Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - As frentes de mudanças na área política que estão no Congresso - e que são prioridade na agenda da Câmara a partir desta semana - representam mais o instinto de autopreservação dos grandes partidos, numa reação ao ativismo do Judiciário, do que uma resposta à opinião pública. O que não impede de terem um grau de ousadia que poderá alterar as regras do jogo das próximas eleições.
Paira, pelo menos sobre quatro propostas, a sombra de um Judiciário que já mudou ou tem grande probabilidade de alterar pilares do sistema. O mais óbvio é o fundo eleitoral de R$ 3,5 bilhões, tábua de salvação de um sistema partidário que não pode mais receber doações de empresas por decisão do STF.
Outros três pontos - o fim das coligações proporcionais, a instituição de cláusula de desempenho (para reduzir o número de legendas) e a obrigatoriedade de um mínimo de 80% de diretórios permanentes, o que reduziria o poder dos caciques partidários -, aparecem na discussão da reforma como antecipações ao movimento do Judiciário.
Propostas da reforma política se antecipam ao Judiciário
Megaescândalos de corrupção, como os investigados pela Operação Lava-Jato, aliados a crise aguda, costumam gerar pressões da sociedade que provocam, em outros países, o ambiente propício para reformas políticas audaciosas. As frentes de mudanças que estão no Congresso Nacional - e que são prioridade na agenda da Câmara a partir desta semana - representam mais o instinto de autopreservação dos grandes partidos, numa reação ao ativismo do Judiciário, do que uma resposta à opinião pública. O que não impede de terem um grau de ousadia que poderá impactar substancialmente as regras do jogo das próximas eleições.
Pairam, pelo menos sobre quatro propostas, a sombra de um Judiciário que já mudou ou tem grande probabilidade de alterar pilares do sistema. O mais óbvio é o fundo público eleitoral de R$ 3,5 bilhões que surge como tábua de salvação de um sistema partidário que não pode mais arrecadar doações de empresas desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015.
Outros três pontos - o fim das coligações proporcionais, a instituição de uma cláusula de desempenho (com o objetivo de reduzir o número de legendas) e a obrigatoriedade de um patamar mínimo que chegaria a 80% de diretórios permanentes (o que reduziria o poder dos caciques partidários) - também aparecem na caudalosa discussão da reforma política como antecipações ao movimento do Judiciário.
"O TSE [Tribunal Superior Eleitoral] já deixou claro que o fim das coligações está sendo considerado. Vários ministros declararam que se o Congresso não acabar com elas, a Justiça irá. Não tem escolha", afirma a deputada Shéridan Oliveira (PSDB-RR), relatora da comissão especial da PEC 282/2016.
A pressão explica porque, diferentemente de tentativas anteriores, os partidos pequenos estão com menos força para impedir a extinção do mecanismo pelo qual elegem parlamentares às custas das legendas maiores. O pacote da PEC que busca reduzir a fragmentação partidária - o Parlamento brasileiro é recordista mundial no quesito - inclui ainda a criação de uma cláusula de desempenho progressiva. O patamar mínimo começaria com 1,5% dos votos para a Câmara dos Deputados até chegar a 3%, nas eleições de 2030. A previsão é que o número caia dos atuais 26 partidos com representação na Casa para 16. Pelo texto, a regra passa a valer somente em 2020, num acordo que atendeu as pequenas siglas. Mas as agremiações maiores, adianta Shéridan, devem apresentar emendas para que a cláusula já vigore em 2018.
Aqui, uma intervenção do Judiciário também é vista como iminente, de modo a corrigir a decisão do STF de 2006, quando a Corte derrubou a cláusula de 5% que havia sido aprovada, em 1995, e passaria a valer naquele ano. "O próprio Judiciário reconheceu o erro, porque se a legislação deixar correr solto, inviabiliza qualquer condição de governabilidade. Como construir consenso com mais de 35 partidos? Se o Congresso não fizer a reforma é demonstração de incompetência", diz a deputada.
Na esteira da cláusula de desempenho, vem outra proposta recorrente no debate da reforma política: a criação das federações partidárias - nas palavras do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) uma espécie de "prêmio de consolação", para que os partidos pequenos tenham funcionamento parlamentar e acesso ao tempo de TV e ao fundo para campanhas. Por meio das federações, as legendas poderão formar uma aliança para sobreviver à cláusula, desde que a união eleitoral se mantenha na arena legislativa. Ou melhor, nas arenas, porque a PEC prevê que a federação seja a mesma na Câmara, no Senado e nas Assembleias Legislativas. A exigência significaria uma mudança equiparável, embora menos radical, à verticalização das alianças ocorrida em 2006, noutro imbroglio que envolveu a judicialização das regras eleitorais pelo TSE e pelo STF. O objetivo da medida é o de dar mais consistência e lógica às alianças - mas nas eleições de 11 anos atrás teve como efeito indesejado a proliferação do número de candidaturas.
