Não é concebível ministro da Fazenda misturar política partidária e candidatura própria com a missão de viabilizar reformas essenciais
São parte do perfil clássico de ministro da Fazenda e similar, em qualquer país do mundo, a discrição, o cultivo profissional do otimismo e uma distância profilática da política. Mesmo que seja deste ramo, precisará pautar a atuação de guardião do bom funcionamento da economia dentro do espaço do conhecimento técnico, o que não quer dizer que deva desprezar a sensibilidade para detectar a direção dos ventos no jogo do poder.
No caso de Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, professor universitário, ex-senador, o aspecto técnico foi atendido pela escalação de uma equipe de especialistas muito competentes, alguns já calejados com o fracasso do Cruzado, e que terminaram responsáveis pelo que parecia impossível: debelar, enfim, a inflação, com o Plano Real.
Um caso extremo de mau exercício do cargo, devido à contaminação pela política, foi o do lulopetista Guido Mantega. Economista, não conseguiu se distanciar da militância partidária, e se vê envolvido em inquéritos e processos em que é acusado de corrupção.
Já o ministro Henrique Meirelles vive outro tipo de experiência, mas também repleta de perigos — não só para seus próprios planos, mas principalmente para o país, porque, ao aspirar a ser candidato a presidente da República, Meirelles sabota, na prática, a sua missão principal, a de ajudar a viabilizar a aprovação da reforma da Previdência, além de outros projetos do ajuste. Cabe o registro, porém, do seu bom trabalho no posto e do alto nível da equipe que formou.
Um gesto de Meirelles em que ficou escancarada a intenção de se lançar ao Planalto foi o programa do PSD, no dia 21 de dezembro, em que apareceu com discurso de candidato em pré-campanha. Falou da sua vida de garoto humilde, de estudante de escola pública que chegou a ser presidente de um banco global. Meirelles, demonstrou o programa, deseja disputar o espaço do candidato de centro, entre os extremos populistas, de direita e esquerda, Bolsonaro e Lula. Especula-se que quem preencher este vazio terá grandes chances de vitória. Logo, o ministro tem vários concorrentes.
É legítima a intenção de Meirelles, que já havia sido eleito deputado federal em 2002, pelo PSDB de Goiás, mas aceitou o convite de Lula para presidir o Banco Central. A questão é a incompatibilidade indiscutível do trabalho de Meirelles na Fazenda e qualquer lançamento de candidatura, ainda mais para o Planalto.
O ministro passa a ser visto como alvo por quem acalenta o mesmo projeto. Haverá quem pense que votar pela reforma da Previdência e por outras medidas do ajuste fiscal significará fortalecer o candidato. Será fatal para esses projetos.
Meirelles deveria primeiro cumprir a missão, que não é só dele, de aprovar as propostas, para só depois pensar na carreira política. Sem se esquecer da impossibilidade de repetir o feito de Fernando Henrique no governo Itamar.
Ao contrário do Real, as mudanças causadas pela reforma da Previdência e outras propostas de ajuste só produzirão efeito no bolso do eleitor a médio ou longo prazos, não será de forma instantânea. Mesmo que tenha sucesso, o ministro continuará tão impopular quanto antes.
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