- Valor Econômico
"Aprovar essa idade mínima seria uma revolução"
As recentes mudanças anunciadas na reforma da Previdência Social têm gerado inquietação no mercado, analistas políticos e em parte da imprensa. Teses de que o governo já recuou muito e cedo demais pululam nos jornais e em comentários a clientes. A realidade, contudo, é complexa e demanda maior frieza nas análises e reações mais moderadas. Afinal, mesmo com todas as alterações já feitas e eventualmente mais algumas (desde que não alterem o núcleo da reforma), a economia acumulada em 20 anos, quando o fim do chamado bônus demográfico estará evidente, pode superar com folga a marca dos R$ 2 trilhões. Não é pouca coisa.
Cálculos da área econômica sobre o relatório apresentado pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA) apontam que as mudanças feitas geram uma perda de cerca de um quarto da economia originalmente estimada para a primeira década do novo sistema. Com atualização dos dados de 2016 e também da grade de parâmetros econômicos, a estimativa de redução de despesas na proposta original ficou em torno de R$ 800 bilhões ao longo de dez anos. Agora, com as mudanças apresentadas por Maia na semana passada, a projeção é de economia em torno de R$ 600 bilhões no período.
A economia da primeira década de vigência da PEC é relevante por conta do teto de gastos, no qual o governo teve sua primeira grande vitória política e sua maior sinalização para o mercado. Também o é para ajudar a conter o ímpeto da dívida pública. O teto, contudo, é uma armadilha difícil de os gestores públicos escaparem a partir de 2020, mesmo que houvesse uma reforma mais dura. Já a questão da dívida pode ser endereçada pelo caminho dos impostos, que o governo sabe que precisa trilhar, mas evita por desmedida pressão empresarial.
Do ponto de vista da Previdência, um dado relevante a ser observado, e que tem sido pouco comentado nas análises (em parte por culpa do próprio governo, que não joga luz nesses números), é o impacto da reforma em 20 anos ou mais. Mesmo perdendo cerca de 30% dos ganhos de despesas esperados no projeto original, como calculam fontes do governo, o texto apresentado por Maia, se aprovado, vai gerar até o fim da década de 30, quando teremos um país bem mais envelhecido, uma economia acumulada de gastos cerca de cinco vezes superior à estimada para a primeira década de vigência. É muito expressivo.
O certo é que, sem negociação e sem mudanças em parte das regras propostas, não haverá reforma e as despesas previdenciárias serão alguns trilhões maiores do que hoje. Esse é o pior cenário. Mas o tema precisa ser discutido com racionalidade, sem terrorismos dos lados a favor ou contra.
A proposta original do governo era exagerada e o texto atual já é bem melhor que o enviado, que continha absurdos como a possibilidade de benefícios de 60% do salário mínimo e a exigência de 49 anos para aposentadoria integral. "Ainda é uma boa reforma", admite uma fonte da equipe econômica. Mesmo que o governo venha a ceder mais, não será o fim do mundo. Como lembra um analista, só a introdução da idade mínima já representaria uma "revolução".
O governo, contudo, diz que já chegou praticamente no limite das negociações e tenta mostrar otimismo em torno das chances de aprovação do relatório de Maia. Mas sabe que ainda tem muito a negociar e pode ser forçado a ceder mais. A transição dos servidores é um dos focos de pressão. Nesse caso, explica outra graduada fonte, o problema é menos fiscal e mais de mensagem, já que funcionários públicos têm privilégios e garantias, como a estabilidade, que os privados não têm.
De qualquer forma, essa fonte ressalta que, do ponto de vista de mérito, as principais demandas da base já foram atendidas e que agora o determinante será a articulação política. Em outras palavras, aquele velho e complicado varejo de negociação de cargos e liberação de verbas que têm a incrível capacidade de convencer deputados e senadores sobre o mérito de projetos que afetam a vida de milhões. Nesse sentido, o chamado Centrão é um dos focos de preocupação, ainda que aliados importantes como PSDB e DEM também estejam dando sinais muito contraditórios e ainda não podem ter seus votos garantidos para o governo.
Além da briga por cargos, questões locais e eleitorais pesam bastante nos parlamentares. A saída do PSB, na noite de segunda-feira, se encaixaria aí, assim como resistências em outros partidos aliados. O movimento, na avaliação de um analista, atende mais a interesses específicos e a uma estratégia do partido de se fortalecer no campo de esquerda, aproveitando a fragilidade do PT. Mas parlamentares e governadores do PSB ontem já buscavam reverter o movimento, sinalizando votar com o governo.
Não se deve esquecer também do Senado. Uma importante liderança daquela Casa disse que, apesar de algumas alterações anunciadas por Maia já terem atendido demandas de senadores, como a manutenção do piso de salário mínimo para o BPC e pensões, ainda haverá novas discussões sobre o mérito pelos senadores com os deputados. Isto, explicou, deve ocorrer entre a comissão especial e o plenário da Câmara.
Outro senador de alto escalão destaca que, mesmo com a participação deles já nas negociações da Câmara, dificilmente a proposta será aprovada sem alterações na Casa. Se ocorrer, fará o texto voltar aos deputados. "Não dá para imaginar que nenhuma emenda será aprovada no Senado. O sistema é bicameral", sentenciou.
Uma questão que lamentavelmente tem ficado de fora das discussões é sobre o financiamento do sistema. Depois de o relator abandonar o debate das filantrópicas e das desonerações, o foco da reforma ficou apenas em estabilizar a trajetória da despesa, com exceção das regras rurais, que forçam um aumento da contribuição, ainda que essa medida seja mais importante para derrubar as fraudes.
O déficit previdenciário hoje é elevado também por questões conjunturais, como desemprego e informalidade em alta. É preciso discutir como reduzir o saldo negativo também pelo lado das receitas, de modo a financiar o subsídio dado ao setor rural, que continuará elevado mesmo com reforma e precisa ser debatido pela sociedade.
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