quarta-feira, 19 de junho de 2024

Vera Magalhães - O ‘timing’ triplamente infeliz da fala de Lula

O Globo

Além de ser contraproducente para forçar queda de juros, entrevista do presidente antecipa sucessão presidencial

O conteúdo e o tom da altamente noticiosa entrevista de Lula à rádio CBN foram bastante questionáveis, mas o timing da fala presidencial também foi infeliz por pelo menos três razões. O conjunto da obra mostra que o governo precisa de ajustes também na comunicação, além de na economia e na articulação política.

Já escrevi em meu blog no GLOBO a respeito de como, ao voltar a mirar no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, Lula reedita uma estratégia de 2023 que tem menos capacidade de surtir efeito agora que há um ano.

A decisão do Copom a respeito da taxa básica de juros sairá hoje, e, se tiverem algum efeito, os ataques de Lula ao presidente do BC unirão o colegiado naquela que já era a decisão mais esperada pelo mercado: a manutenção da Selic em 10,5%.

Nas últimas semanas já havia uma espécie de consenso de que a reunião de junho não repetiria a divisão exatamente meio a meio da diretoria: de um lado os indicados de Lula; de outro, os remanescentes indicados por Jair Bolsonaro.

As razões técnicas que explicam a pisada no freio do Copom na sequência de sete quedas na Selic envolvem questões internas e externas. A elas, se soma a natural propensão dos diretores de blindar a instituição da pressão política que Lula tratou de explicitar.

Um dos problemas de timing das declarações em tom belicoso do presidente é justamente terem precedido uma reunião do Copom que já anunciava más notícias para as pretensões do Planalto.

O segundo problema é antecipar em nada menos que dois anos e meio a sucessão presidencial, ao passar recibo do incômodo com a confraternização de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Convescote altamente impróprio, sem dúvida. RCN já vem de comportamentos incompatíveis com a independência do BC, como ter envergado um uniforme da Seleção Brasileira para ir votar em 2022, ou ter integrado o grupo de WhatsApp dos ministros de Bolsonaro até ser flagrado.

Do presidente de uma autoridade monetária independente, se exige afastamento das cortes políticas. E alcunhas como “pai do Pix” podem até ser tentadoras, mas são kryptonita que joga contra o princípio da autonomia — avanço institucional que não deve ser esculhambado.

Ainda assim, o que Lula ganha escolhendo Tarcísio como provável adversário em 2026 com tanta antecedência? O presidente confere ao governador de São Paulo uma importância na definição da política monetária que ele não tem e acaba por galvanizar na opinião pública, inclusive aos olhos do tal mercado com que vem se indispondo de forma também desnecessária, a ideia de que Tarcísio é seu antípoda.

O terceiro descompasso temporal da fala em que de novo se desviou de se comprometer com cortes de gastos e ainda terceirizou para empresários e para o Congresso a responsabilidade de encontrar receitas para compensar desoneração da folha de pagamentos, acenando até com a liminar concedida pelo ministro do STF Cristiano Zanin como carta na manga que pode voltar a usar, é que isso não ajuda a necessária reconstrução da governabilidade previsível no Congresso.

Pelo contrário: parece que o presidente jogou a toalha e reconhece que será difícil para seu governo apresentar uma proposta que coadune o necessário ajuste fiscal e o empuxo para fazer com que ele tenha o aval do Legislativo.

Tudo isso veio justamente no dia em que a pesquisa Datafolha mostra um princípio de recuperação na popularidade de Lula, com a aprovação descolando da rejeição pela primeira vez em 2024. Seria o caso de ver de onde vem a luz no fim do túnel e de investir os esforços, inclusive de comunicação, nessa direção, e não de criar novas arestas além das muitas que já há nos fronts da economia e da política.

 

2 comentários:

Mais um amador disse...

Dois pontos :

• Há tempos a postura do presidente do Banco Central vem sendo imprópria.

Ok, perfeito.

• Nos 4 anos do governo Bolsonaro, a taxa básica de juros subiu de 6,5% para 13,75% ao ano.

De resto, cada um procura suas narrativas e bodes expiatórios.

😏😏😏

ADEMAR AMANCIO disse...

Vera sendo Vera e,acertando,diga-se.