- O Globo
A aprovação de uma reforma da Previdência ambiciosa ficou inviável. E mesmo a de uma versão aguada parece improvável
Passados já cem dias, o país continua às voltas com os desdobramentos da crise política deflagrada pelos irmãos Batista. É bem verdade que Michel Temer conseguiu que a Câmara bloqueasse a primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República. E, a menos que surjam “fatos novos” de alto impacto, é bem possível que consiga bloquear outras denúncias. Mas, ainda assim, o presidente não voltará a ter o capital político com que contava até 17 de maio.
A crise deixou danos permanentes. A fragilização do presidente veio para ficar. E isso vem implicando rápido estreitamento do espaço de manobra para condução da política fiscal. O choque de incerteza vem retardando a recuperação do investimento. E entravando a retomada da economia, a queda do desemprego e a melhora do desempenho da arrecadação.
Num quadro de frustração com a arrecadação, as dificuldades de condução da política fiscal vêm sendo exacerbadas pela perda de ascendência do presidente sobre o Congresso. O que vem dando lugar à rápida deterioração das perspectivas do quadro fiscal.
A aprovação de uma reforma da Previdência ambiciosa ficou inviável. E mesmo a de uma versão aguada parece improvável. É bom lembrar que, em menos de 45 dias, o país estará a um ano das eleições de 2018. E, nesse mês e meio, o Congresso estará voltado para as complexas negociações das novas regras de disputa e de financiamento eleitoral.
A verdade é que Temer vem enfrentando sérias dificuldades para aprovar medidas fiscais muito mais simples. E, diante das resistências do Congresso e do desapontamento com a arrecadação, o Planalto, afinal, jogou a toalha e decidiu alterar as metas fiscais para 2017 e 2018, abrindo espaço para que o governo central incorra, nesses dois anos, no mesmo déficit primário observado em 2016.
A alteração marca o abandono da tentativa de dar início, já no governo Temer, ao colossal esforço de ajuste fiscal que se fará necessário para correção paulatina da trajetória explosiva do endividamento público. O esforço mais do que louvável de contenção de gastos discricionários acabou anulado pelo desempenho da receita.
Isso não significa que não tenha havido avanços qualitativos de grande importância no front fiscal. O governo conta hoje com uma equipe econômica de excelente nível e com notável lucidez sobre o que precisa ser feito. A aprovação do teto constitucional para aumento do gasto público foi um grande feito. A Lei de Responsabilidade Fiscal passou a ser levada a sério. Órgãos de controle, como o TCU, tornaram-se muito mais efetivos. A opinião pública está mais informada do que nunca sobre a gravidade do quadro fiscal. E cada vez mais consciente da necessidade de uma reforma ambiciosa da Previdência.
Para que as novas metas possam ser cumpridas, o governo teve de anunciar novo pacote de medidas fiscais. Mas a aprovação desse pacote ainda está longe de ser pacífica. Temer está agora forçado a se mover dentro de estreitos limites do possível: pode ceder às pressões do Congresso, mas não a ponto de se arriscar a perder a equipe econômica. E não lhe basta evitar a demissão do ministro da Fazenda. Precisa impedir que, desalentada com a fragilidade do Planalto, a equipe, aos poucos, se desfaça.
Por sorte, vem havendo surpreendente complacência externa com nossas dificuldades de ajuste fiscal. E é bem possível que esse quadro externo tão benigno perdure por tempo suficiente para que cheguemos sãos e salvos às eleições de 2018. Mas há pela frente longa travessia em campo aberto, que nos deixará perigosamente vulneráveis a mudanças de humor do mercado financeiro internacional, ainda que os riscos envolvidos possam ser sensivelmente mitigados se a equipe econômica for preservada.
A esperança de volta paulatina a uma trajetória de endividamento público sustentável está reduzida, agora, à perspectiva de eleição, em 2018, de um candidato comprometido com um esforço sério de ajuste fiscal no próximo mandato presidencial.
Mas não basta cruzar os dedos. Mobilizem-se.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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