Valor Econômico
Para Mansueto, o país não está num cenário de crise fiscal, mas as incertezas sobre as contas públicas pressionam as taxas longas, prejudicando a retomada do investimento
O Brasil começou o ano com uma economia mais forte do que se esperava, e um crescimento acima de 2% em 2024 entrou de vez no radar dos economistas. Ao mesmo tempo, o cenário externo se complicou. Primeiro, os juros americanos deverão demorar mais para cair e recuar menos do que se esperava, um ponto desfavorável para os emergentes. Além disso, os riscos geopolíticos cresceram significativamente, com a escalada de tensões entre Irã e Israel, o que pode tornar os investidores mais cautelosos e pressionar os preços do petróleo.
É um quadro que deixa mais evidente a
importância de não se gerar ruídos desnecessários, especialmente em relação às
contas públicas. Nos últimos meses, porém, as incertezas fiscais voltaram a
aumentar, como indica em especial o comportamento dos juros reais (descontada a
inflação) de longo prazo. As taxas das NTN-Bs, os títulos do Tesouro corrigidos
pelo IPCA, com vencimento em 2045 e 2050 superaram novamente os 6%. Na virada
do ano, estavam em 5,55%.
Ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida
diz que o país não está num cenário de crise fiscal, mas destaca o efeito das
incertezas sobre os juros de longo prazo. “O crescimento projetado da dívida
não é explosivo. O problema é que, no cenário atual de incerteza fiscal e
debate de mudança da meta do resultado primário, a taxa de juros longa deve
continuar elevada e prejudicar a recuperação do investimento”, resume ele, para
quem o ideal seria o governo manter a meta de 2025 de um superávit primário de
0,5% do PIB para o governo central no Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO) do ano que vem, a ser anunciado nesta segunda-feira. O
governo, contudo, cogita reduzir o alvo do resultado primário (exclui gastos
com juros) para um superávit de 0,25% do PIB.
Além disso, Mansueto mostra preocupação com a
medida que permite ao governo antecipar neste ano R$ 15,5 bilhões em gastos,
aprovada na semana passada pela Câmara dos Deputados, numa mudança da lei do
arcabouço fiscal. No artigo 14, a lei possibilita a abertura de crédito
suplementar neste ano se houver uma avaliação positiva da arrecadação no
Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do segundo bimestre, a
ser divulgado em 22 de maio. A alteração, porém, permite o crédito com base no
relatório de 22 de março, que já mostrou números favoráveis. Com isso, seria
possível elevar os gastos em R$ 15,5 bilhões. A medida ainda precisa passar
pelo Senado, o que não deverá ser difícil.
Mansueto diz não ver motivo para a
antecipação, apontando um problema no artigo 14 mesmo no formato atual. “Como o
governo vai ampliar a despesa deste ano, para chegar ao crescimento de gastos
de 2,5% acima da inflação, quando fala da dificuldade de cumprir as metas
fiscais tanto neste ano quanto nos próximos?”, questiona ele, hoje
economista-chefe do BTG Pactual. O arcabouço prevê alta das despesas de 0,6% a
2,5% por ano, descontada a inflação. Os R$ 15,5 bilhões são a diferença entre a
elevação de gastos de 1,7%, prevista no Orçamento de 2024, e o teto de 2,5%. Na
visão de Mansueto, a iniciativa preocupa porque o aumento das despesas seria
incorporado à base do gasto não só deste ano, mas também dos seguintes. “Vamos
imaginar que o governo faz a liberação adicional de R$ 15 bilhões de despesa e
em maio chega à conclusão de que vai ter frustração com a arrecadação esperada
e teria que fazer algum corte. O que vai acontecer?” Segundo ele, esse tipo de
incerteza cria um ambiente ruim no mercado, que passa a questionar o real
compromisso do governo e do Congresso com o arcabouço.
