O Globo
Elon Musk venceu.
No confronto que protagonizou com Alexandre de
Moraes e o governo, foi acusado de atentar contra nada menos
que a soberania nacional. Lula chegou a cobrar-lhe que troque carros elétricos,
satélites e redes sociais pelo plantio de capim no Brasil. Disseram — até
jornalistas! — que o bilionário “ousou” criticar o STF,
como se isso equivalesse a matar Deus. No fim, porém, o presidente da Câmara
enterrou o PL das Fake News, projeto de regulação legal das plataformas de
redes sociais.
O PL não morreu de Musk nem de Centrão. A causa mortis estava diagnosticada de antemão, em seu nome popular: só uma ditadura seria capaz de distinguir legalmente o discurso político verdadeiro do mentiroso. No fundo, é esse motivo por que existem eleições livres e competitivas. As democracias baseiam-se no consenso mínimo de que o juiz da verdade política é o povo.
Bolsonaro alegou, até diante de embaixadores
estrangeiros, identificar “indícios de fraudes” nas urnas eletrônicas
brasileiras. O presidente que ataca a credibilidade do sistema eleitoral merece
o impeachment, um processo político decidido pelo Congresso. Mas pode o STF
proibir cidadãos de repetir tais alegações insubstanciadas em redes sociais? Se
a resposta for positiva, o que mais poderiam os juízes supremos?
Lula declarou, celebremente, que a Venezuela
tem “democracia até demais” — e isso quando Hugo Chávez subordinava o
Judiciário ao Executivo e reescrevia o código penal para perseguir opositores.
O PT saúda, ritualmente, os triunfos de Maduro em eleições farsescas e, há
pouco, chegou até a celebrar o “feito histórico” de Putin ao se reeleger com
87% dos votos em pleito sem oposição. Teria o STF a prerrogativa de bloquear as
contas do presidente e de seu partido nas redes sociais?
Orwell vive. Segundo o bolsonarismo, ditadura
(a dos militares, inaugurada em 1964) é democracia. Segundo o lulismo, ditadura
(a de Cuba, inaugurada em 1959) é democracia. Como criminalizar o “discurso
antidemocrático”, louca pretensão dos arautos do PL das Fake News?
O antigo ditador português António de
Oliveira Salazar inventou a “democracia orgânica”. Os países-satélites da URSS
na Guerra Fria nomeavam-se “democracias populares”. Viktor Orbán,
primeiro-ministro húngaro, prega a “democracia iliberal”. O ex-ministro da
Economia Paulo Guedes invocou a necessidade de uma “democracia responsável” ao
ruminar a hipótese de uma restauração do AI-5. Em sua mais recente defesa de
Maduro, Lula filosofou sobre “democracia relativa”. São, nitidamente, discursos
antidemocráticos. Devemos excluí-los das redes por meio de uma lei?
Sob o amparo de um STF sem rumo, Alexandre de
Moraes ilustrou sua versão da regulação das redes sociais ao determinar o
bloqueio de contas de pistoleiros bolsonaristas. Saltou, assim, da
criminalização do que enxerga como discursos criminosos à proibição de
discursos futuros — que são, por definição, desconhecidos. Na prática,
reinstalou a censura prévia. Orwell: não poucos jornalistas o aplaudiram.
Arthur Lira enterrou, finalmente, o cadáver
putrefato do PL das Fake News. No mesmo ato, ousado, anunciou a produção
célere, em 40 dias, de um novo projeto de lei. O alicerce do empreendimento
exigiria duas abdicações estatais: a renúncia filosófica de distinguir a
verdade da mentira e a renúncia jurídica de bloquear contas para censurar o
discurso futuro.
As plataformas de redes sociais entregam-se,
de corpo e alma, ao impulsionamento de discursos criminosos. A conclamação
organizada à violência contra instituições ou grupos sociais faz fortunas para
Meta, X e seus congêneres. Contudo o que é crime no mundo real também é crime
na esfera virtual. A regulação democrática das redes precisa se concentrar no
crime, não na mentira.
Exterminar a “desinformação”? Instaurar o
reino imaculado da verdade na política? Esqueça: isso é conversa de santarrões
pretendentes a censores. O objetivo deve ser identificar e processar os
criminosos — e, ainda, responsabilizar as plataformas pelo impulsionamento do
crime virtual. Aí, Musk perde.
2 comentários:
Perfeito!
Lula nunca quis implantar uma ditadura no Brasil,Bolsonaro ameaçava todos os dias,a diferença é essa.
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