O desvario de Bolsonaro – Editorial | Folha de S. Paulo
Planalto faz vídeo contra políticas aceitas pela maioria e de impacto consumado
Não satisfeito com seu pronunciamento de terça-feira (24) em cadeia de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro avançou em sua cruzada para sabotar os esforços de controle da epidemia de Covid-19.
Na mais recente ofensiva contra as recomendações quase unânimes de médicos e estudiosos, o Palácio do Planalto encomendou um vídeo publicitário em que se exorta a população a voltar ao trabalho, às escolas e a outras atividades.
“O Brasil não pode parar” é o mote da peça populista, veiculada de modo experimental nas redes sociais bolsonaristas —o que já seria um escândalo em potencial, tratando-se de comunicação de governo, mesmo se o conteúdo fosse sensato ou bem-intencionado.
Mais que excitar as hordas fanáticas da internet, o que se faz é estimular de modo temerário pressões de empresários e trabalhadores contra as normas de confinamento em suas cidades e regiões.
Se compreendem-se as preocupações com a renda e os empregos, é com fundamentos científicos que se deve travar a discussão. O governo Bolsonaro, entretanto, não apresenta um fiapo de argumento técnico para sustentar a defesa que o presidente faz de isolamento apenas parcial de indivíduos.
Com o mesmo ímpeto demagógico e irresponsável, o chefe de Estado decidiu incluir as atividades religiosas entre aquelas oficialmente consideradas essenciais, permitindo que cultos de qualquer natureza continuem ocorrendo mesmo em situações de quarentena.
Encoraja-se, assim, o comportamento de risco da população, com a formação de aglomerações em espaços fechados —ambiente propício para a propagação do vírus.
Para dizer o óbvio, atividades hieráticas não se revestem, num Estado laico, da essencialidade fundada no interesse público. Conforme o decreto que trata da matéria, serviços essenciais são aqueles que “se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
Nem mesmo como cálculo político os desmandos de Bolsonaro fazem grande sentido. Ele investe contra políticas já em curso, aceitas pela grande maioria da população e de impacto econômico consumado. Não escapará de responder por uma recessão; tampouco merecerá os créditos se o combate à pandemia for bem-sucedido.
Contra o tempo – Editorial | Folha de S. Paulo
Desenham-se medidas de amparo a vulneráveis; é preciso fazer mais, e rapidamente
A esta altura já parece por demais otimista a projeção recém-apresentada pelo Banco Central de crescimento zero do Produto Interno Bruto brasileiro neste ano —antes previa-se uma taxa de 2,2%.
A julgar pelos dados que vão sendo conhecidos de outros países, um cenário bem pior se avizinha, para o qual as autoridades ainda não apresentaram um plano abrangente, embora algumas providências importantes e bem-vindas venham sendo tomadas.
Estimativas já apontam para quedas do PIB que podem chegar a inéditos e devastadores 20% ou 30% no segundo trimestre na maior parte dos países desenvolvidos. Mesmo com rápida retomada no restante do ano, tais números seriam compatíveis com uma contração na casa dos 5% em 2020.
Diante dessa calamidade, os governos reagem com programas de sustentação de renda e empregos, além de oferecer garantias por meio de empréstimos para empresas. Pacotes se aproximam dos 10% do PIB nos EUA e passam disso, por exemplo, na Alemanha.
Outro necessário complemento vem dos bancos centrais, que intervêm no mercado para evitar o colapso da intermediação financeira. Compras generalizadas de papéis, inclusive títulos de empresas, vem sendo utilizados.
O Brasil dificilmente escapará de uma recessão, talvez comparável à vivida entre 2015 e 2016, mas mais abrupta. Nesse ambiente, o desemprego pode disparar novamente, com danos sociais irreparáveis.
Ao menos uma medida contundente veio da Câmara dos Deputados, que aprovou pagamento de R$ 600 mensais por três meses para o amplo contingente de trabalhadores informais e famílias de baixa renda, com custo calculado em R$ 44 bilhões. O auxílio ainda depende de votação no Senado e regulamentação do Executivo.
Também auspicioso foi o anúncio, pelo BC, de crédito subsidiado de R$ 40 bilhões para financiar por dois meses o pagamento de salários, até o limite de dois mínimos, em pequenas e médias empresas (de faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões), condicionado à preservação de empregos.
É fundamental que tais recursos sejam empregados de forma isonômica entre os setores econômicos, sem favorecimentos nem pagamento a bancos intermediários.
