Para marcar a diferença com sua antecessora, Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer anunciou pouco depois de efetivado no cargo, em 2016, um programa de concessões e privatizações com 34 projetos. Para recuperar prestígio e iniciativa após ter um pedido de investigação negado pelo Congresso - e outro a caminho - Temer anunciou ontem programa com o mesmo objetivo, com 57 projetos. Há uma diferença de escala entre os dois e ela é dada pela privatização da Eletrobras, que detém um terço da geração de energia do país e grande parte da distribuição, e do aeroporto de Congonhas (SP), o mais rentável do país.
A Eletrobras é um gigante deficitário, alvo histórico de loteamento de caciques do PMDB (mas não só dele) e palco de escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato. As mudanças feitas no governo passado para baratear o preço da energia (MP 579) ajudaram a destruir as empresas deficientes da holding. O plano de saneamento da companhia, que previa a venda de várias distribuidoras foi substituído por outro, pelo qual uma capitalização sem a participação da União abriria espaço a uma parcela majoritária de capital privado. A capitalização poderia render R$ 30 bilhões para a estatal, que pagaria com isso bônus à União e permitiria que 14 usinas que tiveram sua concessão prorrogada em 2012 possam operar com tarifas de mercado, e não os atuais R$ 35 por MWh.
A Eletrobras deveria ter sido vendida há mais tempo, mas o processo de privatização do setor elétrico, iniciado por Fernando Henrique, empacou no meio do caminho. A ideia da venda reaparece agora, repentinamente, em meio a um governo acuado por denúncias e por déficits fiscais que desistiu de reduzir. Entre a intenção e a venda, há um oceano de obstáculos, os mesmos que impediram até hoje que ela se tornasse uma empresa privada.
Ao que tudo indica, a autorização do Congresso para que a União abdique de 50% mais um do controle (ela tem 63,2%, contando fundos e BNDES). Os feudos tradicionais no partido do presidente já se mobilizam para retirar da venda as empresas que transformaram em cabides de emprego ou coisa pior, como Chesf e Eletronorte.
Não ajuda a operação o fato de ela ocorrer no meio de um processo para mudar a regulamentação do setor elétrico, já em consulta pública. Além disso, o aumento de tarifas que decorrerá da privatização, uma certeza matemática, não a torna popular. Há questões regulatórias sérias envolvidas. A mudança estrutural do setor e a privatização são bem vindas, mas vendas apressadas para fazer caixa não foram exemplares no passado.
Para fazer a privatização bem feita seria preciso que o governo se concentrasse em poucos projetos e a eles se dedicasse por inteiro. A falta de planejamento e a incapacidade gerencial do Estado não mudam com um passe de mágica.
A venda de várias distribuidoras estão na mira do governo desde setembro de 2016 e só a da Celg se efetivou. A concessão das rodovias BR 364 e 365 já vem do PAC e até hoje o governo ainda está mudando suas regras. O imbróglio das ferrovias Norte-Sul, Ferrogrão e Fiol dura anos, passou por mudanças de modelo e os trilhos pouco avançaram. A permissão pra investimentos de mineração em uma reserva de 47 mil km2 na Floresta Amazônica, em meio a áreas de proteção ambiental e terras indígenas significa confusão na certa - e mais desmatamento. Vender Congonhas, a "joia da coroa", e deixar aeroportos menores na dependência da Infraero traz risco de sucateamento dos aeroportos menores, pouco ou nada rentáveis.
Uma boa parte dos projetos tem prazo de licitação prevista a partir do segundo trimestre de 2018, já em meio ao turbilhão eleitoral. A privatização da Eletrobras será um teste político e gerencial importante para o governo do presidente Temer, cuja ambição maior, e talvez única, é terminar bem. Poderá ser, ao lado do teto de gastos, um marco positivo de sua gestão, que encontrou a economia em frangalhos e marcos regulatórios por refazer.
Mas os efeitos duradouros sobre as contas públicas virão mesmo de um teste anterior à da privatização da Eletrobrás, o da reforma da Previdência, que precisa ser aprovada este ano. Uma coisa não exclui a outra, mas a desestatização da Eletrobras, por mais necessária que seja, reduzirá em pouca coisa uma dívida que não está sob controle e que continuará aumentando sem parar se a rota dos gastos previdenciários não for invertida.
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