- Valor Econômico
Governo sacou o crédito que tinha com o Congresso
Foto publicada nos jornais de ontem mostra o presidente Michel Temer, os ministros Henrique Meirelles (Fazenda), Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), Moreira Franco (Secretaria-Geral) e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, em reunião no Palácio do Planalto. Todos em mangas de camisa, porque anteontem era domingo, mas o que chamou mesmo a atenção na Câmara dos Deputados foi a ausência de um representante do Centrão ao alcance da câmera do fotógrafo. Para piorar a situação, Rodrigo Maia, ao fim da conversa, declarou que fez um apelo para o presidente Temer não ceder antes da hora nas negociações da reforma da Previdência.
Rodrigo ficou mal na foto. A leitura é que ele assumira a articulação para aprovar a reforma como quer o Palácio do Planalto. A opinião em boa parte do chamado baixo clero da Câmara, ontem, é que o deputado pelo DEM do Rio de Janeiro perdeu a imparcialidade para presidir a votação. Imparcialidade que até agora deu sustentação à governança de Rodrigo Maia e quase o levou a ocupar a cadeira de Temer. Rodrigo também tem compromissos com a oposição. Além de ter votado nele para presidir a Câmara, a oposição o ajudou a alcançar o quórum de 342 deputados necessários para que fosse votado o pedido de licença para o Supremo Tribunal Federal (STF) investigar e eventualmente processar o presidente da República.
O Palácio do Planalto tem pressa para votar a emenda da Previdência, a fim de aproveitar o embalo da vitória da última quarta-feira, dia 2. Foi uma vitória e tanto, sem dúvida, mas para um governo que se gaba de sua boa relação com o Congresso, ter apenas seis votos a mais que a maioria absoluta (257 votos) é o fim da linha. A menos que o procurador-geral Rodrigo Janot tenha um estoque considerável de bambus para novas e decisivas flechadas, pode-se dar como certo que o governo não cai mais. O problema é saber em que condições ele continua. Em relação à reforma da Previdência, os auxiliares do presidente insistem que a história é outra e não tem relação com a votação de quarta-feira.
Pode ser. Na realidade, a votação do pedido de licença para o Supremo investigar o presidente foi bastante equilibrada. Segundo um atento leitor dos números de votações na Câmara, ela foi quase simétrica. Durante todo o tempo, em cada Estado, em cada partido da base (a oposição votou relativamente coesa), em cada bancada corporativa, inclusive evangélicos e ruralistas, era sempre lá e cá. Em momento algum o presidente conseguiu abrir 40 votos de vantagem, e a certa altura chegou a ficar apenas com pouco mais de 20 votos de dianteira. Um sufoco. Quando foi proclamado o voto 172 - que livrava Temer - a diferença era de apenas 27 votos.
Para o governo, o importante agora é mudar rapidamente de assunto. A reforma da Previdência é o mote. Melhor falar de aposentado do que da suposta segunda denúncia de Rodrigo Janot. Não que o governo não deseje sinceramente votar a proposta. Não só quer como acha que pode, baseado em suas sucessivas vitórias no Congresso. "O Congresso vota", diz o ministro Moreira Franco. O que os números, no entanto, apontam é que o governo praticamente esvaziou o saldo da conta corrente. É certo que 263 deputados apoiaram a permanência do presidente, mas ter 227 outros pedindo a sua cabeça não é pouca coisa.
Para aprovar a PEC da Previdência, o governo precisa recuperar os dissidentes dos partidos aliados, especialmente PSDB, DEM e PPS, siglas nas quais é maior a aceitação da reforma. No cenário mais otimista, o governo chegaria a 303 votos - ainda faltariam cinco para aprovar a emenda. O território de caça do Planalto serão os deputados dissidentes filiados aos demais partidos governistas, em torno de 100. Mas são justamente esses os parlamentares mais arredios e que demonstram mais frustração em relação ao "neoliberalismo" e ao desejo de Rodrigo Maia de "agradar o mercado".
Uma incursão pelo chamado Centrão indica que o governo até pode passar a PEC da Previdência na Câmara dos Deputados, mas terá de fazer muitas concessões. Temer foi aconselhado por parlamentares do PSDB a desidratar a reforma apenas ao estabelecimento da idade mínima para aposentadoria. Muito embora tenha admitido essa hipótese em entrevista que concedeu no sábado ao jornal "O Estado de S. Paulo", em conversas com líderes aliados tem insistido em votar o texto aprovado pela comissão especial da Câmara.
Na ressaca da votação de quarta-feira, a impressão que os líderes governistas passam é que o crédito do governo chegou ao limite e que a situação só tende a se agravar, à medida que se aproximam as eleições gerais de 2018. "Hoje você anda na rua e o sujeito vem te falar que estão querendo tirar a aposentadoria dele", diz um interlocutor do presidente.
Reforma política e parlamentarismo
Em conversa com a coluna, o senador José Serra disse que a mudança do sistema de governo deve ser tratada no âmbito da reforma política em discussão no Congresso. Basicamente, a criação da cláusula de barreira para o funcionamento dos partidos, o fim das coligações nas eleições proporcionais e o parlamentarismo, especialmente a introdução do voto distrital misto, "que é o mais importante, o que mais mexe com a estrutura de tudo".
Segundo Serra, "nunca houve tanto clima quanto agora" para a discussão do parlamentarismo. "Agora a ideia não é só uma comissão para o parlamentarismo, é para a reforma política. Não é também para elaborar os projetos. Os projetos já existem. É para avaliar o que tem e tocar pra frente. Voto distrital misto tem o meu pronto. Cláusula de barreira e fim das coligações nas eleições proporcionais, os dois já estão andando, em estágios diferentes. Mas não tem a menor importância se um vai na frente e outro atrás. O importante é acertar para tramitar".
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