Resta amparar ainda microempreendedores de receita abaixo do piso fixado. Outro desafio será encontrar os informais e as famílias empobrecidas não registradas no cadastro oficial que serve de referência para o Bolsa Família e outros programas sociais.
Tudo isso precisa ser viabilizado rapidamente, dado que os impactos sociais e econômicos do combate à pandemia já estão em andamento. Que as demais forças políticas e a pressão da sociedade levem o governo Jair Bolsonaro se mover a despeito da inépcia presidencial.
Vírus, informação e responsabilidade – Editorial | O Estado de S. Paulo
De médico e louco todo mundo tem um pouco, diz o vulgo. Na era digital, vale acrescentar: de jornalista também. Muitos creem que as redes sociais tornaram a imprensa obsoleta. Os demagogos aproveitam esse sentimento para desmoralizar o jornalismo. Mas, quando todos podem ser difusores de informação, justamente os tempos de crise evidenciam que a apuração profissional é literalmente uma questão de vida ou morte.
“Não estamos apenas lutando contra uma epidemia; mas contra uma infodemia”, alertou o diretor da OMS, Tedros Ghebreyesus. “Não é coincidência que o fenômeno da internet compartilhe um vocabulário com certas doenças”, disse a repórter de tecnologia do Guardian Julia Wong. “Tal como um vírus patogênico se dissemina em um mundo conectado por viagens aéreas, a má informação pode se mover ainda mais rápido.” O ecossistema altamente emocional da pandemia – “uma combinação de medo, desejos equivocados de ajudar, instintos de intriga e suspeitas de que as fontes oficiais escondem a verdade”, segundo Tim Harford, do Financial Times – é ideal para surtos de desinformação.
Tanto pior quando estes surtos são excitados por forças geopolíticas oportunistas. Há indícios de que no início da epidemia o Partido Comunista Chinês ocultou informações da população e das autoridades globais acossando médicos e jornalistas, e agora utiliza seu aparato de propaganda para reescrever uma narrativa triunfalista da “guerra ao vírus”. Um relatório da União Europeia acusa o Kremlin de orquestrar uma “campanha de desinformação”, disseminando “confusão, pânico e medo” para “agravar a crise de saúde pública nos países ocidentais”.
Assim como todos devem lavar as mãos e evitar tocar o rosto para impedir o contágio do vírus, é necessária uma higiene informacional contra a viralização da mentira. É preciso contar até 10 antes de circular notícias bombásticas, as carregadas de pavor, não menos que as de esperança. “Sozinhas estas barreiras parecem triviais”, disse Harford. “Coletivamente funcionam.”
A pandemia chama em causa a responsabilidade das redes sociais – o “Quinto Poder”, segundo Mark Zuckerberg. Facebook, Google e Twitter anunciaram uma cooperação com instituições como a OMS para bloquear desinformações. Mas, a julgar pelo seu desempenho recente, precisarão redobrar esforços.
O grande peso da responsabilidade está nos ombros da imprensa. “A luta contra o coronavírus depende da competência, capacidade e seriedade estratégica das autoridades sanitárias. Mas a guerra”, disse o professor Carlos Alberto Di Franco no Estado, “só será ganha na trincheira da comunicação.” Assim como os profissionais da saúde, os da imprensa estão expostos a grandes riscos. Jornalistas também temem por suas famílias e são vulneráveis a surtos de complacência e de pânico. Do dia para a noite, precisam se aprimorar no jornalismo científico e de dados. Mas quando os próprios cientistas forjam no calor da hora os pareceres mais conflitantes, “nosso melhor”, segundo Deborah Blum, do Programa de Jornalismo do MIT, “é peneirar entre múltiplas fontes e oferecer o retrato mais acurado do que está acontecendo”. “Transparência informativa, rigor sem alarmismo e didatismo compõem a chave do sucesso”, disse Di Franco.
Felizmente, o bom combate avança. Após o alerta de 30 jornalistas franceses na Itália, a França editou medidas severas de contenção da doença. A Coreia do Sul, um dos países mais bem-sucedidos no combate à covid-19, foi elogiada pela OMS pela eficácia e transparência de sua comunicação. Os jornais do Brasil e do mundo liberaram o acesso gratuito às informações sobre o vírus. Um estudo recente mostra que em meio à pandemia os veículos de imprensa são a fonte mais confiável para 64% das pessoas.
Diz-se que a verdade é a primeira vítima da guerra. Nesta, ela pode ser a última, se sociedade, estudiosos, autoridades e jornalistas estiverem – como disseram em uníssono as capas dos jornais brasileiros na segunda-feira passada – “unidos pela informação e pela responsabilidade”.
