sábado, 30 de outubro de 2021

João Gabriel de Lima* - Sociedade de um lado, governo do outro

O Estado de S. Paulo

As delegações brasileiras na COP sempre foram plurais. Tudo mudou com Bolsonaro

Duas características marcantes e positivas do Brasil sempre estiveram presentes nas COPS, as conferências mundiais sobre o clima: a força da sociedade civil e sua sintonia com os governos eleitos. O símbolo dessa união é a credencial rosa – que, nesses eventos, dá acesso irrestrito aos pavilhões e discussões. Tradicionalmente, o governo brasileiro sempre distribuiu essa credencial entre ambientalistas, empresários e acadêmicos estudiosos das questões climáticas, com o objetivo de envolvê-los nas discussões.

O resultado é que as delegações brasileiras na COP sempre foram plurais, animadas e numerosas. Enquanto a maioria dos países levava no máximo dez assessores técnicos, os brasileiros chegavam a ser 300. Essa tradição perpassou todos os governos, de direita e de esquerda. Isabella Teixeira e Sarney Filho, ministros do Meio Ambiente, respectivamente, de Dilma e Temer, lideraram comitivas vibrantes em suas gestões.

Com Jair Bolsonaro tudo mudou. No início de seu mandato, nosso país perdeu a chance de sediar a COP de 2019. No evento daquele ano, que foi parar em Madri, rompeu-se a tradição do “pink badge” – o governo deixou de credenciar os representantes da sociedade. Nem sequer organizou um pavilhão nas dependências da conferência, o que quase todos os países fazem.

A sociedade, no entanto, reagiu. Montou em Madri o “Brazil Climate Action Hub”, patrocinado por entidades privadas. A iniciativa irá se repetir neste ano em Glasgow. Será um espaço de 100 metros quadrados, em lugar nobre, com programação variada. Haverá debates com movimentos jovens, representantes do agronegócio, integrantes de coalizões, como a Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, organizações ambientalistas e populações tradicionais. Políticos envolvidos com a questão ambiental também farão parte das mesas.

Ao contrário do que aconteceu em Madri, o governo brasileiro desta vez montará um pavilhão “oficial”. O que fará do Brasil um caso estranho de país com dois estandes. Por que isso acontece? “Talvez porque a sociedade brasileira não se sinta representada por um governo que não pede sua opinião em questões ambientais”, diz Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade, um dos organizadores do pavilhão “paralelo”. Ela é a entrevistada do minipodcast da semana.

O Brasil chega às negociações da COP fragilizado pelos recordes recentes de desmatamento e aumento de emissões. Os debates do “Brazil Climate Action Hub” irão mostrar um outro país, que continua vibrante, plural e cheio de boas ideias.

*Escritor, professor da FAAP e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa

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