quinta-feira, 6 de junho de 2024

Vinicius Torres Freire - O massacre dos aposentados de Milei

Folha de S. Paulo

Aposentadorias perdem quase um terço do valor em um ano, Congresso reage

O valor médio das aposentadorias do INSS era de R$ 1.766 por mês em fevereiro (dado mais recente). Suponha-se que, por um desastre qualquer, esse benefício baixasse para R$ 1.219 daqui a um ano.

Mais precisamente, suponha-se que esse viesse a ser o poder de compra da aposentadoria média em fevereiro de 2025. Uma baixa real, anual, de 31%.

Isso aconteceu com o valor médio das aposentadorias na Argentina, de um ano para cá. Pelo menos, foi esse o tamanho do corte real de gastos do governo nacional com os aposentados. A despesa com servidores públicos caiu 16%.

Até aqui é esse o plano de Javier Milei para reduzir o déficit do governo. Isto é, um arrocho por meio da inflação, "licuación", liquefação, como eles dizem. As despesas do governo não são reajustadas no mesmo ritmo do aumento de preços. Em termos reais, a despesa cai.

Começou a dar problema político. A Câmara dos Deputados aprovou nova regra de reajuste das aposentadorias, com correção pela inflação passada e algum aumento real, com 67% dos votos de um plenário quase cheio.

Se passar no Senado, Milei diz que veta. O veto presidencial só cai com dois terços dos votos em cada casa do Parlamento. Difícil, mas o governo já está perdendo por esse tanto de votos. Milei tem a aprovação de metade dos eleitores.

Apesar do arrocho brutal, não houve protesto popular politicamente desestabilizador. Mas muita gente se pergunta se esse ajuste primitivo e no couro do povo pode durar, inclusive nos jornais e nas consultorias econômicas, quase todos amistosos com o governo.

Milei ainda não tem um plano econômico que mereça o nome. Quase nada do que propôs passou no Congresso, até agora. Não há programa de receitas e despesas previsíveis. Entre outras aberrações, o Banco Central é disfuncional, a política monetária inexiste, há controles de câmbio loucos, o governo não tem crédito.

Não consegue se financiar no mercado doméstico, praticamente não há mercado de dívida pública. Se o déficit voltar, o governo se financia com emissão de dinheiro, grosso modo.

Ainda assim, "o mercado", dentro e fora da Argentina, animou-se com o superávit nominal de 0,2% do PIB no primeiro terço do ano. Isto é, o governo pagou contas e juros e ainda sobrou (no Brasil, o déficit nominal anual anda pela horrorosa casa dos 9% do PIB).

Milei conseguiu tal superávit na base da "licuación". A receita do governo caiu 7% no primeiro quadrimestre (ante o ano passado), em termos reais. Mas a despesa baixou 29%. O investimento em obras e equipamentos caiu quase 84%. As transferências para as províncias (estados deles), 76%. A taxa de juros negativa (muito menor do que a inflação) e o controle de capitais ajudam a amassar também a dívida (e a poupança financeira em pesos).

A ideia de Milei era arrochar um pouco menos e aumentar impostos. Como sua política é um horror, ainda não conseguiu nova receita tributária. Os parlamentares, bidu, também não querem acabar com isenções para empresas, por exemplo.

A não ser que surja onda miraculosa e gigante de investimento produtivo privado (hum), esse esquema não deve durar. Mesmo arrebentando uma quantidade bastante de gente, o "ajuste" ainda precisaria de um plano de conserto estrutural da economia.

Na prévia oficial, o PIB anda caindo pela casa dos 5% por ano. Ao final de 2024, a queda seria de 3% a 4% (no ano passado, foi de 1,6%). Se a coisa funcionar, dado o tamanho do desastre, sairia barato (na Grande Recessão no Brasil, o PIB caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016).

Seria o milagre da liquidificação do povo calado e desesperado com o que, aparentemente, julga ser a falta de alternativa.

 

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