Trabalhadores, enfim, na pauta oficial – Editorial | O Estado de S. Paulo
Desempregados e pobres entraram afinal na pauta do governo. O coronavírus forçou o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe a cuidar de assuntos deixados, até há pouco tempo, em segundo ou terceiro plano. A melhor vacina contra os efeitos econômicos da epidemia seria a aprovação de reformas, dizia há algumas semanas o ministro da Economia, Paulo Guedes. Que reformas – e aprovadas em quanto tempo? O programa de R$ 40 bilhões para financiamento de salários e proteção de empregos, anunciado na sexta-feira, foi mais um sinal da mudança. A emergência havia entrado de fato no radar da área econômica.
O vírus continuava batendo o governo, ainda lento na reação aos danos econômicos da pandemia. A Câmara dos Deputados já havia aprovado um repasse mensal de R$ 600, por três meses, a trabalhadores informais e a pessoas com deficiência à espera do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo INSS. O projeto ainda passaria pelo Senado, mas o Congresso mais uma vez se mostrava mais ágil e mais orientado que o Executivo.
No Ministério da Economia, o enfrentamento da nova crise havia começado para valer na semana anterior. A primeira ação ambiciosa havia sido um plano de apoio simultâneo a trabalhadores e a empresas. Empregadores poderiam antecipar férias e feriados, determinar férias coletivas e suspender contratos de trabalho. Tudo isso foi previsto na Medida Provisória (MP) 927, editada no dia 22. Mas faltou garantir a remuneração pelo menos parcial após a suspensão dos contratos.
A MP 927 foi um desastre político, embora defensável em alguns aspectos. O presidente queixou-se de estar apanhando e pediu ajuda ao ministro. Suspensa a trapalhada, a equipe econômica deveria recompor a proposta, combinando a flexibilidade oferecida às empresas com alguma proteção aos trabalhadores. Seria preciso garantir apoio também aos informais.
Nenhum projeto tão amplo quanto a infeliz MP 927 havia sido anunciado até a manhã de sexta-feira, quando o presidente da República e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, lideraram a apresentação do programa de apoio financeiro a pequenas e médias empresas. Subsidiado pelo Tesouro, o programa dependeria também de recursos dos bancos. O dinheiro seria destinado diretamente aos assalariados e a dívida seria assumida pelas empresas.
À tarde, o ministro da Economia se manifestou por vídeo, fazendo um balanço das ações iniciadas contra a crise e prometendo mais dinheiro para ajuda aos trabalhadores e, de modo especial, às pessoas mais indefesas. Começou reconhecendo, enfim, o tamanho do desafio. Retomou a distinção entre duas ondas da crise, a da saúde e a da economia, e admitiu: a segunda onda pode ser uma crise maior que qualquer outra já enfrentada no Brasil. Com pouca novidade, o discurso de Guedes enumerou principalmente medidas já apresentadas pelo Executivo e pelo BC, como a liberação de recursos do depósito compulsório para empréstimos, a antecipação de pagamentos a aposentados e o aumento dos beneficiários do Bolsa Família. Além disso, prometeu ajuda federal no pagamento de salários, em caso de redução pelas empresas.
A equipe do Ministério da Economia continua com dificuldades para montar um programa articulado de enfrentamento da crise. Na área federal, o BC continua liderando a ação anticrise, com medidas para facilitar a expansão do crédito e para garantir liquidez ao setor bancário. Bancos estatais, como a Caixa Econômica e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também têm mostrado capacidade de ação. No caso do BNDES, ensaia-se um retorno às suas funções de apoio à economia.
A agenda federal seria muito mais simples se o governo tivesse de enfrentar, neste momento, só a segunda onda. Mas tem de enfrentar as duas. Pior que isso: para cuidar da primeira, o Ministério da Saúde contraria a opinião do presidente da República, empenhado em relaxar as medidas de prevenção sanitária. Se o presidente prevalecer, a morte se encarregará de reduzir o número de desempregados.
A revolta da comunidade científica – Editorial | O Estado de S. Paulo
Ao publicar a Portaria 34 no dia 18 de março, em meio à eclosão do novo coronavírus no País e sem qualquer aviso prévio às instituições de ensino superior, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) deixou a comunidade acadêmica perplexa, a ponto de as mais importantes sociedades científicas brasileiras terem lançado contundentes notas de protesto.
