Abordagem
realista sobre teto de gastos, alta de juros e superávit comercial de US$ 70 bi
invertem rota do dólar
No
Brasil, acompanhar as cotações do real em relação ao dólar é um instrumento
muito eficiente para medir as pulsações do ambiente político e dos mercados
financeiros. Há mais de um ano, quando uma segunda onda da pandemia nos
atingiu, os operadores financeiros avaliaram que estávamos despreparados para
enfrentar as turbulências que viriam à frente.
A
razão principal desta leitura é que o governo Bolsonaro não teria as condições
necessárias para enfrentar os desafios econômicos e sociais que se seguiriam.
Acertaram e realmente entramos em um longo período de instabilidade política.
A
partir deste cenário quase unânime, o real brasileiro virou a Geni das moedas
emergentes, chamando especuladores do mundo todo para participar de uma festa
na B3. Muito contribuiu para esta situação um erro na gestão da política de
juros por parte do BC, como descrevi em coluna recente para o Valor. Juros
muito baixos, para um mercado habituado a taxas reais elevadas como um freio
financeiro à ação do especulador, criaram uma tempestade perfeita para nossa
moeda.
Depois de um período de calma no início de 2021, a insegurança em relação ao chamado “Teto dos Gastos Primários” em 2021 trouxe um novo fôlego aos especuladores. Entre os dias 26 de fevereiro e 14 de março o real perdeu mais de 8% de seu valor em relação ao dólar, com o mercado especulando com um dólar valendo mais de R$ 6 em futuro muito próximo.
Com
os preços internacionais das commodities, principalmente alimentos, em alta
vigorosa a resultante deste novo enfraquecimento do real foi o aumento das
expectativas com a inflação futura, com repercussão para a renda da camada mais
pobre da população. Um cenário de crise política quase perfeito para o governo
já pressionado pela queda consistente de sua popularidade e com a oposição de
esquerda pedindo seu sangue via o processo de impeachment.
Mas,
para surpresa de muitos, esta situação quase explosiva durou poucos dias, com a
calma voltando progressivamente aos mercados financeiros e fazendo com que no
início de maio a cotação do real tivesse voltado ao nível de R$ 5,20,
recuperando totalmente o valor perdido. Tenho chamado este período de “Muito
barulho por nada” tomando emprestado o título de uma peça de Shakespeare que,
para mim, retrata de forma hilária o que vivemos nos mercados financeiros no
Brasil naqueles dias conturbados.
Para
entender o que aconteceu neste período é necessária uma narrativa que aborde
conjuntamente três fatos econômicos que ocorreram: uma leitura correta da
questão do “teto de gastos” em 2020, a mudança na política de juros do Copom e
o fortalecimento de nossas contas externas em função do superciclo de
commodities que vivemos desde o ano passado. Vamos à narrativa que me parece a
correta.
Depois
de um verdadeiro bombardeio midiático sobre os riscos e consequências que a
ruptura do teto de gastos primários do governo teria sobre as expectativas, a
visão mais realista acabou prevalecendo. O primeiro analista que trouxe uma
abordagem mais sensata sobre esta questão foi Fernando Montero, da Tullet
Corretora. Usando uma serie de gráficos, mostrou que, por efeitos meramente
estatísticos da inflação em 2020 sobre o cálculo do “teto de gastos”, era
impossível evitar sua ultrapassagem com o país funcionando normalmente.
Mostrou
ainda que - seguindo o mesmo protocolo de cálculo do teto de gastos - o valor
para 2021 voltaria ao número de 2019, mostrando que não existia o descontrole
fiscal alardeado pelos especuladores. Ao final desta coluna mostro os números
de Fernando Montero, inclusive incorporando o teto previsto na Loas para 2022.
Embora
tenha sido o pânico criado por esta armadilha estatística a causa primária da
expectativa do US$ acima da marca dos R$ 6, dois outros fatores funcionaram
como Lexotan para analistas e investidores. O primeiro foi a mudança do Banco
Central em relação ao comportamento futuro da inflação e o abandono do chamado
“forward guidance” em suas comunicações com o mercado.
Feita
esta correção, estava aberta a avenida de aumentos sequenciais dos juros Selic
e a volta de uma penalidade financeira para o especulador. O segundo fator que
acalmou o mercado foi a percepção de que teremos neste ano um recorde histórico
de mais de US$ 70 bilhões em nossa balança comercial. O fluxo de câmbio
revelado pelo BC para abril já mostrou a força deste número no mercado
doméstico de câmbio.
E
nosso real pode então entrar em fase de correção, movimento que continua a
ocorrer quando escrevo esta minha coluna.
A
inflação média projetada este ano mostra uma queda real no teto de 2021 de R$
59,3 bilhões. Pela primeira vez, a correção nominal do teto é inferior ao ajuste
monetário dos valores dos benefícios previdenciários, Loas e FAT (R$ 10,9
bilhões menor). No ano próximo devolve esta diferença pois o teto será
corrigido por um IPCA de 7,66% (Focus) entre jul.20 e jun.21, enquanto o INPC
do ano calendário 2021 somaria 5,04%.
O
teto expandirá R$ 113,8 bilhões, acima da correção de R$ 38,7 bilhões nas
despesas indexadas, deixando sobra de R$ 75,1 bilhões embora esta folga não
apareça no PLDO de 2022, que assume um IPCA defasado de 7,14%).
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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