Editoriais
Sob Bolsonaro, MEC se tornou caso de
polícia
O Globo
No cercadinho do Alvorada, nas transmissões
ao vivo, em postagens nas redes sociais ou entrevistas, o presidente Jair
Bolsonaro sempre fez questão de martelar que, em seu governo, não há corrupção.
Trata-se de estratégia de marketing para se distinguir do adversário petista
Luiz Inácio Lula da Silva, cujas gestões foram marcadas por escândalos no
aumentativo (mensalão e petrolão). Se a propaganda de Bolsonaro já era absurda
diante das denúncias que assombram sua administração, com a prisão do
ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e dos pastores Arilton Moura e Gilmar
Santos, tornou-se insustentável. Bolsonaro agora tem um escândalo de corrupção
para chamar de seu.
Ribeiro foi detido em meio à investigação
das denúncias que culminaram com sua exoneração em março. Embora não ocupassem
cargo, Arilton e Gilmar, também presos, mandavam e desmandavam no ministério.
Intermediavam, junto a prefeituras, as verbas bilionárias do Fundo Nacional do
Desenvolvimento da Educação (FNDE), que financiam o ensino básico, construção e
reformas de escolas, móveis e veículos para transporte escolar.
As denúncias sucessivas de desvios do FNDE
já formariam um escândalo sem tamanho. Mas era pior. Para liberar os recursos,
função que não lhes cabia, os pastores cobravam propina até em barras de ouro.
E era ainda pior. Numa gravação, o então ministro Ribeiro afirmou a prefeitos
que a pasta dava prioridade àqueles cujos pleitos tivessem sido negociados
pelos dois. Para piorar ainda mais, concluiu: “Foi um pedido especial que o
presidente da República fez para mim”. Os dois pastores estiveram 35 vezes no
Palácio do Planalto desde o início do governo.
Ribeiro jamais deu explicações convincentes. Quando o caso veio à tona, alegou que já denunciara a dupla à Controladoria-Geral da União (CGU), mas os lobistas continuaram com trânsito livre, e não só no MEC. As explicações de Bolsonaro são ainda mais constrangedoras. Ele resistiu quanto pôde a exonerar Ribeiro, embora sua gestão desastrosa fosse marcada por inépcia e escândalos. Diante das denúncias, fez questão de defendê-lo numa transmissão: “Eu boto minha cara no fogo pelo Milton. Minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia com ele”. Depois da prisão, Bolsonaro mudou de tom: “Ele que responda pelos atos dele”. Num esforço para conter os danos eleitorais, afirmou que a prisão é sinal de que não interfere na Polícia Federal. Governos petistas usavam a mesma ladainha.
Eleito com a promessa de combater a
corrupção, Bolsonaro passou três anos e meio relativamente incólume pelas
denúncias de rachadinhas nos gabinetes dos filhos, pelo escândalo do “laranjal”
em seu partido, pelas negociatas para compra de vacinas no Ministério da Saúde
e pelos sucessivos descalabros no MEC. Mas as prisões têm uma eloquência
própria. Põem em xeque o discurso capenga de que não há corrupção e cobrarão
seu preço na urna.
Depois de dois anos de escolas fechadas, a
educação brasileira agoniza. A despeito disso, sob Bolsonaro, o MEC virou um
caso de polícia. A triste conclusão é que, enquanto o governo encampa o
discurso ideológico, a turma aproveita para avançar sobre os escassos recursos
públicos, justamente nos setores vitais, onde as verbas são mais generosas.
Queira ou não Bolsonaro, o nome disso é corrupção — e ele está enfiado até o
pescoço no pântano.
Centrão quer MP da Petrobras para
enfraquecer blindagem à corrupção
O Globo
Não tem o menor cabimento e precisa ser
repudiada com veemência a articulação para que o presidente Jair Bolsonaro
baixe uma Medida Provisória que modifique a Lei das Estatais, permitindo ao
governo interferir na política de preços da Petrobras e reduzir o valor cobrado
pelos combustíveis. Articulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
a iniciativa na verdade não passa de uma mal disfarçada tentativa de afrouxar
os controles implantados contra a corrupção, para reabrir as portas à
roubalheira na empresa que outrora foi palco da rapina do petrolão.
