segunda-feira, 10 de maio de 2021

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Muito barulho por nada

- Valor Econômico

Abordagem realista sobre teto de gastos, alta de juros e superávit comercial de US$ 70 bi invertem rota do dólar

No Brasil, acompanhar as cotações do real em relação ao dólar é um instrumento muito eficiente para medir as pulsações do ambiente político e dos mercados financeiros. Há mais de um ano, quando uma segunda onda da pandemia nos atingiu, os operadores financeiros avaliaram que estávamos despreparados para enfrentar as turbulências que viriam à frente.

A razão principal desta leitura é que o governo Bolsonaro não teria as condições necessárias para enfrentar os desafios econômicos e sociais que se seguiriam. Acertaram e realmente entramos em um longo período de instabilidade política.

A partir deste cenário quase unânime, o real brasileiro virou a Geni das moedas emergentes, chamando especuladores do mundo todo para participar de uma festa na B3. Muito contribuiu para esta situação um erro na gestão da política de juros por parte do BC, como descrevi em coluna recente para o Valor. Juros muito baixos, para um mercado habituado a taxas reais elevadas como um freio financeiro à ação do especulador, criaram uma tempestade perfeita para nossa moeda.

Depois de um período de calma no início de 2021, a insegurança em relação ao chamado “Teto dos Gastos Primários” em 2021 trouxe um novo fôlego aos especuladores. Entre os dias 26 de fevereiro e 14 de março o real perdeu mais de 8% de seu valor em relação ao dólar, com o mercado especulando com um dólar valendo mais de R$ 6 em futuro muito próximo.

Com os preços internacionais das commodities, principalmente alimentos, em alta vigorosa a resultante deste novo enfraquecimento do real foi o aumento das expectativas com a inflação futura, com repercussão para a renda da camada mais pobre da população. Um cenário de crise política quase perfeito para o governo já pressionado pela queda consistente de sua popularidade e com a oposição de esquerda pedindo seu sangue via o processo de impeachment.

Mas, para surpresa de muitos, esta situação quase explosiva durou poucos dias, com a calma voltando progressivamente aos mercados financeiros e fazendo com que no início de maio a cotação do real tivesse voltado ao nível de R$ 5,20, recuperando totalmente o valor perdido. Tenho chamado este período de “Muito barulho por nada” tomando emprestado o título de uma peça de Shakespeare que, para mim, retrata de forma hilária o que vivemos nos mercados financeiros no Brasil naqueles dias conturbados.

Para entender o que aconteceu neste período é necessária uma narrativa que aborde conjuntamente três fatos econômicos que ocorreram: uma leitura correta da questão do “teto de gastos” em 2020, a mudança na política de juros do Copom e o fortalecimento de nossas contas externas em função do superciclo de commodities que vivemos desde o ano passado. Vamos à narrativa que me parece a correta.

Depois de um verdadeiro bombardeio midiático sobre os riscos e consequências que a ruptura do teto de gastos primários do governo teria sobre as expectativas, a visão mais realista acabou prevalecendo. O primeiro analista que trouxe uma abordagem mais sensata sobre esta questão foi Fernando Montero, da Tullet Corretora. Usando uma serie de gráficos, mostrou que, por efeitos meramente estatísticos da inflação em 2020 sobre o cálculo do “teto de gastos”, era impossível evitar sua ultrapassagem com o país funcionando normalmente.

Mostrou ainda que - seguindo o mesmo protocolo de cálculo do teto de gastos - o valor para 2021 voltaria ao número de 2019, mostrando que não existia o descontrole fiscal alardeado pelos especuladores. Ao final desta coluna mostro os números de Fernando Montero, inclusive incorporando o teto previsto na Loas para 2022.

Embora tenha sido o pânico criado por esta armadilha estatística a causa primária da expectativa do US$ acima da marca dos R$ 6, dois outros fatores funcionaram como Lexotan para analistas e investidores. O primeiro foi a mudança do Banco Central em relação ao comportamento futuro da inflação e o abandono do chamado “forward guidance” em suas comunicações com o mercado.

Feita esta correção, estava aberta a avenida de aumentos sequenciais dos juros Selic e a volta de uma penalidade financeira para o especulador. O segundo fator que acalmou o mercado foi a percepção de que teremos neste ano um recorde histórico de mais de US$ 70 bilhões em nossa balança comercial. O fluxo de câmbio revelado pelo BC para abril já mostrou a força deste número no mercado doméstico de câmbio.

E nosso real pode então entrar em fase de correção, movimento que continua a ocorrer quando escrevo esta minha coluna.

A inflação média projetada este ano mostra uma queda real no teto de 2021 de R$ 59,3 bilhões. Pela primeira vez, a correção nominal do teto é inferior ao ajuste monetário dos valores dos benefícios previdenciários, Loas e FAT (R$ 10,9 bilhões menor). No ano próximo devolve esta diferença pois o teto será corrigido por um IPCA de 7,66% (Focus) entre jul.20 e jun.21, enquanto o INPC do ano calendário 2021 somaria 5,04%.

O teto expandirá R$ 113,8 bilhões, acima da correção de R$ 38,7 bilhões nas despesas indexadas, deixando sobra de R$ 75,1 bilhões embora esta folga não apareça no PLDO de 2022, que assume um IPCA defasado de 7,14%).

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações

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