Partidos
apontam tentativa de ação hegemônica
Um
cáustico e experiente observador da política nacional passou a responder,
quando tem sua análise demandada, que no Brasil o fundo do poço vem sendo
revogado quase que diariamente. Deve-se reconhecer que a Constituição e o bom
senso passaram a ser testados à exaustão. Regimentos e tradições são
desprezados com frequência, a depender dos interesses em jogo. Mas, pelo menos
algumas leis universais ainda são rigorosamente observadas em território
nacional, mesmo durante intensas disputas partidárias e diante de tantas
incertezas sobre o Orçamento do ano que vem.
A
lei da oferta e da procura é um exemplo. Para inquietação da equipe econômica,
apoiadores do presidente Jair Bolsonaro insistem em abordá-lo nas ruas pedindo
o tabelamento de preços de insumos essenciais. É a comprovação de que nem só de
liberais foi feita a vitória de 2018.
O
custo dos alimentos não tende a diminuir no curtíssimo prazo e se tornou mais
um fator a preocupar quem ainda não recebeu uma resposta objetiva sobre como
ficarão as ações sociais do governo a partir de janeiro. Mesmo assim, Bolsonaro
segue resistindo às pressões.
Irrevogável,
a lei da gravidade também persevera, embora alguns ministros insistam em
desafiá-la. E há ainda outro princípio fundamental a pautar a dinâmica
política, aquele segundo o qual dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo
lugar no espaço ao mesmo tempo.
Esta
é hoje, aliás, a regra a ditar a relação do DEM com os demais partidos de
centro e centro-direita, o Centrão.
Sempre
houve - e haverá - disputa pela ocupação de postos importantes da rede de
comando da República. Essa distribuição define, na prática, a linha sucessória,
quem terá capacidade de influenciar a pauta de votações do Legislativo, manejar
os recursos orçamentários e manter o protagonismo no diálogo institucional.
Essa divisão de cargos acaba por estabelecer quem terá poder para abrir
processos de impeachment e definir o destino político de parlamentares que
eventualmente tiverem faltado com o decoro.
O
DEM ocupa hoje funções estratégicas na Esplanada dos Ministérios, como as
pastas da Agricultura e da Cidadania, e não demonstra a menor disposição de
ceder postos-chave no Congresso para aliados. Interlocutores reclamam de
acordos não cumpridos, e se queixam da falta de celeridade na condução dos
processos que correm contra a deputada Flordelis (PSD-RJ) e o senador Chico
Rodrigues (DEM-RR).
Isso
porque, além da presidência de ambas as Casas do Congresso, o DEM preside os
conselhos de Ética do Senado e da Câmara. Uma atuação mais assertiva poderia
reduzir o desgaste da já combalida imagem do Legislativo.
O
partido também esteve por trás da ação protocolada, no Supremo Tribunal Federal
(STF), que tenta construir uma heterodoxa interpretação da Constituição para
abrir caminho à reeleição dos atuais presidentes das mesas diretoras, Davi
Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Não
demorou para que as cotoveladas ocorressem na disputa pelo comando da Comissão
Mista de Orçamento. Havia uma articulação que viabilizaria a eleição do
deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) para a presidência da CMO, na expectativa de
que Nascimento e seu partido trabalhassem para que o comando da Câmara fosse
passado para um representante do bloco de legendas que estava abrindo mão da
principal cadeira da CMO.
A
concessão ocorreria em nome da consolidação da aliança. Ou seja, o DEM ficaria
em mais um posto privilegiado do Parlamento. Por outro lado, o pacto seria
capaz de alçar o líder do PP, Arthur Lira (AL), à presidência da Casa sem
maiores turbulências em fevereiro. Isso, se não tivesse o blocão encabeçado
pelo PP identificado movimentos do DEM para não só presidir a Comissão de
Orçamento como também permanecer à frente da Câmara no próximo biênio.
A
desastrada tentativa de Alcolumbre de interferir pessoalmente na instalação da
comissão agravou a situação.
Embora
seja base de sustentação do governo no Congresso, o Centrão fez uma aliança
tática com a oposição e travou a pauta da Câmara. Os líderes do bloco não têm
recebido muita pressão do Palácio do Planalto para que o Congresso vote logo
medidas provisórias ou outros projetos de interesse do Executivo.
Até
agora, o Centrão não está deixando o DEM passar. E dificilmente serão votados
projetos de grande relevância ou impacto econômico-social até 15 de novembro,
primeiro turno das eleições municipais.
Uma
parcela considerável dos 513 deputados também não demonstra disposição de
avançar com os trabalhos em janeiro. E isso não se dá por falta de senso de
urgência em relação à pandemia ou aos efeitos da crise, mas porque há a
percepção de que a prorrogação dos trabalhos beneficia quem tenta permanecer à
frente do Senado ou da Câmara.
Nesse
sentido, apenas um amplo acordo que antecipasse a distribuição dos cargos da
Mesa Diretora da Câmara poderia garantir que o Congresso de fato trabalhasse
durante o tradicional recesso de fim de ano. Isso não está no horizonte neste
momento e dificilmente poderia ser viabilizado, pois exigiria que o acordo
fosse cumprido posteriormente numa votação secreta.
Sem
o Orçamento aprovado, o governo até pode sobreviver no início do ano que vem
com o duodécimo e créditos extraordinários. O que preocupa os articuladores do
Executivo é a falta de perspectivas para a votação da Lei de Diretrizes
Orçamentárias de 2021. Eles não querem enfrentar o risco de desrespeitarem
qualquer regra, como o princípio de anualidade, e por isso farão de tudo para
aprovar a LDO até o fim de dezembro.
Persistem as dúvidas, contudo, se a disputa partidária se dissipará a tempo de permitir outras votações relevantes para o país. Alcolumbre deve tentar instalar novamente a CMO na semana que vem, mesmo que não haja acordo. Por enquanto, aparentemente só uma disputa no voto pode acabar obrigando que o grupo perdedor abra espaço para o outro lado.
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