Aprovada em 2016, no governo Michel Temer,
na esteira das investigações da Operação Lava-Jato, a Lei das Estatais foi um
marco na blindagem de empresas públicas e mistas. Seus artigos impõem regras de
uma obviedade constrangedora. Os indicados para cargos de presidência e
diretoria devem ser honestos e contar com dez anos de experiência na área. A União
deve preservar a independência do conselho de administração. Quaisquer
obrigações assumidas em condições distintas de outra empresa do setor deverão
constar em contrato — em caso de prejuízo, o valor deverá ser ressarcido pela
União.
Foram instrumentos como esses que deixaram
para trás a avalanche de escândalos de corrupção comuns na Petrobras — e
endêmicos nos anos em que o PT esteve no poder. Hoje, entre aqueles que mais
querem mudar a lei, estão os cardeais do PP, partido que criou o esquema original
do petrolão e que registrou o maior número de políticos investigados no auge da
Lava-Jato. A primeira ação contra uma agremiação política feita pelo Ministério
Público Federal do Paraná por improbidade administrativa foi justamente contra
o PP. Pedia a devolução de mais de R$ 2,3 bilhões por desvios na Petrobras.
O mau humor gerado pelo aumento da gasolina
e do diesel, com efeitos na inflação e nas pesquisas eleitorais, deu pretexto à
tentativa de ataque à Lei das Estatais. Com a desculpa de que se deve fazer
algo a favor do consumidor, os tubarões que estraçalharam a petroleira no
passado tramam o retorno àquele oceano sempre piscoso. Pouco importa se as
mudanças propostas não farão diferença nas bombas dos postos. O objetivo é
reabrir a porteira.
Em qualquer circunstância, seria absurdo
defender mudanças numa lei que já se mostrou necessária e eficaz no combate à
corrupção. Faltando exatos 101 dias para as eleições de 2 de outubro, a seis
meses do fim do atual mandato presidencial, é um deboche. A ausência de
escândalos de desvios na Petrobras e a recuperação das finanças da empresa nos
últimos anos não foi obra do bom comportamento de Bolsonaro, mas do arcabouço
legal montado antes de sua chegada ao Planalto, que ele parece disposto a
implodir. Todas as declarações sobre “defender a nação” e “anticorrupção” são papo-furado.
A palavra para descrever o que está em curso é outra: uma vergonha.
Suspeita e certeza
Folha de S. Paulo
Prisões em apuração de corrupção mostram só
parte da ruína do MEC sob Bolsonaro
Pouco depois de a Polícia Federal prender
o ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação, o presidente Jair Bolsonaro (PL)
veio a público encenar desinteresse republicano pelo destino de seu aliado.
"Ele que responda pelos atos dele, eu
peço a Deus que não tenha problema nenhum", disse à rádio Itatiaia de
Minas Gerais. "Se a PF prendeu, tem um motivo, e o ex-ministro vai se
explicar."
Nem pareceu o mesmo Bolsonaro que, em
março, usou sua live semanal para afirmar: "Coisa rara de eu falar aqui:
eu boto
minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia contra
ele".
À época, pipocavam notícias na imprensa
sobre um balcão de negócios montado no Ministério da Educação, com a atuação
escandalosa de dois pastores evangélicos sem vínculos formais com a pasta.
O jornal O Estado de S. Paulo revelou a
movimentação da dupla, e a Folha publicou um áudio no
qual o então ministro explicava que a liberação de verbas priorizava
prefeituras que tivessem se acertado com os pastores Gilmar Silva dos Santos e
Arilton Moura —também presos nesta quarta (22).
O acerto, segundo alguns gestores, envolvia
o pagamento de propina, às vezes em barra de ouro. Ribeiro deu a entender que
tudo corria a pedido do presidente.
Como ficou claro pela operação batizada de
Acesso Pago, a PF trabalhou nos últimos três meses e se convenceu de que há
indícios suficientes para acusar o ex-ministro e os pastores de crimes como
tráfico de influência e corrupção.
