O Globo
A lista de polêmicas que domina a pauta
de Brasília anda
variada e curiosa. Depois da
saidinha e das fake news, a disputa da semana se deu em torno da criação de
um imposto de 20% sobre as compras de produtos importados com valor até US$
50, chamado
“taxa das blusinhas”. O imbróglio tem contornos surreais.
A julgar pelo que se contou nos bastidores, o
que começou como proposta do Ministério da Fazenda para coibir um drible fiscal
por meio do qual grandes compradores se passavam por pessoas físicas para
evitar pagar impostos se transformou em instrumento de chantagem na briga pela
formação das chapas que disputarão a Prefeitura de Maceió (AL).
A coisa se passou assim: depois de se empenhar na costura de um acordo em torno do imposto, que a Fazenda queria de 40% e o próprio Lula queria que fosse zero, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), conseguiu aprovar a salomônica taxa de 20%. Lira se empenhou pessoalmente na negociação porque tinha um compromisso com os varejistas brasileiros, afetados pela concorrência dos produtos chineses.
Para que tudo andasse bem rápido, uma
“emenda-jabuti” foi incluída numa Medida Provisória prestes a ser aprovada, a
do programa Mover, que incentiva a produção de veículos menos poluentes. Nada a
ver com blusinhas ou importação.
Só que, ao chegar ao Senado
Federal, a proposta caiu no colo de um relator de Alagoas, Rodrigo
Cunha (Podemos), que simplesmente eliminou a taxa. A explicação que passou a
circular na mesma hora era se tratar de chantagem contra Lira, que não quer
deixar Cunha ser vice na chapa do atual prefeito de Maceió, João
Henrique Caldas (PL). JHC planeja se reeleger e depois sair do cargo
em 2026 para disputar o Senado, deixando a prefeitura para Cunha por dois anos.
Lira, Caldas e Cunha são do mesmo grupo, mas
o presidente da Câmara prefere um vice que “amarre” JHC na cadeira de prefeito
e dificulte sua saída. Tudo para evitar que o aliado dispute com ele a eleição
para senador, porque sabe que a segunda vaga aberta em Alagoas deverá ir para o
arquirrival Renan
Calheiros (MDB).
Se queria irritar Lira, Cunha foi muito
bem-sucedido. Só que o presidente da Câmara viu no movimento do muy amigo o
dedo do Planalto, já que a previsão inicial era que o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA),
fosse o relator da proposta. Na interpretação de Lira, o governo deixou Cunha
tomar conta do projeto para fustigá-lo. E revidou em seu melhor estilo.
Disse que, sem a taxa das blusinhas, o Mover
iria para o lixo assim que voltasse para a Câmara e jogou o problema de volta
para o governo, que teve de correr para arranjar uma solução.
Ao final, resolveu-se o caso com um destaque
separado, apresentado por quatro líderes de partidos da base e aprovado em
votação simbólica pelas bancadas, sem que nenhum senador precisasse colocar seu
nome nem sofrer com ataques virtuais dos compradores da Shein e
da Shopee.
O fato de uma questão paroquial de Maceió ter
o condão de bagunçar tão facilmente o jogo do governo no Congresso ilustra o
triângulo das bermudas em que o time de Lula se enfiou. Lira não confia no
Planalto, que por sua vez está refém dele para fazer sua pauta avançar — e
mesmo assim, nem sempre.
Nos “temas de costume”, o governo já se
conformou com a derrota, e nos temas econômicos a coisa vem se complicando,
porque, depois do arcabouço fiscal e de pautas mais palatáveis à direita, os
projetos que chegam em geral são para aumentar gastos ou impostos — com que
nenhum deputado ou senador gosta de se misturar.
Enquanto isso, no Senado já tem bastante
gente achando que a boa vontade da Casa com o governo não compensa. Afinal,
enquanto Lira pressiona e consegue o que quer, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) continua entregando votações importantes, mas espera
sentado para ser atendido em pleitos como a desoneração da folha no setor
privado e em prefeituras, além da renegociação da dívida dos estados.
Para piorar o cenário, em Brasília a aposta
geral é que Lula só fará mudanças na Esplanada depois da eleição municipal, até
porque não adianta mexer antes de saber como se distribuirá o poder nas
prefeituras. Para alguns, o ideal seria esperar até a escolha dos novos
presidentes da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2025.
Nos próximos meses, o governo estará fadado a
navegar no escuro e em mar revolto, tirando água do convés com balde e rodo,
enquanto torce para a maresia chegar. Até lá, qualquer blusinha pode provocar
um maremoto. E Lula terá de se agarrar ao timão, a menos que encontre um
capitão capaz de levá-lo o mais rápido possível a um porto seguro.
2 comentários:
Muito bom!
Jesus!
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