- Folha de S. Paulo
Não há reação às campanhas presidenciais de ruína sanitária, econômica e política
Depois de alguns dias mais dedicado ao golpeamento da democracia e à contenção do surto da ideia de impeachment, Jair Bolsonaro voltou a se empenhar no desgoverno da saúde, da epidemia, e na sabotagem de quem tenta administrar a crise mortífera. Fez uma passeata da morte na praça dos Três Poderes, nesta quinta-feira (7).
Não importa que maioria qualificada da população diga apoiar ou praticar o isolamento (cerca de dois terços, pelo menos). Quase dois meses e meio depois do início oficial da epidemia no Brasil, não há mais esperança de acordo ou coordenação nacionais do enfrentamento da crise.
Mesmo nesta síndrome aguda de degradação institucional, mortes sem fim à vista, ruína econômica e ameaça autoritária, não há protesto organizado. A elite econômica que não é cúmplice contemporiza. Parte do Congresso barganha 30 moedas de cargos pelo corpo e pela alma do país.
O "parlamentarismo branco", a alternativa de governo que vigorou por um ano, entre o começo de 2019 e a chegada do vírus, se desfaz na contraofensiva de Bolsonaro contra a limitação dos seus poderes e as ameaças de impeachment. A articulação nacional de governadores a fim de administrar a epidemia ou sugerir medidas econômica vai de precária e nula (no caso da doença) a desordenada, mal pensada ou mesmo oportunista (no caso da economia).
O país se desfaz: há desordem político-administrativa nos assuntos essenciais (doença e economia), impasse político derivado do conflito vago do impeachment e ameaça ou prática de tutela militar. Na pior crise da história republicana, ao menos, não há perspectiva de solução das crises, de desaceleração maior da epidemia e, pois, de reativação ordenada da atividade econômica.
Bolsonaro fez uma minipasseata, do Planalto ao Supremo, e um minicomício na sede do Judiciário nacional. Acompanhado de líderes de associações empresariais, de ministros e com a cumplicidade do presidente do STF, Dias Toffoli, retomou com força a campanha de sabotagem do isolamento social. Como de costume, não apresentou nenhum plano alternativo racional ou vaga ideia razoável de como lidar com a epidemia.
Bolsonaro disse que foi à sede do Supremo para expor as "aflições" dos empresários ao chefe do Poder Judiciário, pois a economia deixou de "funcionar" e, teme, pode se transformar em uma Venezuela. Criticou outra vez os governadores e suas "medidas restritivas", como de costume: "O efeito colateral do combate ao vírus não pode ser mais danoso que a própria doença".
"Manter as pessoas em casa para impedir que o coronavírus se espalhe mesmo que isso prejudique a economia e cause desemprego" era mais importante (para 67%) do que "acabar com o isolamento das pessoas em casa para estimular a economia e impedir o desemprego, mesmo que isso ajude a espalhar o coronavírus" (para 25%), registrava o Datafolha em 27 de abril.
Pesquisa CNI/FSB do início de maio mostrava que 86% dos entrevistados eram a favor do isolamento, ainda que 40% tivessem perdido ou toda a renda do trabalho (23%) ou parte dela (17%).
Pesquisas de adoção de medidas de isolamento (do Seade de SP, de amostra de contaminação por coronavírus ou da CNI) mostram que entre 67% a 80% das pessoas dizem manter o isolamento (total ou saindo só para atividades essenciais).
No entanto, não há revolta popular na mesma proporção contra as atitudes de Bolsonaro; não há reação organizada de nenhuma elite. O país assiste estupidificado à passeata bolsonariana.
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