Decerto que as investigações ainda precisam
prosseguir, e resta longo caminho até uma eventual condenação pela Justiça.
Entretanto a ruína promovida por Bolsonaro no MEC, uma das pastas mais
essenciais da administração pública, pode ser constatada desde já.
O desastre começou pelo aparelhamento
ideológico, que sacrificou a continuidade de políticas públicas em nome de
caças às bruxas como as tentativas de intervir no conteúdo do Enem, o exame do
ensino médio. A isso se somaram nomeações sucessivas de incompetentes, como o
próprio Ribeiro.
O ministério ainda deu abrigo à sanha
fisiológica —se é que se limita a isso— do centrão, que se
apossou do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Daí viriam
os recursos prometidos pelos pastores e também para emendas parlamentares de
escassa transparência e motivo de suspeitas de superfaturamento.
Se Bolsonaro agora adota um tom
distanciado, portanto, não é por um surto repentino de republicanismo, mas pelo
receio de que o escândalo seja um desastre para sua campanha eleitoral,
evidenciando o quanto há de mentiroso em seu discurso anticorrupção.
Direito negado
Folha de S. Paulo
Até uma criança enfrenta obstrução ao
aborto legal no Judiciário e em hospitais
"Você
suportaria ficar mais um pouquinho?", indaga a juíza Joana Zimmer,
então na comarca de Tijucas (SC) à criança de 11 anos grávida de sete meses,
vítima de estupro.
Na audiência, em vídeo divulgado pelo The
Intercept Brasil, a magistrada e a promotora Mirela Dutra Alberton tentam
persuadir a menina a levar a termo a gravidez e entregar o bebê à doação.
A ofensiva —além de cruel, ilegal, posto se
tratar de aborto autorizado pela legislação— expõe o obscurantismo persistente
em círculos judiciais e médicos no país. Foi o cúmulo de uma sequência de
violações de direitos a que a vítima foi submetida por quem, por ofício,
deveria protegê-la.
Na forma e no conteúdo, a audiência revela
uma série de desmandos. Ao persuadir a criança a desistir de interromper a
gravidez, os integrantes do sistema de Justiça negaram-lhe um direito
assegurado no país desde 1940.
Pela legislação brasileira, o aborto é
autorizado nas hipóteses de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da
mulher e, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, anencefalia do
feto.
Não bastasse a abordagem medieval da juíza
e da promotora, que viola o atendimento humanizado previsto pela lei 12.845, de
2013, a criança estava mantida em um abrigo havia mais de um mês.
Embora norma técnica do Ministério da Saúde
recomende que o aborto, em caso de estupro, ocorra dentro de "20 semanas
da idade gestacional", o documento, segundo estudiosos, não deve
restringir a aplicação da lei, que não estabelece um limite temporal.
A menina nem sequer precisaria ser
submetida a audiência judicial para autorizar o procedimento, bastando o seu
consentimento e o de sua responsável legal.
Hospitais, ademais, frequentemente rejeitam
a realização do aborto legal, ou exigem documentos desnecessários, como boletim
de ocorrência. Menos da metade dos hospitais indicados pelo governo para o
procedimento de fato o fazem, segundo dados de 2019.
A obstrução de direitos por parte do
Judiciário e de unidades de saúde revela que não basta a lei —a mudança da
cultura institucional e a punição
de violações são igualmente fundamentais.
Compreende-se que muitos tenham objeções morais ou religiosas ao aborto, mas nada lhes autoriza a impor suas convicções ao restante da sociedade e ao arrepio da legislação vigente.
A putrefação do governo Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Escândalo do MEC não é de longe o único
indício de podridão num governo que pouco faz no combate à roubalheira e muito
se empenha em manietar órgãos de fiscalização e controle
A operação policial que prendeu
preventivamente o pastor e ex-ministro da Educação Milton Ribeiro deve ter
surpreendido só alguns bolsonaristas que ainda acreditam no discurso do
presidente Jair Bolsonaro segundo o qual não existe corrupção em seu governo.
