Falta
de remuneração, estudo e dignidade levou negros à condição de inferioridade
pós-Abolição
Certas
obras de ficção são capazes de auxiliar na compreensão da realidade. O premiado
romance "Torto
Arado", de Itamar Vieira Junior, é assim. Ajuda a entender nosso país,
as bases em que foi fundado e como chegamos ao atual nível de injustiça social.
A narrativa ambientada no passado, no sertão baiano, traz à tona algumas das
causas que resultaram nas absurdas disparidades que marcam o presente da nação,
133 anos após a abolição formal da escravatura.
O cenário de preconceito e discriminação com negros e indígenas; a precariedade das moradias; o trabalho análogo à escravidão; a comida minguada; o analfabetismo; o difícil acesso dos pobres à saúde; a ausência de saneamento básico; o alto índice de mortalidade de crianças pretas. Tudo é de uma atualidade desconcertante.
É
oportuno lembrar o déficit habitacional, o enorme contingente de pessoas em
situação de rua, o retorno da fome como parte da rotina de milhares de
brasileiros e o agravamento da discrepância entre a qualidade do ensino público
e a do particular. São chagas abertas no Brasil Colônia e ainda não
cicatrizadas, algo similar a escaras que se formam em corpos enfermos e inertes
por muito tempo. Se quiser curar suas feridas, o país terá de se mexer.
"Quando
deram a liberdade aos negros, nosso abandono continuou (....). A mesma
escravidão de antes fantasiada de liberdade", diz um trecho do livro de
Itamar.
Sem
direito a remuneração, estudo ou propriedade. Sem direito à dignidade. Eis a
origem da situação que relegou os negros no Brasil a uma condição de
inferioridade socioeconômica no pós-Abolição. Apesar das evidências, há quem
negue as desigualdades ou individualize uma responsabilidade que precisa ser
compartilhada com a sociedade.
"A luta era desigual, e o preço foi carregar a derrota dos sonhos, muitas vezes", consta em outro trecho. Apesar da desigualdade e da injustiça, havia e há resiliência. Porque não dá para desistir dos sonhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário