- Correio Braziliense
O encontro de ontem do presidente Michel Temer (PMDB) com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), para sacramentar a transferência de parte da área do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista, foi mais do que um ato administrativo. Como quem joga com as brancas, Temer mexeu a primeira peça do tabuleiro do xadrez da própria sucessão. “Tenho orgulho de me equiparar às atitudes de João Doria para que nós tomássemos atitudes que estavam paralisadas há muitíssimos anos (…) Isso é fruto da ideia porque tenho um parceiro e um companheiro. João não tem uma visão só municipalista, mas nacional”, disse Temer, ao transferir um terreno muito cobiçado, que será destinado a um parque municipal.
Ao dar à questão local uma dimensão nacional — afinal, trata-se apenas de um terreno destinado a um parque municipal —, Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão. E, com isso, começa a resolver um grande problema: a “sombra de futuro” curtíssima. O presidente da República escapou do afastamento pela Câmara dos Deputados porque a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, mas saiu do embate menor do que entrou: a base do governo diminuiu de tamanho e o desgaste político causado pelo episódio é de difícil reversão. Além disso, seu mandato durará mais 16 meses, apenas.
Com a popularidade atual, Temer não tem a menor perspectiva de fazer um sucessor filiado ao PMDB, embora existam ambições na equipe ministerial, como as do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo. Em termos de expectativa de poder, ou arranja um candidato competitivo para sua sucessão ou em breve começará a tomar café frio, como se diz no jorgão palaciano. O lance de ontem foi uma espécie de “Abertura Réti”, jogada de xadrez que recebeu esse nome por causa de seu autor, Richard Réti, que quebrou a invencibilidade de oito anos do famoso enxadrista Capabranca, ao controlar, por antecipação, o centro do tabuleiro, com uma ação de flanco para capturar os peões adversários e dominar o jogo. Temer não economizou elogios a Doria: “Sempre agregou, sempre somou”.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não participou da solenidade. O prefeito paulistano foi uma invenção política do tucano, mas agora criatura e criador andam se estranhando. Alckmin não moveu uma palha para demover os deputados paulistas de votarem a favor da denúncia do Ministério Público contra Temer, que agora deu o troco incensando Doria. Nos bastidores da política nacional, os dois tucanos já estão em guerra pela vaga de candidato a presidente da República pelo PSDB.
Reformas
Doria também não se fez de rogado em relação a Temer: “A parte mais difícil já passou e agora há pouco campo para fazer oposição ao governo. O PSDB tem de fazer as reformas. Agora, não é mais o caso de discutir se é contra ou a favor de Temer, mas de puxar o Brasil para a frente, porque já chega o que os partidos de esquerda puxam para baixo”, disse. E defendeu a permanência dos tucanos na equipe de governo: “O PSDB tem quatro ministros muito bons que atuam no governo com muita eficiência, com destreza, são prestigiados, e, a meu ver, podem continuar o seu trabalho onde estão. E entendo também que o PSDB é um grande partido, composto por boas cabeças, que emitem suas opiniões nem sempre coincidentes.”
Além de se reposicionar em São Paulo, cuja política conhece bem, Temer neutraliza um pouco o protagonismo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que passou a ser o polo decisivo para aprovação das reformas e a própria estabilidade do governo, conforme ficou claro na votação da denúncia. Maia é hoje o principal fiador da aprovação das reformas política, previdenciária e tributária, quando nada porque manda na pauta da Casa que lidera. Ao lado do prefeito de Salvador, ACM Neto, Maia opera para resgatar o antigo poderio do DEM, incorporando à legenda os dissidentes do PSB e de outros partidos que votaram com Temer.
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