Já a maioria dos brasileiros sabe muito bem, e há tempos, que algo não cheira
bem na Presidência de Jair Bolsonaro.
O papel de Milton Ribeiro no escândalo do
Ministério da Educação, que envolve a ação de pastores evangélicos que atuavam
como lobistas, ainda está por ser inteiramente esclarecido. Mas são muitos os
indícios de que malfeitos cabeludos foram cometidos no MEC sob as bênçãos de
Milton Ribeiro e sob as barbas de Jair Bolsonaro.
Os pastores lobistas, que não tinham função
pública e, conforme revelou o Estadão,
pediam propina em troca de acesso de prefeitos a recursos do Ministério,
estiveram nada menos que 35 vezes no Palácio do Planalto. Havia uma evidente
proximidade. Diante da abundância de evidências, a Justiça autorizou a
deflagração de uma operação para investigar indícios de crimes de corrupção
passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência no MEC.
Mas o caso do MEC não é nem de longe o
único indício de podridão no governo Bolsonaro. Há pouco tempo, o País ficou
estupefato ao tomar conhecimento, na CPI da Pandemia, que o Ministério da Saúde
foi envolvido em negócios esquisitos com vacinas e medicamentos. Em outro caso,
um ministro do Meio Ambiente foi demitido por suspeita de ligação com um
esquema de exportação de madeira ilegal. Mas o estado da arte do cupinzeiro
bolsonarista é o orçamento secreto – esquema de distribuição obscura de
recursos públicos a aliados para obras e compras eleitoreiras, naturalmente
superfaturadas.
Considerando a notória opacidade do governo
Bolsonaro, que viola sistematicamente as leis de transparência da administração
pública, é muito provável que esses casos sejam apenas alguns entre tantos que
ainda não se deram a conhecer. Não fosse o trabalho da imprensa, tão
vilipendiada por Bolsonaro, o País não saberia da missa a metade.
Hoje, está claro que só acredita na pureza
do governo quem ainda dá crédito às garantias de Bolsonaro. É bom lembrar que,
quando estourou o escândalo do MEC, o presidente foi às redes sociais para
jurar que o então ministro Milton Ribeiro era inocente. “Eu boto minha cara no
fogo pelo Milton. Minha cara toda no fogo pelo Milton”, desafiou Bolsonaro.
Ontem, chamuscado pela prisão do ex-ministro, o presidente jogou o pastor na
fogueira: “Ele que responda pelos atos dele”.
Fiel a seu estilo pusilânime, e obviamente
ciente do prejuízo eleitoral que o escândalo pode lhe causar, Bolsonaro tratou
de fugir da responsabilidade: “Eu tenho 23 ministros, mais uma centena de
secretários, mais de 20 mil cargos comissionados. Se alguém faz algo de errado,
pô, vai botar a culpa em mim?”. Bolsonaro pode até não ter tido participação
direta no caso, mas é muito estranho que seu governo tenha determinado sigilo
de 100 anos sobre as dezenas de visitas dos pastores lobistas ao Palácio do Planalto.
É esse apego ao segredo que gera um
ambiente extremamente propício para a corrupção, pois há certeza da proteção
oficial, garantida também pelo aparelhamento dos órgãos de fiscalização e
controle. Não é por outro motivo que o Brasil caiu da sexta para a décima
posição, entre países da América Latina, no Índice de Combate à Corrupção
mensurado pela Americas Society/Council of the Americas em parceria com a
empresa Control Risks. Segundo o estudo, recentemente divulgado, “Bolsonaro
procurou consolidar o controle sobre os órgãos que investigam supostos casos de
corrupção envolvendo seus aliados”.
Desse modo, com Bolsonaro na Presidência, o
Estado brasileiro ficou menos independente para prevenir, detectar e punir a
corrupção no âmbito federal. Desrespeitar a Lei de Acesso à Informação,
encabrestar a Procuradoria-Geral da República e desvirtuar os órgãos de
fiscalização e controle, como faz o governo, têm consequências. É preparar o
terreno para a roubalheira.