Outra proposta que tem o condão de mudar o perfil das organizações partidárias é o artigo que busca reduzir a proporção de comissões provisórias, no extenso projeto de lei de Vicente Cândido (PT-SP). Comissões provisórias são as seções partidárias que podem ser dissolvidas a qualquer momento pelos caciques estaduais ou nacionais e costumam dar a medida da democracia interna de uma agremiação. Pela proposta, deverão dar lugar às comissões permanentes em pelo menos 20%, em 2018, e crescer progressivamente até o mínimo de 80% em 2021. Atualmente, pequenas e médias siglas chegam a ter mais de 90% de comissões municipais provisórias, cujas direções são mudadas pelos interesses do "dono" do partido. Também é uma questão que entrou no radar do TSE, cujos ministros participaram do processo de sugestão da reforma política.
"É uma exigência que o tribunal fez. A proposta original era de extinguir as comissões provisórias, mas chegou-se a um acordo para que houvesse tempo para a transição", afirma o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). As legendas que não atingirem os percentuais mínimos terão reduzidas, na proporção do percentual que faltar, as parcelas que lhes cabem relativas ao fundo partidário e ao tempo de propaganda partidária no rádio e TV.
Nem tudo, no entanto, é feito no sentido de responder a pressões do Judiciário, mas também no de, ao contrário, reagir à judicialização ou no autointeresse de preservar a sobrevivência eleitoral no ano que vem. Diante das críticas de outros partidos, Vicente Cândido excluiu o polêmico artigo que proibiria a prisão de pré-candidatos até oito meses antes da eleição. Permanece o prazo atual de 15 dias.
Chamada de "Emenda Lula" - numa referência à possibilidade de o ex-presidente ser preso pelos processos a que responde - ela faz parte de um rol de outras medidas que buscam proteção contra o Judiciário e contra candidatos outsiders ou milionários. Ao Valor, Cândido reconhece que a "Emenda Lula" seria "uma vacina para esse período em que estamos vivendo, para que proteja a política da judicialização".
O projeto relatado pelo petista prevê, porém, a volta do prazo de filiação prévia para um ano - em 2015 passou a ser de seis meses - e uniformiza o prazo de desincompatibilização para seis meses. O alvo é a candidatura de juízes, promotores e policiais que quiserem surfar na onda da Lava-Jato para se elegerem. Terão que tomar decisão com mais antecedência. Atualmente, a legislação estabelece prazos mais curtos, de quatro ou três meses, dependendo do cargo a ser disputado. "Quem quer entrar para a política que se prepare. Um policial hoje pode se filiar até o dia da convenção. E há mais de 40 prazos de desincompatibilização. Estamos unificando para que haja um processo limpo, isonômico", diz. Outro ponto que atinge o Judiciário é a proposta que institui mandatos de dez anos para ministros dos tribunais superiores.
Apesar disso, Cândido afirma que fez o projeto "muito junto com o TSE". O tribunal, conta, sugeriu ainda o artigo da habilitação prévia, para fevereiro, e a unificação de processos de litígios partidários - julgados pela Justiça comum - aos eleitorais.
Sobre as regras do bilionário fundo público de campanha - saída encontrada para financiar os gastos depois do petardo do STF que proibiu as doações de empresas jurídicas - Cândido afirma que terá uma alteração para a votação na comissão esta semana. Em vez de destinar metade dos recursos para as campanhas majoritárias e metade para as proporcionais, os partidos poderão usar 20% das primeiras verbas para bancar candidaturas a deputado. É uma demanda das legendas parlamentares, que frequentemente não se arriscam a disputar cargos executivos. Há mais ajustes feitos nos últimos dias: o limite de gastos para campanhas a deputado federal sobe para R$ 2,5 milhões e para estadual cai para R$ 1,5 milhão. O teto para o autofinanciamento - antídoto contra candidatos ricos, como João Doria (PSDB), eleito prefeito de São Paulo, no ano passado - passa de 5% para 7%.
O trabalho de Cândido está dividido em cinco propostas, sendo uma PEC, que propõe, além de outras alterações, como a extinção dos cargos de vice, a adoção do sistema distrital misto a partir das eleições a deputado de 2022. Na eleição de 2018, manteria-se o sistema de lista aberta, com limitação do número de candidatos. Mas o movimento em defesa do distritão - pelo qual os candidatos mais votados são eleitos, independentemente do desempenho do partido - vem crescendo.
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