terça-feira, 19 de dezembro de 2017

José Márcio Camargo *: A luta continua

- O Estado de S.Paulo

O adiamento da reforma da Previdência e o recesso são uma chance de fazer com que enterrem privilégios

No apagar das luzes de 2017, após a aprovação de várias reformas importantes (teto do gasto, trabalhista, terceirização, adoção da TLP, entre muitas outras), a Câmara dos Deputados decidiu adiar a votação da reforma da Previdência Social para fevereiro de 2018. Segundo as principais lideranças do Congresso, o adiamento foi necessário por causa da incerteza quanto à obtenção dos 308 votos necessários para aprovar a matéria. Diante dessa incerteza, a decisão de adiar a reforma pode ser vista como uma estratégia para tentar aumentar a aprovação da proposta pela sociedade e, com isso, reverter votos no plenário da Câmara e do Senado. Se, por um lado, a decisão frustrou as expectativas mais otimistas, por outro, mostra que o Congresso continua comprometido com esta agenda.

Encastelados em Brasília e sob forte pressão das corporações de funcionários públicos, seria extremamente difícil a aprovação de uma reforma cujo principal objetivo é exatamente reduzir os privilégios destes mesmos funcionários públicos.

A reforma proposta atinge, particularmente, o conjunto de funcionários que entraram no setor público antes de 2003, que têm direito a se aposentarem com um valor do benefício igual ao seu último salário e a reajustes salariais e promoções similares a seus pares que permaneceram na ativa. Esse grupo corresponde a aproximadamente 380 mil servidores públicos, todos entre os 10% mais ricos da população do País e muitos entre o 1% mais rico. A manutenção da regra atual imporá ao País um custo de aproximadamente R$ 510 bilhões ao longo dos próximos 50 anos.

Essas despesas serão cobertas por impostos arrecadados do conjunto da população. Como quase 50% da população tem renda per capita familiar abaixo da linha de pobreza (R$ 500,00/mês), a manutenção deste privilégio significa manter um dos maiores programas de transferência de renda de pobres para ricos do mundo. Por outro lado, vai retirar recursos de áreas como saúde, educação, investimento, etc.

O adiamento da reforma tem dois efeitos. Primeiro, torna mais difícil sua aprovação, na medida em que 2018 é um ano eleitoral e muitos deputados e senadores consideram que votar uma reforma desta ordem em ano eleitoral poderá dificultar sua reeleição. Entretanto, a história não dá suporte a essa avaliação. O presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou uma reforma da Previdência num ano eleitoral, 1998, e mais de 60% dos deputados e senadores que votaram a favor se reelegeram (ante 50% dos que votaram contra).

O segundo efeito é positivo. Ao voltarem para suas bases eleitorais, deputados e senadores se verão livres da pressão das corporações de servidores públicos concentradas em Brasília. Ao voltarem para suas bases eleitorais, deputados e senadores poderão sentir diretamente como pensam seus eleitores e avaliar com mais clareza qual o grau de rejeição ou de aprovação da reforma.

Nesse contexto, é função da cidadania persistir na campanha para mostrar a estes eleitores que eles estão financiando os privilégios de um pequeno grupo de pessoas, que estão entre os 10% mais ricos da população, que se recusam a dar uma pequena contribuição para a retomada do crescimento e redução do desemprego, depois de dois anos de crise e recessão.

As festas de fim de ano estão chegando e, neste período, a mobilização deverá arrefecer. Mas cabe a cada um de nós, assim que as festas passarem, voltar à carga, informando a população sobre os termos e a importância da reforma para seu próprio bem-estar. Para muitos analistas, adiar a votação da reforma da Previdência foi a pá de cal sobre o túmulo onde ela estará enterrada. Porém o adiamento e o recesso, ao retirar os legisladores de Brasília, são uma chance de, se conseguirmos explicar para a sociedade a importância da reforma, fazer com que esta pá de cal enterre os privilégios defendidos pelas corporações. A luta continua. Um feliz 2018.
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* Professor do departamento de economia da PUC/Rio, é economista da Opus Investimentos

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