Mais uma lorota petista
O Estado de S. Paulo
Trocando um adjetivo aqui, um verbo acolá, ‘novas’ diretrizes para programa de governo do PT, supostamente como aceno ao centro, seguem mesma lógica do atraso de sua versão anterior
O primeiro rascunho do plano de governo do
PT deu o que falar. Para quem se arvora em líder de uma formidável coalizão em
defesa da democracia e contra o autoritarismo, Lula da Silva constrangeu até
líderes de partidos aliados ao impor sua agenda na elaboração do documento. Os
eleitores moderados, grupo que o petista precisa conquistar, necessariamente,
para se eleger presidente pela terceira vez, viram naquelas diretrizes
programáticas o velho PT que há alguns anos vinham rejeitando. Algo precisava
mudar.
Pois o PT, para evitar “novos atritos” com
partidos coligados e com esses potenciais eleitores mais ao centro do espectro
político, propôs uma nova versão das tais diretrizes. Substituindo um adjetivo
aqui e um verbo acolá, às vezes nem isso, é tudo mais do mesmo. O documento
vendido aos incautos como “recuo” não passa de mais uma lorota petista.
Tome-se, por exemplo, um dos temas que mais
repercutiram negativamente quando da divulgação da primeira versão dessa
espécie de pré-programa de governo: a reforma trabalhista. O termo “revogação”
foi suprimido da nova versão. Mas isso não quer dizer, em absoluto, que os
avanços para o mercado de trabalho trazidos pela aprovação da reforma durante o
governo do presidente Michel Temer não estejam ameaçados caso Lula seja eleito
em outubro. A equipe que coordena a pré-campanha do petista fala agora em
propor “uma extensa proteção social”, com atenção especial a autônomos e
trabalhadores que usam aplicativos, “revogando os marcos regressivos da atual
legislação trabalhista, agravados pela última reforma e restabelecendo o acesso
gratuito à Justiça do Trabalho”, diz novo trecho do documento.
Qualquer pessoa alfabetizada lê o que vai
acima e entende que, sim, o partido proporá mudanças na legislação trabalhista
de modo a restaurar, no todo ou em parte, o arcaico arcabouço legal vigente até
a sanção da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Afinal, não se sabe, e o
documento não diz, o que o PT considera como “marcos regressivos” da reforma
trabalhista – mas intui-se, a julgar pelos raivosos discursos lulopetistas, que
sobraria pouca coisa da modernização das relações de trabalho.
A revogação do teto de gastos é outro ponto
sensível para o País que foi mantido nas diretrizes programáticas do PT. O
partido tem o direito de defender a agenda que bem entender, até rematados
retrocessos, como o fim do teto de gastos sem indicar uma nova âncora fiscal, e
submetê-la a escrutínio público. Só não é honesto dizer que recuou ou moderou
seu discurso quando, a bem da verdade, o que houve foi uma manipulação de meia
dúzia de palavras.
Em que pese a inclusão de um tópico no
documento condenando ataques à imprensa e a jornalistas – a rigor, uma
obviedade para qualquer um que se apresente como democrata –, a pauta da
“regulação dos meios de comunicação”, um eufemismo para o controle estatal do
jornalismo profissional e independente, segue entre as diretrizes programáticas
do PT. Mas, agora, singelamente chamada de “democratização dos meios de
comunicação”.
Permanece também o plano de “abrasileirar”
os preços dos combustíveis, o que é uma forma adocicada de defender a
intervenção do governo na política de preços da Petrobras. Aqui, Lula e o
presidente Jair Bolsonaro andam de braços dados.
Assim, com alterações mais ou menos
acentuadas no que concerne à linguagem, mas não ao espírito, o plano petista
para governar o Brasil segue repleto de propostas perigosas, como o alto
intervencionismo estatal na economia, o descontrole dos gastos públicos e a
revogação da reforma trabalhista. Se aplicada, essa plataforma eleitoral não só
não tem o condão de apresentar soluções duradouras para os atuais problemas do
País, como pode criar outros, tão graves que nem sequer podem ser mensurados
neste momento.
