terça-feira, 26 de abril de 2022

Míriam Leitão: Privatização à Bolsonaro

O Globo

O emaranhado que é preciso desatar para entender o que há de errado no processo de privatização da Eletrobras é enorme. Os especialistas no mercado estão divididos e mesmo ferrenhos privatistas discordam da venda. A economista Elena Landau, ex-presidente do conselho da empresa, era contra, mas acha hoje que, apesar das distorções, a Eletrobras precisa ser vendida. “Agora não dá mais para voltar atrás. Poderemos ficar no pior dos mundos, com os jabutis e sem a privatização.”

Para aprovar o projeto de privatização o governo negociou com o Congresso concessões ilógicas do ponto de vista econômico, que vão encarecer a energia e serão pagas pelo consumidor. Um especialista do mercado explica assim:

— O maior jabuti são as térmicas com endereço marcado, onde não tem gasoduto, e em regiões que hoje são exportadoras de energia. Teremos que construir gasoduto para levar o gás, e linhas de transmissão para trazer a energia de volta. Algo completamente antieconômico — diz esse especialista.

Elena Landau explica que agora não dá mais para se livrar deles:

— Já virou lei, está regulamentado.O cálculo que o mercado faz é que a energia sairá por R$ 600 o megawatt/hora. Mas ainda há dúvidas se mesmo com esse preço será possível viabilizar esse gasoduto para levar o gás.

Landau era presidente do conselho da Eletrobras quando o assunto começou a ser discutido no governo Temer. Na época a empresa estava fragilizada financeiramente. Devia seis vezes o seu Ebtida. Estava praticamente quebrada, porque a MP 579, de 2012, a obrigou a cobrar muito menos pela energia fornecida pelas usinas antigas. Isso ficou conhecido como “regime de cotas”. A Eletrobras vendia a energia pela metade do valor do que poderia cobrar nas usinas novas, que estavam fora das cotas. Perdeu na época R$ 10 bilhões de faturamento. Foi acumulando prejuízos. A forma de fazer a descotização levou à proposta de venda da empresa, pelo modelo de capitalização. A empresa fará um aumento de capital, o governo não vai acompanhar e assim perderá o controle da empresa. Com o dinheiro da oferta de ações, a Eletrobras paga ao governo pela renovação da concessão das usinas e assim sai do regime de cotas. Esse modelo foi definido no governo Temer, mas foi piorado no governo Bolsonaro, com os jabutis.

— Esse é um dos piores processos de privatização já feitos no Brasil. O governo negociou uma série de benesses, tudo para fazer uma privatização a la Bolsonaro. Eu sempre fui contra esse projeto. Primeiro, pelo procedimento, de cima para baixo, sem qualquer discussão com a sociedade. Sem os estudos de avaliação que foram feitos em outras privatizações. Ninguém debateu se a capitalização era o melhor projeto. Ninguém explicou por que incluir Tucuruí, que podia ser uma venda à parte. A falta de transparência é absurda. Falando sinceramente, este governo não gosta de privatização. Não explica nada e quer empurrar goela abaixo — diz Elena Landau.

A economista também critica o TCU, que está agora adiando a aprovação do projeto. Na semana passada, o ministro Vital do Rego pediu vista atrasando uma resposta por mais vinte dias:

— Isso é uso político do TCU, que está discutindo se deve ou não privatizar. Isso não é função do tribunal de contas.

Qualquer conversa com executivos do setor, e aqui na coluna tivemos várias nos últimos dias, começa sempre com a lembrança de que a MP579, no governo Dilma, provocou uma grande desorganização no mercado e levou a um tarifaço de 50% em dois anos. Essa é a origem da discussão sobre o que fazer com a Eletrobras. A empresa passou por um ajuste no governo Temer que reduziu o endividamento e o total de funcionários. Mesmo assim são inúmeros cargos que podem ter indicação política.

— Levando-se em conta a holding e as subsidiárias, Furnas, Chesf, Eletronorte, quando estive na empresa, tínhamos que analisar 500 currículos para preencher todos os cargos nas empresas. Quinhentos! Não se fazia outra coisa — conta Elena.

Para ser vendida, a Eletrobras teve que se separar de Itaipu, que é uma binacional, e das usinas nucleares. Para isso foi criada outra estatal, que já está contratando.

A grande questão, diz Elena, é que o governo tem duas estatais de energia, Petrobras e Eletrobras, e não discute o que o mundo inteiro está discutindo: a transição energética. Pior, por causa dos jabutis, vai comprar caríssimo, R$ 600 o MWh, uma energia fóssil.

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