- Folha de S. Paulo
Crédito de emergência ainda vai demorar a sair, não cobre outras despesas fixas e não trata de microempresas
O maior e mais imediato problema do plano de empréstimos de emergência do governo é que o dinheiro vai demorar. Trata-se aqui da linha de crédito anunciada nesta sexta-feira (27), de até R$ 40 bilhões, para pequenas e médias empresas.
O pessoal do governo diz que a coisa pode levar de sete a quatorze dias para ficar pronta. Mas as empresas já estão demitindo ou morrendo. Outras firmas e mais empregos morrerão em duas semanas.
Há mais problemas, alguns deles apontados por economistas que discutem como se pode compensar a brutal perda de faturamento das empresas menores. Se tais firmas naufragarem, será ainda mais lenta a retomada econômica depois da epidemia. Os economistas preferem não se identificar, até porque ainda não existe detalhe formal das medidas.
Quais problemas?
TAMANHO DO PACOTE
O plano prevê empréstimos de até R$ 40 bilhões, R$ 34 bilhões com fundos do governo e R$ 6 bilhões dos bancos. Vão bancar por até dois meses salários de até R$ 2.090 (dois salários mínimos). Chutando que trabalhadores beneficiados ganhem a média de um e dois salários mínimos, podem ser atendidos, no limite, 12,7 milhões de empregados.
Trata-se de cerca de 1 de cada 3 empregados com carteira assinada, exclusive trabalhadores domésticos. Cerca de 20 milhões de trabalhadores com CLT ficam fora do esquema, por ora, sem contar 1,7 milhão de domésticos registrados.
E AS MICROEMPRESAS?
Parte dessas pessoas fora do pacote do governo pode trabalhar em microempresas, que empregam mais de 8 milhões, segundo o Sebrae. Mas o critério de microempresa do Sebrae é porte (número de empregados), não faturamento, critério do governo.
Empresas com faturamento inferior a R$ 360 mil por ano não entraram neste pacote de crédito (apenas aquelas que faturam de mais de R$ 360 mil a R$ 10 milhões anuais).
A ajuda para as micro ainda estaria “em estudo”. Pode, pois demorar ainda mais que o pacote para as médias e pequenas. As micro tem ainda mais dificuldades de tomar crédito, sem conseguem algum.
O TAMANHO DO BURACO
O pacote cobre o rendimento de cada trabalhador até dois salários mínimos (R$ 2.090). A empresa pode complementar o restante. Se tiver dinheiro. Pode demitir. Fazer acordo de redução de salário, se houver regra para tanto. De qualquer modo, é mais perda de renda e mais crise para o conjunto da economia.
O pacote não cobre despesas como alugueis, água, luz, gás, comunicações. A despesa que causa mais desespero é a folha, decerto. No entanto, se uma empresa não puder pagar seus custos fixos, ainda pode operar, sem demitir? Se pegar o empréstimo de emergência, não pode demitir. E então? Vai ficar com a cruz ou com a caldeirinha?
OS BANCOS
Os bancos vão ter de entrar com 15% do total de empréstimos, R$ 6 bilhões, no total. Parece pouco, em princípio. Os empréstimos bancários para empresas somavam R$ 1,44 TRILHÃO em fevereiro passado.
Os cinco maiores bancos têm 85% do total de crédito. Caberia a cada um, pois, numa divisão simples, pouco mais de R$ 1 bilhão para emprestar, nessa emergência.
É um crédito com juro tabelado (Selic, 3,75% ao ano), carência de seis meses e parcelamento em 36 meses. Na “vida real”, bancos jamais fariam tal negócio, ainda menos agora, com a perspectiva de calote ou quebra de muitas empresas.
Os bancos vão refugar dado o risco? Evitar empréstimos justamente para as empresas que mais precisam, as de maior risco? Se fizerem tal coisa, o plano vai funcionar mal.
De outro modo, se emprestarem o dinheiro, os bancos vão ter de engolir custos (juros tabelados e calotes) ou repassá-los para outra linha de crédito.
Além do mais, restou uma dúvida séria. A taxa dos empréstimos é a Selic ou a atual taxa Selic (3,75%)? As taxas não serão variáveis, certo?
Enfim, o governo criou essa linha emergencial. Tudo mais constante, seria mais crédito. Mas qual é o tamanho da retranca que os bancos estão armando nas outras linhas?
OS BANCOS PÚBLICOS
Cerca de metade dos empréstimos para empresas jurídicas vem de bancos públicos, além do mais. Em 2018, último dado oficial disponível, eram cerca de 21% concedidos pelo BNDES, 18% pelo Banco do Brasil e 11% pela Caixa, os três maiores estatais. Bradesco e Itaú ficavam com 21,5%, juntos.
A fatia dos bancos públicos no total de empréstimos de qualquer tipo caiu 8% desde então. Numa estimativa grosseira, os três bancos públicos ainda teriam uns 45% dos empréstimos para empresas, pois.
Logo, os bancos privados devem ficar com fatia muito pequena do risco e do pacote, uns R$ 3 bilhões, por aí.
O PACOTE E A RENDA TOTAL
O pacote de crédito, como visto, pode no limite cobrir R$ 20 bilhões por mês de perda de renda do trabalho, por dois meses. O total da renda dos empregados com CLT no setor privado era de uns R$ 75 bilhões por mês (em fevereiro) _o pacote de crédito poderia cobrir, pois, 27% da renda total mensal.
O total dos rendimentos do trabalho no país, segundo contas feitas com os dados do IBGE, é de R$ 215 bilhões. O rendimento dos sem carteira e dos “por contar própria” informais (sem CNPJ) soma uns R$ 43 bilhões por mês. Parte será atendida pelo pacote que tramita no Congresso, de “renda mínima”. Mas não há como saber ainda quantos serão alcançados pela medida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário