Apoio a americano no BID quebra tradição, desperta reação de parceiros e aumenta isolamento do Brasil
O governo Bolsonaro avança no projeto de demolição da política tradicional do Itamaraty: não subordinação aos Estados Unidos e equidistância diplomática. Foi decisivo o apoio brasileiro para que, pela primeira vez em 60 anos, um americano assuma a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). É, na gestão Bolsonaro, o ápice da subserviência ao interesse americano.
Nascido na Flórida de pais cubanos, Mauricio Claver-Carone, linha-dura do trumpismo pinçado no mercado financeiro, teve 66,8% de apoio do capital votante da instituição financeira multilateral, numa eleição em que se abstiveram parceiros de peso como Argentina, Chile e México — recado claro de insatisfação com o alinhamento automático do Planalto à Casa Branca e prova de que a atitude do Brasil equivale a renunciar a qualquer liderança relevante no continente.
É como se Bolsonaro repetisse a intenção de Carlos Menem, revelada no final dos anos 1990 ( gestão Bill Clinton), de que a política externa argentina fosse uma “relação carnal” com os Estados Unidos. O presidente brasileiro pode aprender uma lição daquela diplomacia exótica: a economia argentina soçobrou, sem contar com qualquer ajuda especial do amigo do Norte.
A aproximação às cegas de parceiros internacionais, estimulada à base de afinidades pessoais e ideológicas, não costuma dar bons resultados. Bolsonaro, filhos e seu grupo foram evidentemente logrados por Trump no negacionismo da Covid-19, como prova a entrevista concedida em março pelo presidente americano ao jornalista Bob Woodward. Nela, Trump diz que minimizava a doença para não causar pânico. Bolsonaro foi na conversa e ainda terminou catequizado pela lorota da cloroquina. Pelos números oficiais, Estados Unidos e Brasil lideram o ranking de mortes pelo novo coronavírus (cerca de 200 mil e 130 mil).
Entre os efeitos colaterais da subserviência ao ultraconservadorismo trumpista, está a classificação às pressas, pelo Itamaraty, de telegramas enviados a diplomatas na ONU com instruções para trabalharem pela proibição do aborto e contra propostas não discriminatórias de mulheres e meninas. O PSOL pediu o material em 3 de agosto. O Itamaraty teria até 2 de setembro para responder. Quando chegou o prazo, os telegramas foram remetidos, já classificados como “reservados”.
Cada uma dessas ações fere preceitos constitucionais, entendimentos do STF e a tradição da diplomacia brasileira. O governo vai assim executando seu projeto obscurantista e se afastando do mundo moderno, democrático, progressista. Quer Trump vença ou não em novembro, o atrelamento automático aos interesses americanos é uma armadilha para o Brasil.
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