Temos
um grave problema de dados relativos a cor e Covid-19. Os dados disponíveis não
são confiáveis e, por isso, não sabemos se a doença está matando mais negros,
como acontece nos Estados Unidos. Sem essa informação, não temos subsídios para
corrigir injustiças na fila da vacinação.
Nos
Estados Unidos, que têm dados mais confiáveis, o risco de morte por Covid é 2,4
vezes maior para indígenas, 2,3 vezes maior para latinos e 1,9 vez maior para
negros do que para brancos. O Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos
Estados Unidos atribui essa diferença a disparidades socioeconômicas, menor
acesso ao sistema de saúde e ocupações com maior exposição ao vírus.
Seria
de esperar, portanto, que o Brasil, com disparidades raciais tão grandes, senão
maiores que as americanas, tivesse o mesmo problema.
Quando consultamos o banco de dados do SUS, porém, não é o que encontramos. Segundo o SIVEP-Gripe, o risco de morte por Covid-19 entre negros é praticamente a metade do que entre os brancos, mesmo com os negros tendo piores condições sanitárias, piores condições econômicas e com ocupações mais expostas à contaminação. Não faz sentido.
Poderíamos
buscar explicações para isso no fato de os brancos terem maior expectativa de
vida e, portanto, terem proporcionalmente mais idosos. Mesmo controlando essa
variável, os negros seguem com menos risco de morrer por Covid-19 nos dados do
SUS. A explicação parece ser a má qualidade dos dados.
Nos
dados sobre vacinação, o problema é tão ou mais grave. Entre as pessoas que se
vacinaram no grupo de prioridade de populações indígenas, apenas 69% foram
marcadas como indígenas, como mostrou a Open Knowledge Foundation; na Bahia, 35% de todos os vacinados
foram marcados como “amarelos”.
Artigo de
Jaciane Milanezi na revista “Dados” apontou os problemas da
coleta de dados sobre cor no SUS, em que os profissionais muitas vezes fazem
heteroclassificação — indicam a cor sem perguntar a autoclassificação do
paciente —ou negociam a classificação de cor que julgam mais adequada.
Estudos
que usaram bases de dados que não as do SUS encontraram outra realidade.
O
Afro-Cebrap fez um estudo sobre o impacto da Covid-19 nas mortes de negros e
brancos analisando o excesso de mortalidade por causas naturais (o aumento da
taxa de óbitos em relação ao ano anterior). O excesso de mortalidade para
negros e pardos no Brasil em 2020 foi de 27,8%, enquanto o excesso de
mortalidade para brancos foi de 17,6%.
O
jornalista Marcelo Soares usou os dados do Caged, do Ministério da
Economia, e encontrou uma concentração do excesso de mortalidade em profissões
essenciais de baixa remuneração, como motoristas de caminhão, faxineiros,
vendedores do comércio varejista e porteiros de edifícios.
Precisamos consertar os dados sobre raça nos bancos de dados do SUS. Como não sabemos se a Covid-19 mata mais pessoas negras, não tomamos as providências cabíveis, como redesenhar a fila da vacinação para priorizar essa população. É o que as autoridades médicas internacionais recomendam.
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