Mas pode vir coisa ainda pior por aí, caso
Lula seja eleito. Afinal, para o chefão petista, “é melhor colocar menos
propostas no papel e executar mais”. Conhecendo o histórico do PT, isso soa
menos como promessa e mais como ameaça.
As duras certezas da política fiscal
O Estado de S. Paulo
Benefícios eleitoreiros, alguns sem previsão de receita, geram um quadro difícil para as finanças públicas em 2023
A incerteza sobre o futuro do arcabouço
fiscal e sobre as políticas fiscais que estimulam o consumo é uma das
justificativas do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC)
para elevar a 13,25% ao ano a taxa Selic, o juro básico da economia. Dúvidas
sobre o controle das finanças públicas, diz a ata da reunião de junho do Copom,
podem gerar expectativas que tendem a estimular o avanço da inflação, que
alcançou 11,73% em 12 meses. É um aviso de que haverá novas altas.
Para a linguagem usual do Copom, é uma
crítica dura. Mais do que incertezas e dúvidas, porém, a política fiscal do
governo Bolsonaro vem gerando certezas que apontam para rápida deterioração das
finanças da União, de Estados e de municípios.
Medidas populistas para beneficiar faixas
da população em que o prestígio eleitoral de Bolsonaro despenca, ações para dar
vantagens a grupos econômicos e profissionais, tentativas de agradar ao
funcionalismo irritado com promessas não cumpridas de aumento e, agora, as
iniciativas para conter o preço dos combustíveis pela força ou por medidas tão
espalhafatosas quanto inócuas estão gerando problemas financeiros para os
governantes que tomarão posse em 2023. São, em alguns casos, medidas que
implicam gastos expressivos para os quais não foram previstas receitas nem
cortes compensatórios de outras despesas ou transferem o problema para outras
instâncias de poder.
Do baú de ideias eleitoreiras, o governo e
o Centrão vêm fazendo circular propostas como a de um vale para caminhoneiros,
que em 2018 formaram um forte núcleo de apoio à candidatura de Bolsonaro. Não
se sabe quanto isso custaria. Outra ideia, já examinada pelo Senado, é a
ampliação do vale-gás, para atender no mínimo a 11 milhões de domicílios. Seria
dobrar o alcance do benefício, com custo adicional de R$ 1,9 bilhão.
Na área do funcionalismo, depois de
desistir do reajuste linear para todo o quadro de pessoal, o governo tenta pelo
menos aumentar o valor do vale-refeição. Para isso, será necessário mudar a Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Não há certeza de que o valor de R$ 1,7
bilhão já reservado para aumentos salariais seja suficiente.
Do lado das receitas, como observou a
Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, “apesar de um
cenário mais benigno em razão da inflação, há incertezas em razão de propostas
legislativas que reduzem tributos federais e estaduais sobre combustíveis e gás
de cozinha”.
Bolsonaro silencia sobre os gastos adicionais e a quebra de arrecadação que medidas como as citadas imporão. Para os Estados, a fixação de um teto para o ICMS sobre bens e serviços, entre eles combustíveis e telecomunicação, pode quebrar a arrecadação em quase R$ 100 bilhões neste ano. E a União ainda terá despesas compensatórias adicionais com esse teto. Não sem razão, especialistas em finanças públicas estão revendo suas projeções sobre o resultado fiscal deste ano, de superávit – que os Estados assegurariam – para déficit primário. E tudo isso apenas para salvar a candidatura do presidente.
BC vê boa chance de reversão em preços de
commodities
Valor Econômico
Há uma presunção implícita de que o recuo
das commodities que acompanhará o esfriamento global será maior que eventual
valorização do dólar em relação ao real
O Banco Central indica que será necessário
um novo aumento de juros em sua próxima reunião, em agosto, mas a rigor, espera
que isso não aconteça. O Copom decidiu que os juros serão mais altos que o
cenário de referência, de 13,25%, e que não cairão rapidamente, podendo
permanecer na fronteira dos dois dígitos até 2023. Tão importante quanto isso
foi a decisão, já manifestada no comunicado do Copom e ratificada na ata,
divulgada na terça, de que o BC agora mira um número “ao redor da meta”, isto
é, com o uso do intervalo de 1,25 ponto percentual da banda.
