O
Banco Central decide hoje a taxa de juros em um cenário bem diferente da última
reunião. Não há aposta em novo corte da Selic. A discussão no mercado
financeiro é quando a taxa voltará a subir com a piora do quadro fiscal. A
inflação acelerou. O setor de gás passará por uma onda de reajustes em patamar
de 25% em muitos estados, como Bahia, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Os juros
futuros subiram porque há enorme dúvida sobre o financiamento da dívida
pública.
Hoje
a decisão está dada. A Selic será mantida em 2%. Ano que vem ela aumenta, dizem
os bancos. Há poucos meses, o Banco Central passou a adotar uma comunicação com
detalhamento mais claro sobre os seus próximos passos, o que eles chamam de
forward guidance. O objetivo é evitar surpresas na condução da política
monetária. Mas se for para seguir direito essa estratégia precisa dizer com
todas as letras que as condições de financiamento da dívida pioraram, e as
expectativas de inflação subiram. Terá o BC autonomia para dar um recado duro
ao governo sobre a gravidade do momento? Não basta colocar na agenda do
Congresso o projeto de independência do BC. Autonomia se mostra na prática.
Adianta pouco falar mais uma vez que o cenário é “desafiador”. O FMI diz que o
Brasil é o país emergente com pior desempenho fiscal nesta pandemia.
A
inflação surpreendeu nas últimas semanas. As projeções dos bancos e
consultorias perderam para a realidade. Os IGPs, que medem a inflação no
atacado, estão com variações em dois dígitos. Os preços da soja (83%), do milho
(75%) e do trigo (40,9%) dispararam para os produtores, e isso significa alta
de alimentos importantes da cesta básica, como carnes, pães, massas e óleos de
cozinha. Arroz (122%) e feijão (28%) também subiram muito no atacado. Segundo a
MB Agro, a alta dos alimentos acontece pelo aumento do dólar, dos preços
internacionais das commodities e pela demanda no Brasil turbinada pelo auxílio
emergencial.
Na
taxa em 12 meses, o IPCA acelerou de 1,88%, em maio, para 3,14% em setembro.
Ainda está abaixo da meta. A prévia de outubro foi um espanto: 0,94%. A MB
Associados projeta que a inflação continuará subindo até 5,4% em maio do ano
que vem, segundo o economista Sérgio Vale. Ou seja, mesmo se o governo começar
a enfrentar a crise fiscal, já há uma alta da inflação contratada. Se cometer
erros, o risco é de uma nova disparada do câmbio, com pressão ainda maior sobre
os preços. Ontem, o Bradesco reviu sua projeção para a inflação, com aumento da
Selic pelo Banco Central a 3,5% até o final do ano que vem. O banco alerta, porém,
que nesse cenário não está contando com “qualquer flexibilização do teto,
postergação do estado de calamidade ou eventual extensão do auxílio emergencial
fora do teto de gastos.” Ou seja, esse é o cenário benigno. Se o governo adotar
qualquer saída populista, ou inventar uma contabilidade criativa, haverá uma
mudança total no preço dos ativos.
Segundo
a Abrace, Associação dos Grandes Consumidores de Energia, após as quedas nos
preços do gás durante a pandemia o que se espera agora é uma enxurrada de reajustes
em 18 estados. São Paulo deve ter alta de 8,8%, mas os demais terão aumento nas
tarifas na casa de dois dígitos, chegando a 30% em Minas Gerais e Pernambuco, e
25% no Rio, Bahia e Santa Catarina. Essas altas seriam decorrentes da subida do
dólar, que ontem chegou a R$ 5,68, e da elevação do preço do petróleo no
mercado internacional. A reação ideológica do Itamaraty na eleição de Luis Arce
na Bolívia torna mais difícil uma boa solução na renegociação do gás com o país
vizinho.
A
economia está na seguinte situação: a queda do PIB foi atenuada pelo auxílio
emergencial, mas todo o gasto da pandemia piorou muito a situação fiscal. O
governo não sabe ainda como vai financiar o novo programa social ou a ampliação
do Bolsa Família. Neste momento de juros baixos, em 2%, há uma janela para
fazer o ajuste. Mas o governo não enviou reformas que mudem o quadro de
verdade. O presidente é populista e nunca teve real aderência à agenda de
equilíbrio fiscal. Bolsonaro não mexeu no teto com medo de que isso o leve a um
impeachment. Se seus conselheiros o convencerem do contrário, ele, sim, mexerá
no teto. Aí a casa cai no mercado financeiro.
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