sábado, 6 de janeiro de 2024

Alvaro Gribel - Haddad tem a ciência do risco

O Globo

Ministro da Fazenda sabe que não pode errar na economia para evitar a volta da extrema direita ao poder

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem consciência de que o sucesso do governo Lula passa pela economia, e que essa é a principal agenda para se evitar a volta da extrema direita ao poder. Por isso, ele garante que a política fiscal não sairá do controle e que a equipe econômica fará de tudo para cumprir o arcabouço fiscal. Questionei Haddad nos bastidores da entrevista da última semana sobre esse risco, e a resposta foi objetiva: “Sim, tenho consciência”. Isso ajuda a entender por que o ministro está disposto a comprar a briga interna com o PT pelos rumos da economia, e por que a Fazenda insiste na Medida Provisória da reoneração da folha de pagamento. Embora já tenha perdido por duas vezes essa batalha no Congresso, com a aprovação da prorrogação e a derrubada do veto do presidente Lula, a pasta entende que é a desoneração é incoerente com tudo que foi feito em 2023. O grande buraco da política econômica, contudo, continua sendo a falta de uma agenda efetiva de cortes de gastos. Colocar todo o peso do ajuste no fim das renúncias fiscais e no aumento da arrecadação parece ser o principal erro da pasta.

Confiança e sorte

Haddad contou com a sorte para ganhar ainda mais confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma das suas primeiras batalhas deste mandato foi o pedido ao presidente para que o governo aumentasse os impostos sobre os combustíveis, que haviam recuado em medida eleitoreira do ex-presidente Jair Bolsonaro. Haddad garantiu a Lula que os impostos voltariam a subir, mas os preços cairiam nas bombas ao longo do ano. E de fato isso aconteceu. “Não é fácil você chegar para um presidente da República e dizer o seguinte: reonere que o preço vai cair”, disse o ministro. Ele apostava justamente no aumento da confiança da economia, com a queda do dólar em relação ao real, o que de fato aconteceu no ano (-8,19%). Já o petróleo, que recuou 10,3%, foi efeito da conjuntura, que o ministro não controla.

Susto e alívio

Ontem o governo americano divulgou o dado mais importante da economia mundial para o mercado financeiro, a criação de vagas no mercado privado (payroll). De início, o número assustou, porque veio acima do esperado. Depois, os investidores perceberam que houve revisões para trás, o que tirou da conta cerca de 145 mil vagas. A lógica do mercado agora é torcer por dados fracos nos EUA, para que os juros lá caiam mais rapidamente, o que impulsiona as bolsas. Para o Bank of America, os cortes pelo Fed já vão começar em março, com uma redução de 0,25 ponto. E o que isso interessa para o Brasil? Muito. Os juros caindo por lá facilitam os cortes da Selic por aqui. O quanto antes, melhor.

Peso do Estado

O economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, aponta que os empregos criados nos EUA estão sendo puxados pelo setor público. “Não por acaso hoje os gastos do governo americano estão em 40% do PIB, maior nível desde a Segunda Guerra Mundial e do pico dos gastos com a pandemia”, afirmou em uma rede social.

Duas indústrias

O crescimento de 0,5% da produção industrial em novembro foi puxado pela indústria extrativa (3,4%), que se beneficia dos setores de mineração e produção de petróleo. Na indústria de transformação (-0,2%), que “transforma” matéria-prima em produtos com maior valor agregado, o quadro é outro. Além da queda no mês, o acumulado nos últimos 12 meses registra retração de 0,9%. Já a indústria extrativa salta 5,2%, nessa comparação, como mostra o gráfico. Os números confirmam que a indústria de transformação continua com baixa competitividade. A expectativa é que o quadro melhore um pouco este ano, com o efeito da redução das taxas de juros. Ainda assim, a XP projeta crescimento de apenas 1% para o setor todo.

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