O Estado de S. Paulo
Preocupa-me chegarmos até lá com dois
candidatos portadores de reluzentes credenciais populistas.
Se o próximo presidente for, de fato, um
dos dois que lideram as pesquisas, uma coisa é certa: na noite de 2 de outubro
nós, a maioria dos brasileiros, estaremos por aí desnorteados, cambaleando como
um pobre-diabo atingido no cocuruto por um coice de cavalo.
Esqueçamos, porém, a nobre espécie dos equinos e tentemos entender as coisas através do nosso singelo vernáculo. Suponhamos que fomos atingidos não por um coice, mas por uma reles interrogação. Reles, sucinta e, sobretudo, inusitada para um momento pós-eleitoral. Que raio de interrogação será essa? Ei-la: e daí? E a resposta, igualmente inusitada, será: nada. Nada?! Como nada? Ora, meus caros leitores, nada porque ninguém saberá dizer que diferença fará para nós e para o Brasil o vitorioso ser Luiz Inácio ou Jair Bolsonaro. Algum de vocês imagina que este nosso país letárgico vai subitamente dar um salto de dois metros e aterrar ágil, afável, pacífico e próspero só porque o vencedor foi aquele, e não o outro? Creiam-me: as chances de isso acontecer são iguais num ou noutro caso, e próximas de zero em ambos.
Exploremos a hipótese inversa. Algum de
vocês imagina o Brasil despencando morro abaixo e só parando quando bater seu
cocuruto numa pedra que estava lá embaixo, em sua plácida solidez? Neste caso,
vença Lula ou Bolsonaro, minha aposta é a de que nossas chances de quebrar a
cabeça serão iguais, mas não próximas de zero. Ao contrário, como manda a
lógica, ambos nos causarão uma dor de cabeça atroz. Até o Dr. Pangloss
(lembram-se dele?), em seu infinito otimismo, já nos recomendou certos
cuidados, porque uma hora destas poderemos cair de verdade.
Meus leitores com certeza se lembram de um
país, a Argentina, que atingiu um nível de riqueza superior ao de Espanha,
Itália, Suíça, Alemanha e Suécia, mas de repente, não mais que de repente, deu
com os burros n’água e lá está até hoje, estagnado, com seus outrora altivos
cidadãos embusteados pelos que detêm o poder, mas não sabem o que fazer com
ele. Assim tem sido desde o desaparecimento do comandante-general Juan Domingo
Perón.
Mas a Argentina não se dissolveu: continua
lá, com todas as qualidades que sempre teve. Por essa e por outras é que
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), um sapientíssimo teólogo alemão, sempre
nos garantiu que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Não sei se a média dos
séculos e milênios respalda seu ponto de vista, mas o Brasil dos dias de hoje
parece-me às vezes inclinado a contestá-lo. Percebo que certo número de
brasileiros contraiu o curioso hábito de anotar em seus diários alguns dos
motivos que os deixam assustados. Eu mesmo, que não sou temeroso, lembro-me de
que até poucos anos atrás nos referíamos à nossa economia como a oitava maior
do mundo, mas o que agora nos chama a atenção é que ela parece incapaz de dar
um passo à frente. Pergunto-me se Leibniz atualizou suas estatísticas sobre o
nosso sistema de ensino. Às vezes vejo na TV certas coisas que me parecem
aterradoras, mas vou me abster de dar exemplos, para não afligir almas frágeis
que porventura frequentem esta página.
Por favor, entendam-me: sempre tive imenso
respeito pelos conhecimentos do Dr. Leibniz. O que me preocupa no momento é
chegarmos à primavera com dois candidatos portadores de reluzentes credenciais
populistas. Um deles, o sr. Luiz Inácio, a rigor nem poderia se candidatar, por
dever explicações à Justiça. O outro, o sr. Bolsonaro, não parece apreciar a
elevada magistratura a que foi alçado, que em tese o obriga a permanecer muito
tempo no quarto andar do Palácio do Planalto. Sente-se tolhido em sua paixão
por atividades atléticas. Imaginem que, outro dia, convocou seus amigos
motoqueiros para um passeio. Bloqueou quase 200 quilômetros de uma rodovia
federal, na véspera de um feriado. Aí sim, esbanjando alegria, retornou ao
palácio, feliz por nos haver proporcionado mais uma demonstração de seu pendor
esportivo. Olhando à minha volta, percebi que os cidadãos comuns, policiais
rodoviários, juristas e generais que testemunharam o episódio nada viram de
insólito no episódio, e aí decidi votar com o relator: concluí que, realmente,
não pode haver mundo melhor que este.
É por isso que, quando me acontece de ir a
Brasília, chego a me comover com a brandura que ora reina entre os Três
Poderes. Percebo indícios de que nosso sistema político encontra-se em avançado
estado de desidratação e que nossa estrutura de partidos se esfarelou já há
algum tempo, mas não me deixo levar pela turva premonição de que uma hora
destas vamos nos ver em escombros. Somos a oitava economia do mundo. E podemos
contar com a coragem, o tirocínio e o senso de responsabilidade de nossa atual
classe política.
Leibniz não esclareceu se a divina
providência fez questão de executar sozinha seu projeto do melhor dos mundos ou
se acolheria de bom grado a cooperação de terráqueos qualificados que se
dispusessem a ajudar. Pelo sim, pelo não, penso que teria sido prudente.
*Cientista político, é sócio-diretor da Consultoria
Augurium. Seu último livro é ‘Jano: imagens da virtude e do poder’ (Editora Desconcertos)
Nenhum comentário:
Postar um comentário