Sob a justificativa de ampliar os limites de variação no número de bolsas que cada programa de pós-graduação poderá receber a partir de agora, a Portaria 34 mudou parte das regras que a própria Capes havia anunciado há um mês. Ao todo, o sistema brasileiro de pós-graduação, que é disciplinado e avaliado por esse órgão, engloba 4,5 mil programas. Entre os critérios para a definição das bolsas a que cada um deles tem direito, destacam-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município onde o curso é oferecido, o número médio de alunos titulados e os conceitos de avaliação de desempenho.
Em fevereiro, a Capes já havia baixado três portarias, estabelecendo que nenhum curso poderia sofrer uma perda superior a 10% ou receber um aumento superior a 30% com relação ao número de bolsas recebidas anteriormente. Pela portaria que foi divulgada no último dia 18, a redução de bolsas agora pode chegar a 50% e o aumento a 70%, dependendo da nota de avaliação do curso. Além disso, do modo como foi redigida, a nova portaria dá a entender que cursos de excelência avaliados com o conceito máximo de qualidade da Capes poderão perder um número expressivo de bolsas. A mudança foi tão abrupta e as novas regras são tão polêmicas que, assim que a Portaria 34 foi divulgada, os 49 coordenadores de áreas acadêmicas do órgão assinaram um documento reivindicando sua imediata revogação, deixando claro que não foram consultados e exigindo transparência no processo de distribuição de bolsas.
“É um desastre. Se o objetivo do MEC é desmantelar o sistema de pós-graduação, ele está conseguindo”, afirma Carlos Menck, coordenador da área de Ciências Biológicas 1 na Capes e professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. É preciso restabelecer o diálogo entre as autoridades educacionais e a comunidade acadêmica, “neste momento de crise gerada pela pandemia causada pelo covid-19, cujo enfrentamento demanda o fortalecimento da nossa capacidade de produção científica e tecnológica”, afirmou, em nota, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação. Endossada por mais de 60 entidades científicas de todas as áreas do conhecimento, a reação mais contundente partiu da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em “carta de repúdio” encaminhada ao presidente da Capes, Benedito Aguiar Neto, a entidade lembrou que ele havia se reunido dias antes de baixar a Portaria 34 com os representantes das sociedades científicas, quando propôs um diálogo com a comunidade acadêmica e não cumpriu o que prometera. Na carta, a SBPC adverte que até o Conselho Superior da própria Capes não foi informado do teor da Portaria 34 antes de seu lançamento. Por fim, a SBPC afirmou que ela poderá levar o sistema de pós-graduação ao “colapso”.
Em resposta, Aguiar Neto alegou que a portaria por ele assinada “corrige distorções” e afirmou que as críticas das sociedades científicas “revelam uma visão parcial do problema”. Seja qual for a “parcialidade” a que se refere, o fato é que sua iniciativa, além de se dar num momento de transição do modelo de avaliação da Capes, prejudicou o planejamento que os 4,5 mil programas de pós-graduação do País fizeram para 2020, com base nas regras e diretrizes anunciadas pelas autoridades educacionais no ano passado. É desse modo desastroso e irresponsável que o governo Bolsonaro tem tratado uma área que, paradoxalmente, é considerada prioritária.
Casos no mundo não convencem o Planalto – Editorial | O Globo
Peça publicitária prova que exemplos como o da Itália são desconsiderados pelo
O lançamento nas redes sociais de um vídeo sob a chancela do governo federal com o slogan “o Brasil não pode parar” reforça o discurso feito pelo presidente Bolsonaro na noite de terça-feira contra a indicação de médicos, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para que as populações pratiquem o isolamento social e a quarentena, a fim de conter a disseminação global da Covid-19. Confirma-se que o clássico mecanismo do aprendizado pela observação não tem sido usado no Planalto. Se a realidade factual fosse levada em conta, essa questão não existiria para o governo, tampouco inspiraria peças de manipulação política.
O tempo não para, e os fatos se sucedem, a despeito do desejo de autoridades. De acordo com as previsões do Ministério da Saúde e conforme o padrão seguido nos demais países, os casos de coronavírus no Brasil começam a acelerar e assim ficarão durante algum período. A curva da epidemia está na fase de “subir a ladeira”, dizem os técnicos. Segundo o secretário de Saúde de São Paulo, José Henrique Germann, o número de mortes pela Covid-19 no estado subiu para 68 ontem, um óbito a cada duas horas e 20 minutos. O total de casos confirmados era de 1.223, um acréscimo de 14% em relação a quinta.
