Um
suicida político em ação
Sequer
foram cicatrizadas ainda as feridas abertas por sua tentativa de intervir nas
Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir outras – desta vez
com o Supremo Tribunal Federal. Deve haver alguma lógica em ações que só fazem
enfraquecê-lo. Se não há, é porque ele é mesmo estúpido.
O
ministro Luís Roberto Barroso, em resposta à provocação feita por dois
senadores, decidiu que o Senado deve instalar a CPI da Covid, instrumento
previsto na Constituição que garante voz à minoria parlamentar. O pedido de CPI
respeitou todos os requisitos previstos. E o Supremo assim agiu em outras
ocasiões.
Uma
delas foi em 2007 quando obrigou a Câmara a instalar a CPI do Apagão Aéreo.
Lula era então presidente da República, e Bolsonaro deputado federal. O governo
tudo fez para que não houvesse CPI, e Bolsonaro tudo fez para que houvesse. À
época, em entrevista, ele disse:
–
Por que o governo teme a CPI? Eu não tenho dúvida do superfaturamento de obras
em aeroportos. Se quiser me acusar de leviano, eu respondo: ‘Abra a CPI que eu
provo lá’.
Bolsonaro
não viu interferência descabida do Supremo em outro poder por causa disso.
Agora, que o presidente da República é ele, vê, como proclamou ontem:
– Não há dúvida de que há interferência do Supremo em todos os Poderes. No Senado tem pedido de impeachment de ministros do Supremo. Não estou entrando nessa briga. Será que a decisão tem que ser a mesma para o Senado botar em pauta o pedido de impeachment de ministro do Supremo?
O
que uma coisa tem a ver com a outra? Nada. Cabe ao Senado, não ao Supremo, pôr
em pauta pedido de impeachment de ministros de tribunais superiores. Impossível
que Bolsonaro não saiba. Se não sabe, seus assessores jurídicos poderiam
esclarecê-lo. Mas não, o que ele quer é criar confusão.
Escolheu
Barroso como alvo, assim como na semana passada seu alvo foi o general Edson
Leal Pujol, comandante do Exército, que se recusou a deixar que a política
entrasse nos quartéis. Para livrar-se dele, Bolsonaro demitiu o ministro da
Defesa. Pujol e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica acabaram saindo.
“Falta-lhe [a Barroso] coragem moral e
sobra-lhe imprópria militância política” – bateu Bolsonaro abaixo da linha da
cintura. E o que conseguiu? Que os demais ministros do Supremo se unissem em
torno da decisão tomada por Barroso, assim como partidos políticos,
governadores de Estado e juristas em geral.
Conseguiu
que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que engavetou o pedido da
CPI da Covid, se apressasse em declarar que respeitará a decisão de Barroso,
como se tivesse outra opção. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Pacheco
prometeu que não mexerá “um milímetro” para barrar a atuação da CPI.
“Uma
vez instalada, todas as condições lhe serão dadas para que funcione bem e
chegue a conclusões”, afirmou. “É importante que ela cumpra sua finalidade na
apuração de responsabilidades”. E foi além ao dizer que Bolsonaro não contribui
para o combate à epidemia com seu discurso negacionista:
–
Para bom entendedor, um pingo é letra. Quando ele [Bolsonaro] prega qualquer
tipo de negacionismo, eu vou criticar o negacionismo e consequentemente estou
criticando a fala dele.
Era
Pacheco que dizia que, a seu juízo, “e por conveniência”, não era hora de abrir
a CPI. Quem o diz agora é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e aliado de
Bolsonaro tanto quanto Pacheco é. Lira trocou “conveniência” por
“ocasionalidade” e repetiu o Pacheco de antes da decisão de Barroso:
–
A CPI não nasce à toa. Tem de ter um fato determinado e tem de ter as
assinaturas. E ela tem de ter a ocasionalidade. Eu comungo da ideia de que esse
não é momento de se encontrar culpados, de se apontar o dedo para ninguém.
O
momento seria do quê? Segundo Lira, “de se correr atrás de vacina, esteja ela
onde estiver, e apontar seringa e agulha no braço dos brasileiros. Esse é o
momento. Daqui a dois, três meses, esses culpados estarão morando em outro
lugar, estarão apagadas as provas, estarão escondidas as evidências? Não”.
Conversa mole para enganar os trouxas. Ao governo, cabe correr atrás de seringas, agulhas e vacinas para imunizar milhões de brasileiros vítimas da pandemia. Isso não impede que o Senado, desde agora, investigue os escandalosos erros cometidos até aqui e que transformaram o Brasil numa ameaça aos outros países.
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