O cenário prospectivo traçado pelo BC para
a inflação piorou entre uma reunião e outra. Os núcleos subiram, a pressão
sobre os preços dos alimentos e combustíveis se intensificou e as expectativas
inflacionárias de médio e longo prazo se deterioraram. Na pesquisa Focus, por
exemplo, o IPCA estimado para este ano subiu de 7,9 % para 8,5% e o de 2023, de
4,1% para 4,7%. No cenário do Copom, com base nesta pesquisa, mais uma
estimativa da trajetória do câmbio, a piora foi igualmente evidente. Em maio,
2022 fecharia com IPCA de 7,3% e 2023 de 3,4%, e agora, em 8,8% e 4%, respectivamente.
Continua havendo uma significativa
diferença entre a inflação esperada no horizonte relevante (2023) pelo BC e a
dos investidores, algo que já foi interpretado pelo BC como diferença de
expectativas para os preços do petróleo, entre outros fatores, mas que pode ser
entendido principalmente como descolamento das expectativas inflacionárias.
A decisão do Copom foi então de, diante da
persistência da inflação e de já ter feito um dos maiores ajustes monetários
recentes, de 11,25 pontos percentuais, recorrer à manutenção dos juros em
terreno contracionista por mais tempo, ao mesmo tempo em que aumentou o juro
terminal do ciclo, para 13,5% ou 13,75% - sua indicação de ajuste de 0,25 ou
0,5 ponto percentual na próxima reunião. No entanto, o BC não cravou que este
será o ponto estacionário dos juros, embora seja seu desejo, como aponta a
retirada da expressão “extensão do ciclo” para qualificar o próximo ajuste.
O balanço de riscos continua simétrico,
apesar de o crescimento estar acima do esperado, o que não ajuda o esforço de
conter a inflação, de as incertezas fiscais permanecerem e medidas que tragam
“sustentação da demanda agregada” irem na rota contrária da política monetária,
podendo trazer “risco de alta para o cenário inflacionário”.
No entanto, o BC adicionou novos
ingredientes que para ele aumentam as chances de reversão da inflação não muito
adiante. Alguns são conhecidos, como a ação retardada dos aumentos de juros,
que ainda não se fizeram sentir e, na economia, a recuperação plena dos serviços
propiciada pelo arrefecimento da pandemia, que deixará de impulsionar mais
aumentos da demanda no segundo semestre. No entanto, o BC acrescentou mais
linhas e parágrafos relevantes sobre o cenário externo.
Na ata anterior, equilibravam-se a
deterioração do ambiente global por pressões inflacionárias e a reorganização
das cadeias de produção, cujas consequências a longo prazo poderiam trazer mais
inflação, por um lado, e aperto da política monetária que provoca desaceleração
global, por outro. Ela apontava que o ajuste dos juros nos países desenvolvidos
ainda deixava as taxas nominais em campo expansionista.
Agora, algo mudou. A “reprecificação” da
política monetária, com aumento da aversão ao risco e piora das condições
financeiras, rebaixou as perspectivas de crescimento global, com consequências
importantes para o trabalho do BC. Antes a ata apontava que havia grandes
incertezas sobre a evolução dos preços das commodities, com “possibilidade de
reversão” desses preços em moeda local. O BC agora deu ênfase, em novo
parágrafo (número 9) aos efeitos da desaceleração global sobre a economia
doméstica. O “contexto de desaceleração”, aponta a ata, favorece a reversão dos
preços das commodities, ainda que “parcial observado nos últimos trimestres”.
Há uma presunção implícita de que o recuo
das commodities que acompanhará o esfriamento global será maior que eventual
valorização do dólar em relação ao real, que possivelmente oscilará mais,
agora, diante da bagunça fiscal e das eleições de outubro. Os próximos meses
dirão se essa esperança foi ou não vã, o que justifica o modo de espera do BC,
composto de “incertezas acima do usual” e “cautela adicional”.
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