Folha de S. Paulo
A expectativa de impunidade costuma
alimentar a arrogância e o descuido dos infratores. Jair
Bolsonaro achou que poderia ficar despreocupado nas semanas que
o levaram à sede da Polícia Federal para dar
explicações sobre as joias milionárias que queria levar para casa.
O ex-presidente pareceu acostumado com a blindagem de que desfrutara nas últimas décadas. Ele até tentou desconversar quando surgiram as primeiras notícias sobre o colar de diamantes apreendido no aeroporto de Guarulhos ("não pedi, nem recebi"). Depois, no entanto, ofereceu aos investigadores uma espécie de confissão completa.
Nas últimas semanas, Bolsonaro admitiu que
havia recebido duas caixas de joias oferecidas pelos sauditas. Também confirmou
o que estava registrado em documentos e vídeos: que a equipe do governo agiu
para liberar o que ele chamou de "conjunto
da Michelle" —um kit de diamantes no valor de R$ 16,5
milhões.
Nesse tempo, os bolsonaristas nem tentaram
esconder que o plano era mesmo ficar com as joias. Um advogado da família disse
que o material era um
presente "personalíssimo" e que, portanto, pertencia
ao ex-presidente. Ao fim do governo, os itens valiosos foram guardados em
segredo no sítio do aliado Nelson Piquet.
Os fatos estão contra Bolsonaro nessa
história. No depoimento à PF, não restou alternativa a não ser confirmá-los,
sob uma roupagem favorável. O ex-presidente disse que as joias foram
registradas de maneira regular em seu acervo e, numa desculpa esfarrapada,
afirmou que o governo só tentou recuperar as joias apreendidas para evitar uma
desfeita diplomática com a Arábia Saudita.
Sem ter como negar a tentativa de ficar com
os diamantes, Bolsonaro aposta num caminho curioso: admitir tudo, mas alegar
que não houve crime. A ideia é usar brechas na lei para dizer que não há
problema em levar para casa um presente milionário. A manobra não deveria
colar. O crime de peculato se aplica ao funcionário público que se apropria de
qualquer bem "em razão do cargo".
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