quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Cora Rónai - Lições da CPI

O Globo

Bem ou mal, o Afeganistão está conectado à internet, e controlar o fluxo de informações é mais difícil. Isso significa que resistir é possível

O presidente Joe Biden, seus assessores e o mundo em geral ficaram perplexos no domingo, quando o Talibã entrou em Cabul sem pedir licença. Vinte anos de presença americana, 6,5 mil vidas aliadas, mais cerca de 66 mil militares e policiais locais mortos, para não falar nos 110 mil civis feridos ou assassinados — e tudo voltou ao que era em uma semana. Dois trilhões de dólares evaporaram como uma poça d’água numa tempestade de areia.

(A revista Forbes fez as contas: US$ 300 milhões por dia, todos os dias, durante 20 anos.)

Mais de 250 mil afegãos já tiveram que abandonar as suas casas. Assistimos a cenas de caos indescritível no aeroporto de Cabul, como um remake macabro da retirada de Saigon.

O presidente Joe Biden, seus assessores e o mundo em geral seriam poupados da perplexidade se acompanhassem a CPI da Covid, que dia a dia nos mostra como funcionam os intestinos podres de um governo com a carta branca de uma emergência em mãos: desinformação geral, coronéis pedindo propina a atravessadores, generais especialistas em logística despachando insumos para cidades erradas, burrice e má-fé disfarçadas com pose e arrogância.

Ah, mas são outras circunstâncias, o Brasil é o Brasil.

Sim, são. E é. Mas os Estados Unidos não são muito diferentes, apenas têm mais dinheiro e tanques que não soltam fumaça. É uma ilusão achar que os burocratas ou comandos militares das grandes potências são mais inteligentes ou mais honestos do que os similares nacionais, ainda por cima quando estão a 12 mil quilômetros de casa.

O presidente Joe Biden fez bem em ordenar a retirada das suas tropas de um país onde, para começo de conversa, elas nem tinham que estar; mas errou calamitosamente ao não levar a sério os avisos seguidos feitos pela sociedade civil e acreditar nas informações das forças de ocupação.

O que aconteceu no Afeganistão foi um fracasso sem precedentes, uma vergonha planetária para esse negócio chamado “Forças Armadas”.

O cenário em Cabul é apenas o resultado mais atual e assombroso do trabalho de um monte de pazuellos que falam inglês.

Nas suas primeiras entrevistas, os líderes do Talibã afirmam que o movimento mudou. É muita ingenuidade acreditar nos líderes do Talibã. Mas, independentemente de qualquer coisa, o fato é que algumas coisas mudaram de 20 anos para cá no Afeganistão, a primeira delas sendo a chegada da internet em 2002.

A rede ainda precisa crescer muito no país, mas já está presente nas suas 34 províncias e é usada sobretudo nos grandes centros urbanos. No começo deste ano, o Facebook tinha quase 4,5 milhões de usuários; há muitos mais no Twitter e, sobretudo, numa rede social local que funciona através de SMS. Quase 70% dos habitantes têm celular.

O Talibã pode censurar plataformas e suspender serviços, mas não pode derrubar a internet porque precisa dela também — assim como os bancos e as agências governamentais.

Bem ou mal, o Afeganistão está conectado, e controlar o fluxo de informações ficou mais difícil. Isso significa que resistir é possível.

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Nas suas primeiras entrevistas, os líderes do Talibã afirmam que o movimento mudou. É muita ingenuidade acreditar nos líderes do Talibã. Mas, independentemente de qualquer coisa, o fato é que algumas coisas mudaram de 20 anos para cá no Afeganistão, a primeira delas sendo a chegada da internet em 2002.

A rede ainda precisa crescer muito no país, mas já está presente nas suas 34 províncias e é usada sobretudo nos grandes centros urbanos. No começo deste ano, o Facebook tinha quase 4,5 milhões de usuários; há muitos mais no Twitter e, sobretudo, numa rede social local que funciona através de SMS. Quase 70% dos habitantes têm celular.

O Talibã pode censurar plataformas e suspender serviços, mas não pode derrubar a internet porque precisa dela também — assim como os bancos e as agências governamentais.

Bem ou mal, o Afeganistão está conectado, e controlar o fluxo de informações ficou mais difícil. Isso significa que resistir é possível.

 

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