O Estado de S. Paulo.
Os sentimentos permeiam todas as atividades
humanas, e a política não é diferente
A enfermeira parisiense Juliette nasceu
quando seus pais eram muito jovens. Ela se recorda de uma infância com pouco
dinheiro, poucos presentes e muito barulho – Juliette era bebê e os pais a
levavam para as festas altamente animadas da universidade. Ela diz ter crescido
cheia de inseguranças. Adulta, indignou-se com a situação política de seu país
– e se tornou um exemplo do sentimento que os franceses chamam de “colère”.
Há três anos, o movimento dos “coletes amarelos” eclodiu na França, e Juliette se tornou uma de suas militantes mais entusiasmadas. Ela contou sua história de vida ao cientista político Thomás Zicman de Barros, autor de uma tese original e surpreendente sobre o movimento. Em seu doutorado na França, Zicman de Barros, entrevistado no minipodcast da semana, mergulhou no universo dos “coletes amarelos” e extraiu conclusões que ajudam a explicar a política dos dias de hoje.
O autor cruza a literatura sobre populismo com
clássicos da psicanálise, como Sigmund Freud e Jacques Lacan,
e mostra como paixões e desejo influenciam nossas escolhas políticas. Como
disse Eugênio Bucci, colunista do Estadão citado na tese, há uma
identificação estética com símbolos, slogans e cânticos, que criam uma
irresistível sensação de pertencimento.
O símbolo do movimento é algo comum a
muitos franceses – os coletes amarelos que, por lei, devem ser levados nos
carros. Nascido à direita, o protesto era inicialmente contra o aumento de
impostos e dos preços dos combustíveis, mas aos poucos se juntaram representantes
de todos os matizes ideológicos. Não havia uma pauta clara de reivindicações.
Pessoas comuns como Juliette, com suas carências e incertezas, sentiram-se
acolhidas pela estética dos cânticos e slogans.
Os sentimentos permeiam todas as atividades
humanas, e a política não é diferente. Vale para os “coletes amarelos” e também
para as jornadas de junho de 2013, no Brasil, ou para o movimento
estudantil chileno da última década.
Nas eleições francesas deste ano, os
“coletes amarelos” não conseguiram se entender sobre qual candidato apoiar e
perderam protagonismo. As jornadas de junho não levaram, como se pensava, a uma
política mais vibrante e inclusiva. O que se seguiu, em vez disso, foram
desalento e polarização.
O caso chileno, em contraste – o movimento
estudantil gerou um presidente da República –, sinaliza que
paixão e desejo não bastam. Para convertê-los em algo prático, é preciso
estratégia, propostas concretas, vontade de participar e coragem para disputar
o jogo da democracia. Do contrário, somos todos Juliettes ao sabor de nossa
“colère”.
Um comentário:
A ''cólera'' só serve pra produzir doenças.
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