- Valor Econômico
O risco é não limpar a história do PMDB e sujar a do MDB
O senador Romero Jucá, que ontem ampliou sua coleção de processos no Supremo Tribunal Federal (STF), quer trocar o nome do PMDB para MDB. Ele está convencido de que legendas com a denominação "partido" não terão vantagem nas próximas eleições, para as quais se preparam siglas como Podemos, Avante e Novo. Até o DEM, que já foi Arena, quer virar o Mude, e o PP, legítimo sucedâneo da Arena e PDS, partidos que batiam continência ao regime militar, quer agora ser apenas Progressista.
O problema do PMDB não está no nome. Foi como PMDB que, em 1985, o partido derrotou a ditadura e elegeu o primeiro civil presidente da República, depois de 21 anos de generais no Palácio do Planalto. Foi ainda como PMDB que comandou a confecção da Carta de 1988, uma constituição criticada pelas bases que assentou na economia, mas que restaurou em sua plenitude os direitos e garantias individuais - suspensos pelo regime militar - e permitiu a configuração de uma ampla rede de proteção social no país.
A campanha das Diretas Já (1984) e a Constituinte de 1988 talvez tenham sido os dois últimos grandes momento do PMDB como partido. Ainda havia em seu DNA sequências do MDB, uma sigla que cresceu no exercício da oposição, à época em que fazer oposição era risco de vida, na defesa de um ideal - o fim da ditadura - e que cultivava a tolerância interna, embora na realidade fosse uma frente que abrigava os perseguidos do regime. Mas é também da época da Assembleia Constituinte a primeira ecografia do que o PMDB se tornaria e que o senador Jucá quer hoje apagar: o monumental espetáculo de fisiologismo patrocinado pelo então presidente José Sarney (1985-1990) para se manter no poder por cinco anos.
O senador Jucá corre o risco de não limpar a imagem do atual PMDB e ainda sujar a história de um MDB que evidentemente tinha seus defeitos, mas alimentava um sonho. A cúpula do PMDB só não está na cadeia porque tem mandato, foro especial e outras vantagens. O MDB teve mártires como Alencar Furtado, que era líder da bancada quando teve o mandato cassado. No programa de TV partidário, Alencar desafiou ao regime ao falar das "viúvas (e filhos) do talvez e do quem sabe". Todos entenderam: o líder falava das tortura, mortes e desaparecimentos dos adversários políticos da ditadura.
O PMDB tenta justificar suas desventuras na Lava-Jato ao fundamentalismo curitibano, mas regime de exceção mesmo quem enfrentou foi o MDB.
É uma ironia que Romero Jucá hoje queira tirar a palavra "partido" do PMDB: o MDB deixou de ser MDB e se transformou em PMDB, em dezembro de 1979, porque os generais de plantão tinha pavor de uma sigla que se tornava vitoriosa, a cada eleição. Como se sabe, MDB e Arena foram criados por decreto do regime, um para dizer "sim" e outro para dizer "sim, senhor". Nos anos 60, os emedebistas até pensaram na dissolução do partido, diante de seu desempenho medíocre nas urnas. As atas das reuniões da executiva guardam um tedioso relato de desistências de filiações. O ex-senador Paulo Brossard, morto em 2015, dizia que o MDB de então era um "acampamento de náufragos".
A explosão do MDB ocorre nos anos 70, especialmente na eleição de 1974, quando consegue 16 das 21 vagas em disputa para o Senado Federal e 165 das 364 cadeiras da Câmara dos Deputados - eleição que levaria mais tarde à edição do malfadado Pacote de Abril. Em janeiro de 1980, enfim, os militares deram o golpe que pensavam iria exorcizar a sigla MDB do espírito de um eleitor cada vez mais de oposição, determinando que as siglas deveriam carregar no mome, obrigatoriamente, a palavra "partido". A Arena se transformou em PDS e o MDB agregou a letra "P" à sigla. Uma artimanha. Os militares não gostaram, mas tiveram de engolir - já se vivia os estertores do regime.
Poderoso nos Estados, o partido virou uma potência em nível nacional que não havia como ser ignorado pelo presidente da hora no Palácio do Planalto, mesmo que nunca tenha eleito um presidente pela via direta. É o partido fiador do tal presidencialismo de coalizão ou de cooptação, dependendo do ponto de vista de quem fala. E no entanto, o PMDB de hoje não é sombra do que foi o MDB. Mesmo quando o assunto não é a corrupção. A tolerância, por exemplo.
Em seu guarda-chuva abrigaram-se várias correntes do espectro político, inclusive aqueles partidos jogados na clandestinidade pelos generais. É notória a divisão entre autênticos e moderados dos primeiros dias, dinâmica que ajudava o partido avançar. O PMDB de hoje quer expulsar os dissidentes. Dois deles estão na alça de mira: os senadores Roberto Requião (PR), pela esquerda, e a senadora Kátia Abreu (TO), pela direita. Até bem pouco tempo o PMDB também não fechava questão nos assuntos de consciência. Era uma das tradições mais caras dos pemedebistas, que caiu por terra na votação da degola de Michel Temer.
O sentimento que hoje move Jucá a querer tirar o P da sigla PMDB é o mesmo que levou os generais a forçar o MDB incluir o P antes de seu nome: medo do voto. Alto lá, Jucá. A história do MDB merece mais respeito.
Por baixo dos panos
Ainda não se conhecem as regras para as eleições gerais de 2018, se o voto será proporcional, distritão ou distrital, mas a campanha presidencial já está a todo vapor. Basta observar a movimentação dos potenciais candidatos: enquanto João Doria, prefeito de São Paulo, virou alvo de manifestantes que atiravam ovos no Nordeste, Jair Bolsonaro foi recebido com idêntico carinho em Ribeirão Preto (SP). Mais discreto, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, atacou na frente Sul. Com a popularidade rés do chão, o presidente Michel Temer pode até vir a ter algum candidato, mas o apoiará por baixo do pano. O ex-presidente José Sarney costuma dizer que o apoio da máquina federal pode dar até 20% de saída para um candidato, não importa a popularidade do governo - o que pode ser ouro puro, numa eleição pulverizada.
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