- O Globo
Há uma onda histórica forte de rejeição aos aspectos frágeis da globalização
A física contemporânea ainda está longe de compreender o tempo. Mas, séculos atrás, Santo Agostinho já disse algo muito interessante sobre o tempo dos humanos: “Existem três tempos, o tempo presente das coisas passadas, o tempo presente das coisas presentes e o tempo presente das coisas futuras.”
Vivemos no tempo presente, mas ele contém o passado e as memórias, falsas ou verdadeiras, e as expectativas, sonhos e investimentos sobre o futuro.
A eleição de Donald Trump, o Brexit, os autoritarismos na Rússia, China, Turquia e muitos outros, além da ascensão eleitoral da extrema-direita na Europa, levaram muitos analistas a considerarem revertida a tendência acelerada de globalização que vem de 1945 e que se acentuou muito dos anos 1980 até os dias de hoje.
Estão errados. Só estão enxergando o tempo presente das coisas presentes e, pior, projetando simploriamente o que veem para o futuro.
É claro que existe uma onda histórica forte de rejeição aos aspectos frágeis da globalização: as perdas econômicas de segmentos da população dos EUA e da Europa (contrapartida da muito maior ascensão social de centenas de milhões na Ásia e em outras regiões), a excessiva e exasperante burocracia dos órgãos multilaterais etc.
No contexto da Grande Recessão de 2008, essas fragilidades foram suficientes para gerar a reação atual. Mas tratase apenas disso, uma reação. Datada no tempo e condenada apenas ao registro histórico. Nada pode deter a tendência humana dos últimos 50 mil anos, desde a revolução cognitiva, para ampliação das redes de relações sociais entre nós, mesmo no contexto de uma espécie, o homo sapiens, profundamente tribal.
A globalização dos mercados e as novas ferramentas tecnológicas de comunicação entre os humanos já seriam suficientes para concluir, como o professor Yuval Harari, autor de “Sapiens”, um dos mais importantes livros deste século, que a consolidação da rede global é uma tendência inevitável (ainda que sujeita a poderosos percalços).
Os estados-nação continuarão importantes, mas já perderam grande parte de sua relevância, o que a sociologia alemã chama de perda de poder do titulo eleitoral: vota-se na Alemanha, mas decide-se com o voto muito menos do que 50 anos atrás, por exemplo.
A grande lacuna está na defasagem entre a globalização dos mercados e a globalização dos contrapesos da sociedade civil. Os desafios contemporâneos como as mudanças climáticas, o terrorismo, a ética na manipulação do DNA humano etc exigem governança global (não governo mundial, importante deixar claro).
Passada a reação atual, que une as direitas e esquerdas anacrônicas, a globalização, felizmente, voltará a se acelerar. Um exemplo para pensar? Hoje não é mais possível ser a favor da autodeterminação dos povos e dos direitos humanos fundamentais ao mesmo tempo. Ou um, ou outro.
*Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro
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