O Globo
Num gesto irresponsável, o governo
Bolsonaro, por meio da sua bancada no Senado, propôs e conseguiu na
quinta-feira a aprovação em duas votações consecutivas da Proposta de Emenda à
Constituição 1/2022 (PEC 1/2022). A PEC decreta estado de emergência devido ao
aumento do preço dos combustíveis e abre crédito extraordinário para criar e
ampliar programas e benefícios sociais, entre eles o Auxílio Brasil, que substituiu
o Bolsa Família.
Se a PEC for aprovada na Câmara, o valor
pago pelo Auxílio Brasil às famílias terá um acréscimo de R$ 200, chegando a R$
600 mensais entre agosto e dezembro de 2022. O governo pretende também zerar a
fila dos que aguardam o benefício, incorporando 1,6 milhão de novas famílias,
na estimativa oficial (um estudo da
Confederação Nacional de Municípios estima a demanda reprimida em 2,8
milhões de famílias).
A ampliação do Auxílio Brasil é oportuna, já que a pobreza extrema e a fome são a emergência número um do país. Não há sombra de dúvida de que ampliar a cobertura e o valor do benefício pago é a medida social mais urgente e mais importante neste momento. Trinta e três por cento dos que recebem o auxílio seguem, mesmo com a ajuda do governo, passando fome (insegurança alimentar grave), segundo o último Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar. No total, 33 milhões de brasileiros passam fome, cifra que deveria nos envergonhar e dar prioridade absoluta ao problema.
Mas a ampliação do Auxílio Brasil foi feita
de maneira tão atabalhoada e malandra que é difícil apoiá-la sem muitas
ressalvas. É a coisa certa feita de um modo completamente errado. Por meio da
decretação de estado de emergência, a PEC contorna as regras fiscais que
limitam o gasto público e as regras eleitorais que impedem a concessão de novos
benefícios em ano eleitoral.
Permite ampliar o Auxílio Brasil, mas
apenas pelos últimos cinco meses do ano. Não estabelece nenhuma fonte para os
recursos, produzindo desarranjo no Orçamento e incerteza para os 20 milhões de
famílias atendidas sobre o que acontecerá a partir de 2023. Ninguém tem dúvida
de que a ampliação do programa foi uma medida desesperada para Bolsonaro ganhar
votos entre os mais pobres, faltando menos de cem dias para as eleições.
Não precisava ser assim. Se o governo não
tinha tempo para fazer uma reforma tributária bem feita, poderia apenas ter
introduzido a taxação de lucros e dividendos, progressiva, adotada no mundo
todo, consensual entre os especialistas, e destinado os recursos do tributo
para o Auxílio Brasil, criando uma solução definitiva e estável. Para isso,
teria de ter planejamento e um compromisso não eleitoreiro com o combate à
pobreza. Se tivesse feito isso no fim de 2021, não haveria conflito com a lei
que impede a criação de benefícios a partir de 1º de janeiro do ano eleitoral.
A pobreza e a fome hoje estão num patamar
tão elevado que mesmo uma medida irresponsável com o futuro e que tão descaradamente
afronta a lei eleitoral terminou aprovada no Senado quase por unanimidade
(apenas o senador José Serra votou contra). Que senador ou deputado votaria
contra a concessão de um auxílio tão urgente para as famílias
brasileiras? Reportagem do GLOBO mostrou que o uso do estado de
emergência para contornar a lei eleitoral provavelmente seria contestado na
Justiça Eleitoral, mas que partido provocará a Corte? Num momento em que a
legitimidade da Justiça Eleitoral está sob ataque, ela barraria um auxílio que
tira gente da fome?
Criar programas sociais que enfrentam a chaga social brasileira e receber votos por isso não é um problema. Mas fazer um programa social malandro e mal-ajambrado, que sinaliza aos eleitores uma solução quando é um mero remendo de cinco meses — provavelmente ilegal e sem fonte de recursos que garanta sua continuação — é apenas canalhice eleitoreira.
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