Reportagem
desta semana do Estadão, “Receita
diz que só rico lê, e livro pode perder isenção com unificação tributária”,
viralizou e levou a uma série de relatos emocionantes nas redes sociais de
brasileiros que nasceram em famílias de renda mais baixa e que se viraram para
ter acesso à leitura. A discussão sobre o fim da imunidade para livros foi
inserida no contexto do projeto de reforma tributária do
governo, mas no Brasil de hoje esse é um assunto
muito mais político do que de natureza tributária.
Um
país que tem o orçamento público capturado por demandas políticas de cunho
eleitoreiro. Com governo e parlamentares que não tiveram coragem de fazer
cortes importantes nas renúncias tributárias de setores com grande influência
em Brasília.
A
incoerência fica ainda mais escancarada por um presidente da República que
adotou corte de tributos para incentivar a compra de armas e videogames, além
de ampliar incentivo para as multinacionais de refrigerantes na Zona Franca de
Manaus. Medidas que drenaram a arrecadação em plena
pandemia.
A
polêmica surgiu porque a Receita, para justificar o projeto que cria a Contribuição Social
sobre Bens e Serviços, a CBS, disse que a isenção aos
livros pode acabar com a justificativa de que a maior parte é consumida pelas
famílias com renda superior a dez salários mínimos. O certo teria sido o
projeto retirar o incentivo ao livro e destinar o aumento da arrecadação para
uma política de incentivo aos mais pobres.
A pergunta que muitos se fizeram depois de ler a reportagem foi: por que os livros?
A
resposta é complexa e com vários pontos de vista. De um lado, aqueles que
defendem o fim da isenção com o argumento de que os mais pobres bancam o
consumo dos mais ricos. De outro, os que acham que a medida vai dificultar
ainda mais o acesso aos livros pelos mais pobres.
Com
a controvérsia instalada, a pesquisadora portuguesa Rita de La Feria, que já
fez a reforma em São Tomé e Príncipe, Índia e vários outros países,
entrou em campo nas redes sociais em defesa do projeto do governo. “Uma
manchete alternativa (e verdadeira) seria: com a reforma tributária, os mais
pobres vão deixar de subsidiar o consumo dos mais ricos. Fica a sugestão.”
Rita
ainda disparou outro conselho: “Muitos de nós (eu inclusive) têm uma relação
emotiva com livros. Mas o sistema tributário não deve refletir emoções, apenas
dados.”
Patrocinador
da PEC 45 de reforma tributária, o deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara,
alertou que a defesa da isenção aos livros era uma narrativa bonita, mas
distorcida num falso dilema de um país em que os pobres financiam os ricos num
Estado que não existe para reduzir as desigualdades.
No
modelo tributário ideal, esses argumentos são todos muito válidos. O subsídio
financeiro, via orçamento, destinado às políticas públicas, sem dúvida, é bem
mais eficiente do que o tributário, que banca os ricos - assim como os livros
acontece com os produtos da cesta básica. Que, aliás, o projeto da CBS não ataca.
No
Brasil de hoje, porém, essa verdade não é tão certa. O setor privado captura
dinheiro público por meio de incentivos muito mais robustos do que a isenção
dada aos livros. E com impacto muito maior na arrecadação. Um exemplo desse
método foram as tentativas frustradas de mudar a tributação de fundos
exclusivos de investimentos dos super-ricos. Não tem jeito disso avançar no
Congresso. Medida que garantiria hoje muito mais do que os R$ 10 bilhões
calculados na última vez que se tentou emplacar a mudança, em 2018.
O
enredo é sempre o mesmo. Acaba-se com o incentivo ao livro, mas ficam tantos
outros. Defendidos ferozmente por lideranças políticas que não vão deixar que
esse modelo tributário tão perfeito na teoria se aplique por aqui na prática.
Na hora da votação, sempre tem uma listinha bem grande de exceções.
A
briga feroz pelas emendas parlamentares, que divide o governo e se estende há
duas semanas, é a maior prova disso. Não houve até agora nenhuma única ação
para cortar incentivos ou aumentar tributos dos mais ricos para elevar a
arrecadação e diminuir o endividamento público.
É por essas e outras razões que a reforma tributária faz água. Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção.
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