Por
André Guilherme Vieira, Camila Souza Ramos e Juliana Schincariol — Valor Econômico
São
Paulo e do Rio - Começou ontem, com grande atraso em relação a dezenas de
países e em meio à aceleração do contágio, a vacinação no Brasil contra o novo
coronavírus. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira pessoa a
ser imunizada pela coronavac, vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac e
comprada pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo. Além de Calazans,
cerca de cem pessoas, entre profissionais da área de saúde e indígenas, foram
vacinadas no domingo, segundo informaram autoridades paulistas.
O
início da vacinação só foi possível porque, ontem, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da coronavac,
atendendo ao pedido do Instituto Butantan, e da Oxford-AstraZeneca, a ser
comprada pela Fiocruz, fundação vinculada ao governo federal. Ao aprovar o uso
das duas vacinas, a Anvisa o fez por critérios técnicos, contrariando receios
de que retardaria a autorização devido à postura anti-vacina do presidente Jair
Bolsonaro. Agora, a Anvisa vai analisar as outras quatro milhões de doses
produzidas pelo Butantan.
“Hoje é o dia da vacina, da verdade, da vida”, disse o governador João Doria em entrevista, fazendo alusão ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que afirmara na semana passada que a vacinação começaria “na hora H e no dia D”. “Hoje é um dia muito especial para todos que estão sofrendo nos centros de saúde, em suas casas e para aqueles que estão em suas casas se protegendo e ajudando a proteger suas famílias”, acrescentou Doria, que assistiu virtualmente à reunião da Anvisa, acompanhado de cientistas.
Marcada
por renhida disputa política entre Doria e Bolsonaro, o processo nacional de
vacinação começará oficialmente na quarta-feira, segundo assegurou ontem o
ministro Pazuello. A aplicação da primeira vacina representa uma vitória de
Doria, uma vez que o governo federal, inicialmente, rejeitou a coronavac,
depois aceitou comprar toda a produção do Instituto Butantan, e, numa tentativa
de iniciar a vacinação antes de São Paulo, encomendou duas milhões de doses da
vacina criada pela inglesa AstraZeneca em parceria com a Universidade de
Oxford, mas o pedido foi rejeitado pela Índia, onde o imunizante está sendo
produzido.
Só
restou ao governo Bolsonaro recorrer à coronavac. Diante disso, Doria, amparado
legalmente por parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), decidiu iniciar a
vacinação em São Paulo, respeitando os critérios de distribuição da vacina para
todos os Estados. Contrariando, portanto, o governo federal, que requereu por
meio de ofício, na sexta-feira, o envio a Brasília de toda a vacina importada,
o governo estadual reteve sua cota - 1.357.640 de doses.
O
diretor-presidente do Butantan, Dimas Covas, informou que o restante das doses
- 4.636.936 - está sendo transferida ao centro de logística do Ministério da
Saúde em Guarulhos (SP). “Uma [vacina] está aqui, a outra está na Índia. Não
fossem barreiras e indefinição de financiamento, teríamos iniciado a vacinação
em dezembro. Nenhuma multinacional fez o que nós fizemos, nenhuma apresentou
estudos clínicos como apresentamos”, disse Covas ontem.
O
ministro da Saúde fez duras críticas ao governador João Doria. “Senhores
governadores, não permitam movimentos político-eleitoreiros se aproveitando da
vacinação”, disse. “Numa jogada de marketing, poderíamos iniciar a primeira
dose em uma pessoa. Em respeito a governadores, prefeitos e brasileiros, o
governo federal não fará isso. Quebrar essa pactuação é desprezar a igualdade
entre os Estados e todos os brasileiros, construída ao longo de nossa história
com o Programa Nacional de Vacinação.”
Questionado
sobre a cerimônia de vacinação em São Paulo, Pazuello afirmou que todas as
vacinas produzidas pelo Instituto Butantan foram contratadas pela União. O
ministro ainda colocou em dúvida se a vacina aplicada no domingo teria sido
entregue sem licitação.
Os
Estados, informou Pazuello, serão responsáveis pela distribuição e os
municípios, pela execução, em movimento “pactuado” com o governo federal.
Pazuello afirmou que a medida provisória (MP) que instituiu o plano de imunização
contra a covid-19 determina que a vacinação seja coordenada pelo Ministério da
Saúde e que o plano do governo federal já teria sido lançado.
“O
Ministério da Saúde vem trabalhando junto com o Butantan no desenvolvimento da
vacina desde o início. Você sabia que tudo o que foi comprado pelo Butantan foi
com recursos do SUS? Não foi com um centavo de São Paulo.” O governo de São
Paulo começou a negociar a compra da vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac
em abril do ano passado, pouco depois da confirmação da pandemia pela
Organização Mundial de Saúde (OMS). Apenas em outubro o Ministério da Saúde
decidiu negociar com São Paulo a compra da vacina a ser importada da China.
Ocorre que, no dia seguinte ao acerto de um memorando de entendimento com o
governo paulista, Pazuello foi desautorizado publicamente por Bolsonaro, e
ainda declarou, encerrando assunto: “Um [Bolsonaro] manda, outro obedece”.
O
ministro da Saúde disse que o governo federal pode acionar judicialmente o
Butantan, caso todas as vacinas, inclusive a cota de São Paulo, não sejam
repassadas ao ministério. O secretário especial de São Paulo em Brasília,
Antonio Imbassahy, disse ter recebido ontem, no início da reunião da Anvisa,
telefonema de Arnaldo Medeiros, secretário de Vigilância da Saúde.
“Acertamos
que, se fosse possível, as vacinas de São Paulo ficariam aqui. Não tinha
sentido fazer retrabalho”, disse Imbassahy.
Segundo
ele, logo após Anvisa liberar as vacinas, as doses foram colocadas à disposição
do governo federal. “O quantitativo para São Paulo é o do Plano Nacional de
Imunizações”, afirmou ele na coletiva de imprensa após o início da vacinação.
Em seguida, o governador de São Paulo, João Doria, disse não ser necessário levar vacinas que serão destinadas a São Paulo para o Ministério da Saúde. “Era só o que faltava, criar burocracia para os brasileiros de São Paulo”, criticou.
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