O Globo
Jair Bolsonaro, cercado de braga-nettos,
nunca esteve sozinho
Perde-se muito tempo com a já famosa — mais
uma infame — reunião ministerial de 5 de julho de 2022. Aquela em que a turma
do general Heleno, numa (mais uma) peleja por se provar o autoritário mais
sabujo da desinformação bolsonarista, fez carga para que colegas menos
engajados se lançassem à campanha contra o sistema eleitoral.
(Há preocupações legítimas sobre a segurança do sistema de votação eletrônico. A fiscalização a respeito deve ser rigorosa; os críticos tendo a segurança de que seus apontamentos não serão criminalizados na vala antidemocrática. O encastelado TSE já foi arrogante ao responder a questionamentos válidos. O bolsonarismo, no entanto, opera — existe e se desenvolve — na instrumentalização oportunista das dúvidas honestas; agente de assalto em tudo quanto possa minar as expressões de concretude da República. Tampouco à toa o investimento contra a credibilidade do sistema vacinal brasileiro. São manifestações práticas da “coisa pública”; da amplitude da “coisa pública”, donde inimigas.)
Jair
Bolsonaro, cercado de braga-nettos, nunca esteve sozinho. Qual a surpresa,
sendo um Anderson Torres o ministro da Justiça? Digerida a materialidade de
ver/ouvir aqueles discursos cafajestes, o que haveria de surpreendente ali?
Os que acreditaram no comedimento do general
Paulo Sérgio, então ministro da Defesa, fizeram-no à margem do que a realidade
expunha: a do comandante do Exército que permitira a Pazuello, militar da
ativa, participar numa daquelas motociatas. Permissão —acolhimento — que
equivaleu a tocar o apito que libertaria os kids-pretos habitantes da caserna
profunda. À margem do que a realidade expunha: a do designado ao Ministério da
Defesa coincidentemente quando da infiltração desestabilizadora — não sem
alertas, né, ministro Barroso? — na comissão de transparência do TSE.
A reunião fez desfilar variações sobre o
desejo de “virar a mesa” antes das eleições, algo que — se pensarmos nos termos
de um processo de evolução do delito, do que seria o caminho do crime —fica no
plano da cogitação, no âmbito intelectual, daí que não punível.
A coisa mudará de figura se o centro da
análise for o conjunto de encontros, havidos no Alvorada, entre 7 e 9 de
dezembro de 2022. Ali está, organizada, com divisão de tarefas e definição de
objetivos, a gravidade tipificável. Aquele período em que, segundo a delação de
Mauro Cid, uma minuta golpista foi apresentada ao ministro da Defesa (olha ele
aí!) e aos comandos de Exército e Marinha, texto depois editado sob pedido do
presidente da República e reapresentado — para a adesão de ao menos um general
com acesso a tropas.
(O chefe do Exército esteve presente na
primeira reunião, depois foi informado sobre os ajustes “atenuantes” na minuta,
pressionado pelo coronel Cid a encampar o decreto — o que não fez. Outros o
fizeram. Como, por comparação, os critérios do que seja um “legalista” vão
frouxos, talvez até passe por herói, mesmo não tendo denunciado a conspiração.
Graças a condutas como a do anuente comandante da Marinha, entrará no time do
general Fernando Azevedo e Silva, outro salvador da pátria, aquele exótico tipo
de moderado que dá rasante, em aeronave militar, numa manifestação contra o
Supremo.)
As reuniões entre os dias 7 e 9 de dezembro,
conforme delação de Cid corroborada por dados de registros de celulares e de
entrada e saída do palácio, documentam uma sucessão de etapas, de ações de
planejamento, que, com a atividade de Bolsonaro, configuraria a formação de
associação criminosa. Artigo 288 do Código Penal. O estabelecimento de
associação criminosa — numa ameaça à sociedade — consistindo em ato
preparatório que, exceção à regra, seria crime consumado.
A leitura da decisão de Alexandre
de Moraes que autorizou a operação policial do último dia 8 de
fevereiro deixa claro que o ministro avança por esse caminho. Ao que somará a
tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, ainda não
desqualificado esse crime pela forma como os inquéritos xandônicos, infinitos e
onipresentes, estendem autoritariamente seu alcance. (É preciso ter aprendido
com a corrupção do devido processo legal pela Lava-Jato.)
Alvo ele mesmo, Moraes, semana depois
daquelas reuniões, de monitoramento pela organização criminosa — o que poderia
ser enquadrado como movimento por impedir ou restringir o exercício de um poder
constitucional. Monitorado para, assinado o decreto, ser preso. Nada a ver com
a mobilização do aparato estatal, pelo tribunal constitucional, contra uma
família por crime — injúria real — de menor potencial ofensivo.
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