- Folha de S. Paulo
Uma ou duas ideias sobre a relação entre condições sociais e crime que gostaria de discutir
Não assisti a "Coringa", mas tenho uma ou duas ideias sobre a relação entre condições sociais e crime que gostaria de discutir.
Para a esquerda, são determinações sociais, como a desigualdade ou o abandono, em especial na infância, que forjam o bandido, que seria mais uma vítima do que um perpetrador, enquanto, para a direita, o que importa são disposições individuais, que podem até ter base hereditária.
A realidade, como sempre, fica no meio do caminho entre as explicações mais caricaturais.
Para além dos estudos que ligam os maus-tratos na infância a comportamentos antissociais (ainda que não necessariamente criminosos), há toda uma família de experimentos psicológicos (Milgram, Zimbardo) que mostram que mesmo pessoas mentalmente saudáveis podem, diante de um pouquinho só de pressão dos pares ou de autoridades, ser levadas a cometer atos reprováveis e até ilegais.
Na outra ponta, a literatura registra casos de certos tipos de demência e até de tumores estrategicamente localizados que levam as pessoas a meter-se em encrencas com a lei. Essas situações de crime inegavelmente orgânico estão longe de ser a regra, mas há todo um gradiente de traços de personalidade, além de patologias, que podem comprometer a capacidade do indivíduo de controlar seus impulsos.
O sujeito pavio-curto, especialmente se possuir uma arma e frequentar bares, tem mais chance de cometer um crime violento do que o cara fleumático que não sai de casa. Nesses casos, a relação nunca é determinista, mas probabilística.
O assustador é que, quanto mais avançarmos nossa capacidade de fazer esses cálculos —e ela deve avançar bastante na esteira do "big data"— e mais nos empenharmos em adotar medidas preventivas, mais nos aproximaremos de um cenário distópico, em que indivíduos se tornam objeto de uma ação dissuasória do Estado antes mesmo de cometerem um crime.
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