O tempo de ascensão e o ângulo da subida dependerão das precauções tomadas pelas pessoas, razão direta da consciência e empenho das autoridades. Por coincidência infeliz para o presidente, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, liberou ontem um vídeo em que pede desculpas por haver apoiado a campanha “Milão não para”, talvez uma das fontes inspiradoras dos publicitários do Planalto. A Lombardia, região do Norte italiano em que se localiza Milão, a mais rica cidade do país, contabilizava 250 contaminados pela Covid-19 e 12 mortos. Empresários preocupados com a recessão que seria agravada pelos protocolos médicos ajudaram a financiar a campanha. O coronavírus se alastrou pela Lombardia, e até ontem havia contaminado 37.298 pessoas e causado 5.402 mortes, uma devastação. Que deverá contaminar a carreira política do prefeito e outros. A Itália como um todo ultrapassou a China, o berço da pandemia, com 86.498 casos, 5 mil a mais. Por enquanto. Bateu outro recorde ontem: quase mil mortos em um dia (919).
É uma perigosa falácia a ideia de que se pode liberar os jovens para o trabalho e manter o idosos protegidos em quarentena. Como na Itália, devido a razões diferentes, as diversas gerações das famílias vivem juntas. Em um caso, razões culturais; no outro, financeiras. Mesmo que assim não seja, a China demonstrou, é criminoso não isolar toda a população. Um governante que desdenhou das precauções contra o coronavírus, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, testou positivo e se isolou. Mas antes deve ter ouvido conselheiros que o levaram a recuar no “isolamento vertical” (só os grupos de risco). Até decretou quarentena. Mas hoje em Brasília médicos e cientistas não são ouvidos.
População deve colaborar para evitar a sobreposição de doenças – Editorial | O Globo
Nesta época do ano, aumentam os casos de gripe, que se somam aos surtos de dengue nos estados
Não bastasse o gigantesco desafio representado pela pandemia do novo coronavírus, que ameaça levar ao colapso as redes pública e privada no Brasil, como acontece em países da Europa — Itália e Espanha, por exemplo —, existe uma preocupação adicional das autoridades de saúde. No outono e no inverno, costumam crescer os casos de doenças respiratórias que levam milhares de pessoas aos hospitais, e cujos sintomas muitas vezes se confundem com os da Covid-19. Paralelamente, vários estados vivem surtos de dengue, moléstia do século passado que o país tem se mostrado incapaz de controlar, fazendo com que retorne de tempos em tempos, sobrecarregando o SUS e provocando mortes que poderiam ser evitadas.
Na quinta-feira, o secretário nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, alertou para o problema durante coletiva sobre o coronavírus. “Estamos com três epidemias simultâneas”, disse, referindo-se à gripe e à dengue, além da Covid-19. Na verdade, a pandemia confronta o Brasil com suas próprias mazelas, problemas que deveriam ter sido resolvidos há tempos, mas que foram ignorados. A comunidade da Rocinha, uma das mais populosas do Rio, registra índices de tuberculose inaceitáveis. A favela cresceu de forma desordenada, com casas coladas umas às outras, sem saneamento, sem ventilação, sem as regras urbanísticas que vigoram no asfalto. Agora, com o coronavírus, teme-se a bomba de propagação que isso pode representar. É como se a epidemia trouxesse todas as contas de uma só vez.
O país que por décadas negligenciou a saúde da população agora quer se dedicar ao coronavírus, mas velhos problemas batem à porta. Entende-se a perplexidade do mundo diante de uma doença letal, e para a qual ainda não há remédio ou vacina. Mas não é o caso da gripe. No ano passado, o país contabilizou índices baixíssimos de vacinação, que culminaram com cerca de 1.110 mortes. Inadmissível. No caso da dengue, não existe vacina, mas o combate sistemático aos focos do mosquito pode reduzir o número de infectados. Porém, também nisso municípios, estados e o governo federal fracassaram.
Agora, é correr contra o tempo. A antecipação da vacinação contra a gripe é acertada, apesar das inexplicáveis aglomerações de idosos em frente aos postos. Problema que pode ser corrigido. A resposta da população tem sido boa. Em relação à dengue, cidadãos precisam colaborar. Sabe-se que o Aedes aegypti é um mosquito caseiro. Portanto, os moradores, em suas quarentenas, podem ajudar na eliminação dos focos.
As próximas semanas precisarão ser de dedicação total ao combate ao novo coronavírus. Mas não se pode esquecer de outra ameaças.
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