Resultado
pode alterar bastante políticas públicas dos EUA e ter ampla repercussão global
O
resultado das eleições americanas embute diversos riscos para a economia
global, incluindo a do Brasil, por conta de possíveis alterações em várias
políticas do governo americano. Até agora, 65 milhões de americanos - dos cerca
de 150 milhões que tendem a votar até a próxima terça-feira - já anteciparam
suas decisões, seja por cédulas encaminhadas pelo correio seja de forma
presencial nos locais de votação já abertos.
A
maioria das pesquisas eleitorais e dos sites de apostas atribuía, no início da
semana, probabilidade superior a 80% de vitória do ex-vice-presidente Joe
Biden, candidato do Partido Democrata (PD), frente ao presidente Donald Trump,
representante do Partido Republicano (PR). O resultado final das eleições e a
data da sua confirmação são incertos por diversas razões, tais como: intenções
de voto para os candidatos dos dois partidos estão muito próximas em vários
Estados; não obrigatoriedade do voto; complexo sistema eleitoral, no qual o
partido vitorioso em cada um dos 50 Estados indica todos os seus representantes
no colégio eleitoral; e diferentes regras para submissão, recebimento e
contagem da votação pelo correio.
Incerteza
ainda maior está associada às eleições parlamentares. Pesquisas sugerem mais de
70% de probabilidade de o PD ter maioria na Câmara dos Deputados e no Senado.
Todavia, enquanto a manutenção do controle democrata na primeira casa é
altamente provável, a previsão do resultado na segunda é mais difícil. No
início da semana, o site FiveThirtyEight indicava que 80% das suas simulações
para a composição do Senado - com 100 cadeiras - concentravam-se no intervalo
entre 48 e 55 senadores para o PD.
A
dificuldade de projeção deve-se principalmente à incerteza sobre o resultado
nos Estados que não votam quase sempre no mesmo partido para o Senado e que
atualmente mostram intenções de voto próximas para os candidatos dos dois
partidos. Ademais, as evidências sugerem que a intenção de voto nessas regiões
ainda não é muito robusta, pois uma parte expressiva dos eleitores define seus
votos para o Congresso mais próximo da votação.
O
resultado das eleições nos EUA poderá alterar bastante as suas políticas
públicas nos próximos quatro anos e ter ampla repercussão global. A dúvida mais
imediata refere-se à escolha e à magnitude dos estímulos em resposta à pandemia
a serem prorrogados para 2021. O pacote fiscal tende a ser superior a US$ 2
trilhões no caso de vitória de Biden e do PD nas duas casas legislativas e,
provavelmente, muito menor - por volta de US$ 500 bilhões - no caso de
reeleição de Trump e controle do Senado pelo PR.
Um
governo democrata com controle das duas casas adotaria estímulos fiscais por um
período mais prolongado do que em um 2º mandato de Trump. O aumento de impostos
sobre as empresas e famílias com maiores rendimentos seria provável no primeiro
cenário. A alta do imposto sobre lucros tende a ocorrer, porém, apenas a partir
de 2022, para evitar interrupção da normalização da economia. É provável que
essa alta não reverta por completo o corte da alíquota de 35% para 21%
promovido pelo atual governo em 2017.
Os
primeiros anos de um governo Biden elevariam o endividamento público mais do
que em um novo governo Trump. Ao mesmo tempo, o crescimento do PIB nos próximos
anos seria maior do que na continuação da atual gestão, por conta dos maiores
gastos fiscais e dos estímulos para os investimentos.
A
vitória do PD nas eleições presidenciais criaria um ambiente mais favorável
para expansão das demais economias no curto prazo, ao gerar expectativas de
menores restrições à globalização e ao comércio exterior. O maior crescimento
global seria compatível com a valorização adicional dos ativos de risco dos
países emergentes e a apreciação de suas moedas.
O
cenário de Biden na presidência e Senado com maioria do PR, por outro lado,
seria condizente com menores transferências de recursos, em particular para
Estados e municípios, bem como com uma grande dificuldade para a aprovação da
alta de tributos para financiar maiores gastos.
Assumindo
que haja apoio do Congresso, um 2º mandato de Trump cortaria mais as alíquotas
dos impostos sobre as empresas, estimulando a economia e o mercado de capitais,
mas colocando a solvência da dívida pública sob maior risco. Os próximos quatro
anos seriam marcados por uma maior aversão à globalização e às políticas
ambientalistas, bem como pelo acirramento das disputas geopolíticas e
comerciais, o que prejudicaria a expansão do comércio exterior e o crescimento
dos demais países.
O
resultado eleitoral nos EUA pode agregar riscos negativos para o Brasil. Uma
vitória de Biden enfatizará a agenda ambientalista, reforçando as críticas
externas à política brasileira de conservação do meio ambiente, em particular
da Amazônia. Isso pode atrair maiores restrições comerciais aos produtos
domésticos e induzir uma menor inserção do país nas discussões globais.
Em
linha com a situação global, uma eventual 2ª onda da pandemia, a aprovação
pelos órgãos sanitários locais das vacinas contra a covid-19 e a definição do
cronograma de vacinação serão determinantes para a dinâmica da atividade no
Brasil nos próximos trimestres. Não há como projetar uma contínua recuperação
econômica sem uma evolução favorável nessas três frentes. Sem isso, a definição
das políticas do governo americano terá um efeito, quando muito, parcial e
provisório no Brasil.
O
ambiente doméstico pode se tornar ainda mais instável após as eleições
municipais, quando recomeçará a discussão sobre a instauração do Renda Cidadã
já em 2021, bem como sobre a sua dimensão e fontes de financiamento. No momento,
é difícil imaginar um quadro benigno para a economia brasileira a partir de
dezembro se a questão fiscal não for equacionada.
Em
suma, as dúvidas sobre o desempenho da economia global diminuirão com o
resultado eleitoral nos EUA. Mesmo assim, há muito a ser definido até se ter
maior convicção sobre a normalização da atividade global e, mais
particularmente, da brasileira.
*Nilson
Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia
pela Universidade da Pensilvânia.
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