Taxas de longo prazo mais altas afetam as
perspectivas para a economia, que tem surpreendido favoravelmente, com números
positivos no varejo, em parte nos serviços e no mercado de trabalho. O BTG
Pactual prevê hoje uma expansão do PIB de 2,3% em 2024 - no começo do ano,
projetava 1,7%. “O crescimento será mais uma vez puxado pelo forte aumento do
consumo das famílias e por uma pequena recuperação do investimento, que não
deve crescer como percentual do PIB”, diz ele. “ A atividade e o mercado de
trabalho estão bons, mas se nós tivéssemos uma maior certeza da evolução
positiva do fiscal, o cenário estaria muito melhor, porque poderíamos esperar
uma recuperação mais forte do investimento, com o fechamento [queda] da curva
longa de juros. Hoje, com a indefinição do fiscal, fica o risco de uma surpresa
indesejada na inflação e de juros elevados.”
Mansueto projeta um déficit de R$ 70 bilhões
para o governo central neste ano, ou 0,63% do PIB. Em 2023, pelas estatísticas
do Banco Central (BC), houve um rombo de R$ 264 bilhões, ou 2,44% do PIB,
ampliado pelo pagamento de R$ 92,4 bilhões de precatórios. “Olhando apenas para
este ano em comparação com 2023, sem dúvida vamos ter um melhora fiscal na casa
de R$ 200 bilhões, um número relevante, mas superestimado”, afirma ele.
“Primeiro, o déficit do ano passado tem o
problema de R$ 70 bilhões de despesas atípicas que desaparecem da conta neste
ano: pouco mais de R$ 30 bilhões de precatórios de 2022, cerca de R$ 30 bilhões
de precatórios que seriam devidos em 2024, mas foram antecipados para 2023,
além de transferências antecipadas que o governo federal fez para os Estados no
acordo da compensação da tributação sobre combustíveis”, enumera Mansueto.
“Segundo, neste ano há também receitas atípicas: tributação sobre estoques de
fundos exclusivos e fundos offshore, outorga de apostas eletrônicas e adicional
de Imposto de Renda com recolhimento do pagamento de R$ 92,4 bilhões de
precatórios. Tudo isso não haverá no próximo ano”, diz ele, notando que as
despesas com precatórios no próximo ano serão maiores do que em 2024, porque
parte dessas dívidas referentes a este ano foi paga em 2023. “Em resumo, o
mercado hoje estima uma piora fiscal para 2025 e 2026 em relação a 2024. Para
2025, estimamos déficit do governo central perto de R$ 100 bilhões, ou seja,
uma piora em relação a este ano. Enquanto a meta de primário para 2025 é de
superávit 0,5% do PIB, projetamos déficit perto de 1% do PIB e um número um
pouco pior para 2026.”
O resultado, segundo Mansueto, é o que o
governo chegará a 2026 com uma dívida bruta entre 80% e 82% do PIB, ante 71,7%
do PIB de 2022. “Assim, um crescimento entre 8 a 10 pontos do PIB em quatro
anos.” Em 2023, a média dos emergentes ficou em 68,3% do PIB, segundo o FMI.
Para Mansueto, dado que o governo não
trabalha com um cenário de corte de despesas, a única forma de se obter um
resultado primário melhor seria por meio de um forte aumento de arrecadação, um
quadro cada vez mais difícil de ser atingido, devido à resistência que se
observa no Congresso.
Com isso, o cenário fiscal não deve permitir
uma queda mais forte dos juros de longo prazo, considerando as taxas das
NTN-Bs, avalia Mansueto. Para ele, esses juros tendem a cair quando começar o
recuo das taxas nos EUA e com a redução da Selic - na visão de Mansueto, a taxa
básica brasileira poderá chegar abaixo de 10%; hoje, está em 10,75% ao ano.
Mas, dado o quadro fiscal, ele não acredita num recuo maior das taxas das
NTN-Bs. “Isso pode atrapalhar o cenário de investimento, que depende da taxa de
juros longa, e não da Selic”, afirma Mansueto, lembrando que um dos sinais
negativos no Brasil foi a queda da taxa de investimento de 17,8% do PIB em 2022
para 16,5% do PIB em 2023 “É uma taxa muito baixa para um país que almeja
crescer entre 2,5% e 3% ao ano.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário