresarial mostrou à presidente Dilma Rousseff o tamanho do risco que a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda representa hoje para o país.
Trabuco esteve com Dilma na quarta-feira e explicou o que poderá acontecer com os mercados, os bancos, a economia em geral e com o país caso ela mude de fato a política fiscal e assuma uma opção "desenvolvimentista".
Dilma teria se preocupado com o relato e convocou ontem os ministros Levy, Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloisio Mercadante (Casa Civil) para uma reunião de emergência. Ela determinou a Mercadante que desse entrevista assegurando que a saída de Levy sequer foi discutida no governo. Barbosa também disse que "Levy fica, com certeza".
No entanto, nenhuma palavra foi dita sobre o que realmente está em jogo: qual a meta de resultado fiscal para 2016. Levy esperava que a presidente se comprometesse com superávit primário de 0,7% do PIB. Dilma, porém, não assumiu qualquer compromisso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voou ontem a Brasília para conversar com Dilma. Vem do PT a maior resistência à ortodoxia da Fazenda.
Para participar da reunião com a presidente, o ministro da Fazenda havia cancelado viagem que faria à Turquia para a reunião do G-20, mas a restabeleceu após sair do encontro com Dilma. Levy não deixará o cargo. A amigos, disse que "não se pode deixar a economia à deriva".
Pelo lado do setor real da economia, Pedro Passos, copresidente do conselho da Natura, também declarou apoio a Levy e ao restabelecimento da meta fiscal de 0,7% do PIB para 2016, sob risco de o país perder o grau de investimento - já considerado inevitável pelo mercado. Passos disse que essa é uma convocação para que todos os empresários se manifestem pelo corte de gastos públicos em defesa da estabilidade.
Setor privado articula frente de apoio a Levy
Depois de uma reunião de pouco mais de uma hora com os ministros Joaquim Levy, da Fazenda, Nelson Barbosa, do Planejamento e Aloizio Mercadante, da Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff determinou a Mercadante que desse entrevista assegurando que nem se discutiu ontem a permanência de Levy no governo, assunto que tomou conta do país nos últimos dois dias. Isso não estaria em questão, foi o recado. Barbosa também comentou: "Levy fica, com certeza".
Nenhuma palavra foi dita sobre o que realmente está em jogo: qual a meta de resultado fiscal para 2016. Levy esperava que a presidente se comprometesse com superávit primário de 0,7% do PIB. Não teve tal garantia. Apenas ouviu que o governo tomará medidas para melhorar o resultado fiscal.
Levy não deixará o cargo. A amigos, disse: "Não se pode deixar a economia à deriva". Houve uma articulação do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, com o presidente do Itaú, Roberto Setúbal, e outros interlocutores para mostrar à presidente o tamanho do risco que está desenhado se Levy deixar o governo.
Trabuco esteve com Dilma na quarta-feira. A ela teria dito, segundo fontes, que Levy não teve as condições de trabalho necessárias e explicou o que pode acontecer com os mercados, com os bancos, com a economia e com o país caso ela mudasse, como mudou, a política fiscal, assumindo uma opção desenvolvimentista. Dilma teria se preocupado com o que ouviu e chamou os ministros para a reunião de ontem. Levy cancelou a viagem que faria à Turquia, para a reunião do G -20, para comparecer ao Palácio do Planalto, mas restabeleceu-a quando saiu do encontro com a presidente.
Do lado dos setores da economia real, o empresário e copresidente do conselho da Natura, Pedro Passos, também conclamou os empresários, o Legislativo e a alguns setores mais refratários do Executivo a assumirem a proposta de superávit de 0,7% do PIB. "E isso precisa ser feito com urgência para que possamos visualizar 2016 com mais clareza", disse ao Valor.
"O mundo empresarial está preparado para enfrentar cortes de gastos, cortes das desonerações feitas, dada a gravidade de o país perder o grau de investimento, o que trará mais recessão, mais desemprego e deixará o Brasil mais pobre", assegurou Passos, que também já presidiu o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Dilma, porém, não assumiu compromissos. Lula voou ontem para Brasília para também conversar com a presidente. Vem do PT a maior pressão para mudar a política econômica, sem que se explique com que margem de manobra isso seria possível.
O fulcro da discórdia, que mina a credibilidade do governo e desgasta Levy, é o Orçamento deficitário para 2016. Desde o início de julho, o ministro da Fazenda chamava a atenção para a elaboração do projeto de lei do Orçamento para 2016. Achava que ele seria esclarecedor do que o governo pensa e quer. Responsável pelo Orçamento, Barbosa concluiu o projeto de lei com déficit de 0,5% do PIB para o governo central e estabeleceu um déficit de 0,34% do PIB nas contas consolidadas do setor público.
Levy havia se comprometido, na revisão de metas para os próximos anos, com um superávit de 0,7% do PIB, esforço insuficiente para um governo que precisaria estar preocupado com a trajetória de redução da dívida pública como proporção do PIB. Por estratégia de Mercadante, a proposta chegou ao Congresso com déficit, para os parlamentares decidirem o que fazer. Não foi uma boa solução.
Na quarta feira, o ministro da Fazenda disse a Dilma: "Presidente, preciso de meta para ancorar o mercado". Dilma distribuiu palavras de apoio a Levy, em entrevista coletiva na tarde daquele dia. Esqueceu-se, porém, de citar que a meta fiscal para 2016 é um superávit de 0,7% do PIB e não um déficit de 0,34% do PIB.
Para cumprir o superávit Levy precisaria arrancar, entre cortes de gastos e aumento de impostos, pouco mais de R$ 60 bilhões. Simultaneamente ao corte de gastos, ele considera que será preciso aumentar impostos. Pode ser até alguma coisa parecida com a CPMF, desde que com uma alíquota bem mais baixa do que o 0,38% original.
Com Levy de um lado e Barbosa e Mercadante, de outro - a eterna disputa entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo - Dilma pendeu para os ministros petistas.
Na quarta-feira, o ministro da Fazenda teve duas conversas com a presidente. Não teria pedido demissão de forma explícita, segundo fontes oficiais. Mas deixou claro seu incômodo com a situação de conflito dentro do governo, com o desgaste que vem sofrendo, e disse que sem o compromisso com a meta de superávit de 0,7% do PIB, os mercados vão se desancorar completamente e o jogo estará perdido.
Os sinais de desancoragem já estão em curso. Em uma semana, a expectativa de inflação para 2017 subiu de 4,55% para 4,6%, mesmo antes da oficialização do Orçamento deficitário. No caso de os mercados ficarem desancorados, sem rumo, e os ativos despencarem, a saída de Levy do governo passaria a ser um mero detalhe.
"Não vamos joaquinizar a questão", comentou uma outra fonte. De fato, o problema não se resume a nomes. Refere-se à escolha da política econômica que vai recuperar a economia da recessão em que se encontra desde o ano passado.
Barbosa, da escola keynesiana, vê a impossibilidade de se fazer um ajuste fiscal de pouco mais de 1% do PIB - que é sair de 0,34% de déficit para 0,7% do PIB de superávit - com a economia em recessão. Avalia que cortes nos gastos públicos só aprofundarão a crise e almeja crescimento para solucionar o desequilíbrio fiscal.
Levy, de formação mais liberal, quer compromisso com a meta de superávit, sem o que os juros não vão cair mesmo com o país afundando na contração da economia. É preciso restabelecer a confiança dos agentes econômicos na política do governo, caso contrário os investimentos - que estão há oito trimestres em queda - não vão se expandir, o consumo não vai melhorar e a estagnação da economia será duradoura. Nesse embate, Mercadante entra apoiando Barbosa. Ou, como disse um parlamentar da base aliada, de forma jocosa, "ele entra com o fósforo".
De segunda-feira para cá, o governo teve uma pequena amostra do que poderia ocorrer se a escolha de Dilma recair para a proposta de política fiscal do Planejamento. O DI janeiro 21 passou de 13,71% na sexta-feira para a máxima de 14,97% ontem, fechando em 14,63% quando o mercado acreditou que Levy sairia forte da reunião com Dilma. O dólar (Ptax), que era cotado a R$ 3,5790 na sexta feira, encerrou ontem a R$ 3,7760, depois de superar os R$ 3,80.
Entre a cruz e a espada, PT e PMDB -maior partido da base aliada- querem a volta do crescimento de qualquer forma. Ontem, fontes do Planalto atribuíram mais ao PMDB do que ao PT de Lula a pressão para a saída do ministro da Fazenda. Incluíram, inclusive, a substituição também de Alexandre Tombini no comando do Banco Central. Parlamentares do PMDB, segundo essas fontes, estariam fazendo sérias críticas à elevação dos juros básicos para 14,25% - que levaria a uma quebradeira de empresas no país - e até mesmo às operações de "swap" cambial do BC.
O que incomoda Tombini, no entanto, é outra coisa. Mercadante e Barbosa sugerem a inclusão do Banco Central na proposta de reforma administrativa que pretende reduzir de 39 para 29 o número de ministérios. Como Tombini é ministro, retirar esse status dele já seria a extinção de um ministério. Só que as implicações são muito mais complexas do que um mero título. A perda do posto de ministro levaria Tombini a ter que responder na Justiça de primeira instância a demandas diversas, tais como intervenção, ou liquidação, de bancos.
Hoje, ele tem foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal. Uma segunda consequência de tal decisão, caso seja aprovada pela presidente, é o presidente do Banco Central voltar a ter uma relação de subordinação ao Ministério da Fazenda.
O PMDB pode estar insatisfeito com o que considera que sejam os resultados da política econômica e, particularmente, fiscal de Levy. Acredita que ele está levando o país à recessão. O PT também comunga dessa versão. Porém, ontem, os principais políticos da cúpula do PMDB afastaram a responsabilidade que lhes foi atribuída pelo Palácio do Planalto. Disseram não ter pedido a demissão de ninguém.
O vice-presidente, Michel Temer, em entrevista na noite de ontem, deixou claro que "a saída de Levy seria prejudicial ao país" e informou que disse ao ministro da Fazenda que ele "tem apoio pleno do PMDB".
Dilma também teria se decepcionado com o fato de a economia não ter reagido neste segundo semestre, como esperavam Levy e Barbosa. Os dados mostram que o Brasil entrou em recessão desde o segundo trimestre do ano passado, conforme o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace, do Ibre/FGV). Portanto, a recessão precede Levy e as medidas de ajuste tomadas este ano.
Os investimentos estão em queda há oito trimestres consecutivos e a confiança dos empresários - premissa para colocarem a mão no bolso para expandir seus negócios - continua em níveis baixíssimos. Isso, porém, está além da capacidade de qualquer ministro, na medida em que, além da recessão vir do primeiro mandato da presidente, há tremenda instabilidade política na origem da fragilidade do governo e, ainda, todos os desdobramentos das investigações de práticas de corrupção na Petrobras.
Trabuco falou em nome do setor financeiro, que está muito preocupado com os rumos que a crise econômica está tomando e com os seus efeitos sobre os bancos. Pedro Passos foi além: "Temos que caminhar para uma economia mais moderna, competitiva e aberta. Precisamos fazer a ponte para 2016 e ter uma proposta de mais longo prazo, que construa esperança".
Se Dilma mudou, ou permanece com as mesmas ideias, não está claro. Ela nunca deu uma razão para ter mudado de pensamento do primeiro mandato para hoje e mantém os sinais ambíguos, oscilando entre uma palavra de apoio a Levy e a aprovação de propostas de Barbosa.
A mensagem que ficou da reunião de ontem com os ministros foi curiosa. Três ministros - Edinho Silva, da Comunicação Social, Mercadante e Barbosa garantiram a permanência de um quarto ministro, Levy, no governo. A única pessoa que poderia falar sobre o assunto era Dilma.
Perseverante, Levy embarcou para a Turquia. De lá vai a Madri, para um seminário do jornal "El Pais", e para Paris, onde ocorrerá reunião da OCDE. Ele retorna ao Brasil no dia 9.
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