O Globo
O governo Jair Bolsonaro avança em seu
último ano reiterando vícios de origem que foram vendidos na campanha e
comprados nas urnas como se virtudes fossem. Nesta semana, dois deles ganharam
as manchetes: a contaminação política das Forças Armadas e a disseminação do
lobby evangélico para abrir portas e lotear recursos públicos nos ministérios.
Em nenhum desses casos, se pode acusar Bolsonaro
de ter escondido o jogo para se eleger. Ele escolheu um general como seu vice
em 2018 e afirmou com todas as letras que militares ocupariam vários postos em
sua gestão. Também deixou claro que a aproximação com os evangélicos era um
projeto político, usando um moralismo reacionário chamado falsamente de
conservadorismo como justificativa.
Essas duas frentes seguem como pilares importantes do projeto reeleitoral. A antecipação de que o ministro da Defesa, general Braga Netto, será o vice no lugar de Hamilton Mourão é o ápice de um movimento de infiltração de ideias, práticas e projetos políticos no papel das Forças Armadas determinado pela Constituição.
Diferentemente de Mourão, que estava fora
do núcleo decisório de poder quando foi escolhido por Bolsonaro para
acompanhá-lo na chapa, Braga Netto é o titular da Defesa. Foi designado para o
posto numa inédita troca simultânea do ministro e dos três comandantes das
Forças, porque a banda não estava tocando conforme Bolsonaro gostaria.
E, no posto, imediatamente se pôs a fazer
coro aos questionamentos do presidente quanto à lisura das eleições e a
confiabilidade das urnas eletrônicas. Com um general com esse perfil na Vice,
qual será o comportamento das Forças Armadas durante o pleito e,
principalmente, diante do resultado, caso ele seja negativo para Bolsonaro e
Braga Netto?
É uma conjectura? Sim. Mas não é desprovida
de histórico factual. Além dessa movimentação descrita, é necessário lembrar
que, já no curso da campanha de 2018, o general Eduardo Villas Bôas, então
comandante do Exército, tuitou às vésperas de o STF analisar um habeas
corpus de Lula que a instituição compartilhava com a sociedade a
indignação ante a corrupção, ato visto como tentativa de intimidar os ministros
da Corte.
A tomada do Ministério da Educação por
lobistas munidos de Bíblia evidencia que o apoio a Bolsonaro de algumas
denominações evangélicas com grande trânsito político não se diferencia, nos
métodos e objetivos, daquele empenhado pelo Centrão. Ele se dá mediante a
captura de lautas fatias do Orçamento da União por grupos de influência ligados
ao presidente, citado diretamente pelo ministro da pasta como tendo ordenado a
prioridade aos amigos do pastor.
O desmonte do MEC, submetido, desde o dia 1
da era Bolsonaro, a toda sorte de narrativa ideológica, combinada à nomeação de
pessoas absolutamente desqualificadas para o exercício da função pública, será
um dos legados mais perniciosos deste governo. E olha que se trata de uma
concorrência assustadoramente alta.
Sob a quimera de combater falsos problemas
como “ideologia de gênero”, atacando instituições como as universidades
federais e sucateando processos e métricas como o Enem, a inacreditável trinca
Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub e Milton Ribeiro entregará ao término deste
mandato uma Educação não apenas profundamente atingida pela pandemia, mas
corroída pela corrupção — não existe outra palavra para o mercado persa da fé
promovido por Ribeiro com pastores ligados a Bolsonaro — e pelo proselitismo
religioso e ideológico.
Nesse cenário, não causa espanto que
expoentes do falso conservadorismo, como a ministra Damares Alves e o deputado
Marco Feliciano, tenham se chocado tanto com a cena de um filme de ficção de
2017, mas não tenham dado um pio sobre o orçamento secreto para pastores no
MEC.
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