- Folha de S. Paulo
Política de Guedes não é contrapeso racional ao radicalismo de Bolsonaro, mas sua própria expressão econômica
Existe uma compreensão difundida de que Paulo Guedes seria uma espécie de contrapeso racional e tecnocrático ao radicalismo irresponsável de Bolsonaro. Mas, se olharmos com atenção, veremos que Guedes não é um contrapeso, nem mesmo um adendo, mas a própria expressão econômica do desatino.
Muitos acreditam que enquanto na política Bolsonaro propagava desinformação sobre o coronavírus, na economia Paulo Guedes desenhava respostas sensatas de política econômica —era o tecnocrata cauteloso e prudente que ia às reuniões de máscara e que contrastava com o governo, que promovia aglomerações e combatia o distanciamento social.
Mas as declarações e o conteúdo das políticas de Guedes parecem o oposto disso. Suas políticas são não só compatíveis como a consequência lógica da retórica despreocupada com a proteção da vida.
Desde o começo da crise, Guedes defende a ideia de que a queda rápida no desempenho econômico será compensada por uma retomada acelerada, em formato de V. "Vamos surpreender o mundo", disse repetidas vezes.
O otimismo com a possibilidade de retomada rápida não é compatível com nenhum dos cenários apontados pelos epidemiologistas que preveem a necessidade de períodos de quarentena intercalados com períodos de relaxamento controlado --pelo menos até encontrarmos um tratamento efetivo ou uma vacina.
O que o otimismo de Guedes antes sugere é a crença de que a crise é uma janela de oportunidade, versão sofisticada da conspiração do "vírus chinês". Ela pressupõe que os riscos e os danos do coronavírus estejam sendo exagerados pelas autoridades médicas e sanitárias e que quem não se deixar levar pelo alarmismo pode se beneficiar das vantagens de retomar a atividade econômica mais cedo.
Esse entendimento é consistente com a profunda insensibilidade social das medidas de proteção ao trabalho e da limitação dos fundos para apoiar os estados e as empresas. A taxa de reposição dos salários que sofrerem redução das jornadas ou suspensão dos contratos --isto é, o quanto o governo repõe do que as empresas cortam-- está muito abaixo da média da OCDE, grupo ao qual o governo Bolsonaro quer se juntar. O auxílio aos informais oferecido por Guedes era de ridículos R$ 200 por família, e só foi ampliado para até R$ 1.200 depois que Maia tomou o problema para si.
Por isso, o atraso no desembolso do auxílio às empresas e aos trabalhadores muitas vezes não parece apenas incompetência, mas uma forma dissimulada de forçar a abertura precoce da economia e atropelar o distanciamento social.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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