Folha de S. Paulo
Morte de Genivaldo de Jesus Santos não
constitui incidente isolado
A morte
por tortura de Genivaldo de Jesus Santos não constitui um incidente
isolado na relação entre a população negra e as polícias brasileiras. Nos
últimos cinco anos, mais de 18 mil pessoas foram mortas pela polícia, sendo
78,9% negras. Muitas com indícios de tortura e sinais de execução.
O que distingue o caso de Genivaldo,
portanto, foi a improvisada câmara de gás montada em plena via pública pelos
policiais rodoviários federais para torturar uma pessoa acusada de dirigir uma
motocicleta sem o uso de capacete.
Como no caso de Cesar Baptista, recentemente submetido à violência por membros da Guarda Civil Metropolitana, no centro da cidade de São Paulo, as câmaras de celular não tiveram a capacidade de inibir a brutalidade por parte de agentes do Estado. Como se a tortura, tradicionalmente praticada às escondidas, estivesse agora autorizada a ocorrer em público, como alerta de que pretos e pobres jamais terão os seus direitos respeitados nesta terra. Difícil não associar esse recrudescimento da violência de Estado à recorrente apologia de torturadores e regimes que torturam pelo presidente e seus apoiadores.
A tortura transformada em espetáculo nada
mais é do que uma forma de pedagogia macabra voltada a assegurar a subordinação
racial. Seu objetivo é deixar explícito a todos que as vidas negras não
importam. Como nas operações policiais em comunidades, chacinas ou mesmo na
manutenção de altíssimos padrões de violência que afetam desproporcionalmente
as populações negras (77% das vítimas de homicídios são negras), é a própria
humanidade o que se está negando às vítimas.
Mesmo que em alguns estados da Federação,
como São Paulo, avanços significativos na qualificação das polícias tenham sido
implementados, resultando na redução de índices de homicídios e diminuição da
violência policial, o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil tem
crescido nos últimos anos, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. As mais
de 40 chacinas registradas durante a gestão do governador Cláudio
Castro, no Rio
de Janeiro, ajudam a explicar esse crescimento.
A superação dessa pedagogia de subordinação
racial, baseada na violência, que se reproduz desde as nossas origens, exigirá
não apenas a ampliação de uma consciência antirracista, mas também profundas
reformas no aparato de justiça e segurança. O fato, porém, é que essas
transformações somente ocorrerão como decorrência de um alargamento da
participação de pessoas negras nas diversas esferas de poder político,
econômico e cultural.
Se as ações afirmativas abriram espaço para
que a população negra pudesse gozar de um bem antes reservado prioritariamente
aos brancos, que é a educação, o movimento negro tem deixado claro que é
necessário avançar muito mais na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária.
Nesse sentido é necessário destacar a
importância da iniciativa da Coalizão Negra por Direitos de promover e apoiar
mais de 50 candidaturas negras ao Congresso Nacional e Assembleias Legislativas
ao redor do país, que ocorrerá no próximo dia 6 de junho, em São Paulo.
Sem que pessoas negras venham a ocupar de
maneira ampla e efetiva espaços de poder, a democracia brasileira continuará
incompleta, e o Estado de Direito, incapaz de assegurar que todas as pessoas,
independentemente de sua cor, sejam tratadas com igual respeito e consideração.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em
direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
Um comentário:
Bolsonaro contratou alguns negros que são contra o movimento negro,tem de escolher o afrodescendente certo.
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