- Folha de S. Paulo
O cinismo do vossa excelência e do senhor presidente cede à sinceridade explosiva
Um presidente chamado de vagabundo não é coisa para qualquer país. E assim tratado por duas vezes, pelo próprio deputado-líder do seu partido, ah, agora sim: Jair Bolsonaro e os bolsonaristas se põem a acabar com a velha política. O caquético cinismo do “vossa excelência” e do “senhor presidente” cede à sinceridade explosiva.
É natural um certo pasmo com o novo, agravado porque a má vontade identificada por Bolsonaro na imprensa negou à novidade o destaque merecido. Nem por isso a situação geral, incluída a tal estabilidade, está em menor suspense.
Bolsonaro ficou sem reação por 24 horas e depois agiu apenas com a formalidade óbvia. Se estiver angustiado por seu amor americano, é compreensível. Por algum motivo inexplicitável ao menos por ora, o noticiário aqui não sabe do cerco a Trump, o procedimento para impeachment avançando a cada dia. Seja como for, é a segunda obstrução a que Bolsonaro se impõe, sem ter superado a primeira.
Bolsonaro não pôde demitir o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, quando apontado em uso ilegal de verbas e de candidatas laranjas. Agora, a descumprida promessa de afastar todo suspeito já encara uma denúncia judicial. Com envolvimento também do candidato Bolsonaro. No episódio em curso, silêncio e mero pedido de processo contra o deputado inovador, Delegado Waldir, equivalem a uma fuga, tratando-se do valentão de mãos imitando armas. Duas omissões próprias de quem está pendente do que o outro sabe e é bem capaz de dizer.
Essa vulnerabilidade está envolta em emaranhado muito cinzento. Caixinhas nos gabinetes dos filhos, proximidade com milícia, o Queiroz que não pode aparecer, funcionários fantasmas e parentes de milicianos, dependência da integridade ou covardia de promotores e procuradores, enfim, confusão gorda em indícios e riscos.
Então Bolsonaro lança a fake news do filho embaixador. De repente investe contra o grupo dominante do seu partido, toma ou arrasa o PSL. Passa a perna nas figuras mais proeminentes de sua base parlamentar, lança o não embaixador para não líder na Câmara —tudo isso sem objetivo, só desatino?
As consequências podem não ser as imaginadas por Bolsonaro, mas não faltarão ao encontro. Se com ele ou conosco, aí começa outro assunto.
DE POLÍTICA
A “mídia” ficou mal na primeira sessão do Supremo sobre prisão de réu já na segunda instância de julgamento ou, como previsto na Constituição e no Código de Processo Penal, só quando esgotado, com condenação, o trânsito do processo.
Não é comum ver-se ali, em sucessivas exposições, tantos talentos da advocacia —Lênio Streck, Almeida Castro, José Eduardo Cardozo, Juliano Breda, Tofic Simantob, o jovem Leonardo Sica e outros— reunidos na mesma causa.
E, explícitos ou por vias indiretas, críticos das inverdades sobre a questão e das argumentações artificiosas. “A manipulação”, no dizer indignado de Almeida Castro, com motivação política.
Desde o início da Lava Jato, desenvolveu-se nova indução de jornalismo deformado: são procuradores passando imprecisões e inverdades a jornalistas, também muitos destes com propósitos subalternos.
O próprio presidente da Associação Nacional do Ministério Público, Victor Azevedo, alimentou o terrorismo da ameaça, pelo Supremo, de uma multidão de assaltantes e assassinos soltos pelas ruas.
Mesmo as autorias respeitáveis dão margem a um espanto lamentoso. É frequente nesses casos, por exemplo, a afirmação de que o art. 5º da Constituição não determina a prisão só quando esgotada a última instância de recurso.
Diz ele: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Se ainda NÃO é considerado CULPADO, ainda não pode cumprir sentença. Só poderá fazê-lo quando considerado culpado, o que só poderá se dar com “o trânsito em julgado de sentença condenatória”. E isso só pode acontecer com julgamento em última instância.
O caso, pronto para decisão plenária do Supremo desde dezembro, caiu em mais um intervalo.
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